Estamos a viver a era de maior redução de emissões de gases com efeito de estufa desde a Segunda Guerra Mundial, em virtude da pandemia Covid-19. "As estimativas apontam para que neste ano de 2020 as emissões baixem de 7% a 8%", na sequência das restrições relacionadas com viagens e do forte abrandamento industrial. Mas há o risco de que este cenário seja "apenas temporário", como alerta Colette Lewioner, consultora senior para a área da Energia e Utilities da Capgemini, que acaba de lançar o seu estudo anual World Energy Markets Observatory (WEMO).."É provável que o nível das emissões volte a aumentar à medida que o mundo vá conseguindo ultrapassar esta situação", prevê a especialista.."Para nos mantermos no caminho certo a nível ambiental, teriam de ser tomadas medidas de contenção semelhantes às atuais todos os anos, durante os próximos 10 anos, o que é, naturalmente, inviável e indesejável", observa. É por isso que são realmente necessárias mudanças profundas para cumprir as metas traçadas no contexto das alterações climáticas..Alguns sinais positivos já estão em marcha, como destaca o estudo WEMO 2020. A produção de energia a partir de fontes renováveis e as tecnologias de armazenamento das baterias estão a evoluir rapidamente. "As energias renováveis já representam mais de metade do investimento mundial da produção de eletricidade". Esta tendência é mais acentuada nos países desenvolvidos do que nos países emergentes, que "continuam a construir centrais elétricas a carvão e a gás para satisfazer a procura crescente de eletricidade"..Outro sinal positivo que se tem observado é que, graças à expansão do mercado das energias renováveis e aos avanços tecnológicos, "os custos das energias eólica e solar continuaram a diminuir mais de 10% em 2019, e esta redução mantém-se constante numa base mensal". As energias eólicas offshore parecem agora as mais promissoras, enquanto a aceitação das instalações onshore continua a apresentar problemas.. Por outro lado, os custos das baterias para veículos elétricos e o armazenamento estacionário voltaram a registar uma redução de 19% em 2019 (baterias de iões de lítio), e foram anunciados projetos para a construção de 115 unidades fabris de grande dimensão, sendo 88 delas na China. Este mercado é dominado pelos players asiáticos, nomeadamente China, Japão e Coreia do Sul..Paralelamente, e a fim de recuperar a posição de liderança que perdeu no sector das baterias e dos painéis solares, a Europa decidiu avançar com investimentos muito importantes nas áreas do desenvolvimento do hidrogénio verde como fonte de descarbonização industrial e do armazenamento da eletricidade..Foi neste contexto que em julho deste ano, a Comissão Europeia decidiu investir entre 180 e 470 mil milhões de euros até 2050 de modo a transformar o hidrogénio verde numa importante componente do cabaz energético europeu, tendo como meta que este passe a representar 12% a 14% do mix global. Um setor em que Portugal se está a posicionar para ser um player de destaque..Estes avanços abrem a porta a uma nova era de expansão da mobilidade elétrica, que deixará gradualmente de ser um mercado de nicho para se tornar um mercado mais massificado..Mas, como aponta o estudo da WEMO, apresentado este mês, a rapidez do crescimento das energias renováveis também tem trazido instabilidade à rede de abastecimento.."Dada a percentagem crescente das fontes de energia renovável intermitente (eólica e solar) no cabaz energético, o equilíbrio da rede elétrica é mais difícil de assegurar e a segurança do abastecimento pode estar em risco". Esta situação foi, de resto, patente este ano, tanto na Europa como nos EUA. Em abril de 2020, durante o confinamento, a diminuição do consumo de eletricidade registada na Europa, aliada ao clima ensolarado e ventoso que se fez sentir, gerou um aumento substancial da percentagem (entre 60% a 70%) de eletricidade renovável na rede. A Alemanha e o Reino Unido quase que sofreram apagões virtuais, demonstrando que tanto as redes como a regulação não são adequadas para lidar com a elevada quantidade de energias renováveis na rede elétrica. Sobretudo se tivermos em conta que está previsto que este valor venha a aumentar até ao final desta década..Outro exemplo sucedeu em meados de agosto de 2020, durante uma onda de calor na California (EUA), onde se registaram falhas localizadas em áreas onde o fornecimento de energia depende em 33% da energia renovável, principalmente da energia solar. Esta situação representa um desafio nas noites quentes de verão, quando a produção da eletricidade de fonte solar cai para zero, mas a necessidade de utilização dos ares condicionados se mantém..O problema tem tendência a intensificar-se à medida que a Califórnia avança no cumprimento da meta de as energias renováveis virem a ser responsáveis por 60% da produção de eletricidade até 2030, e em que procede à eliminação gradual da produção de energia programada a partir de centrais de combustíveis fósseis e nucleares.."Dada à importância crescente das energias renováveis no cabaz energético e o encerramento iminente das centrais de geração programada, a estabilidade e a segurança da rede de abastecimento passaram a estar no topo das preocupações do setor", observa o estudo. A pressão a que os grandes grupos da indústria petrolífera e de gás têm estado sujeitos levou-os a diversificarem as suas atividades e a comprometerem-se com o objetivo da neutralidade carbónica..Para que se alcancem os objetivos fixados no contexto das alterações climáticas e se garanta a segurança do abastecimento de energia, o WEMO recomenda, entre outras medidas controlar as emissões de CO2 e fixar um preço elevado para as emissões de carbono e/ou impor impostos sobre o carbono, incluindo sobre os produtos importados, e encorajar a desenvolvimento de formas de produção de energia verde - energia renovável, e também centrais nucleares seguras que permitam produzir eletricidade "verde"..Recomenda igualmente que se garanta a segurança da gestão da rede através de uma transformação digital e alterações no cálculo das tarifas para pagar os investimentos da transformação digital, bem como imposição de preços dinâmicos que permitam intensificar a resposta ao aumento da procura; e alterar a "ordem de importância dos meios de produção" para permitir a redução das energias renováveis, se necessário. Tudo sem esquecer o enfoque na eletrificação dos transportes e no desenvolvimento do hidrogénio verde..No fundo, trata-se de aproveitar o fundo europeu de recuperação, orçado em 750 mil milhões de euros, para apoiar projetos de desenvolvimento sustentável e de transição energética, com vista a uma economia realmente verde.. Veja tudo sobre mobilidade em www.portugalms.com