Pandemia reduziu diagnóstico de tuberculose em Portugal
Ano a ano, e com a redução do número de casos, o cidadão comum olha cada vez mais para a tuberculose como uma doença respiratória, que assustava no século XX, pela sua contagiosidade e mortalidade, mas que já faz parte do passado. Mas não é assim. "A doença existe e os sintomas não devem ser desvalorizados. Um doente que tenha tosse e febre durante mais de duas semanas deve falar com o seu médico ou ir diretamente a um Centro de Diagnóstico Pneumológico (CDP), onde está centralizado o atendimento à doença, para que este diagnóstico seja equacionado e feito o rastreio à doença", argumenta ao DN a diretora do Programa Nacional para a Tuberculose (PNT), Isabel Carvalho.
Aliás, a pneumologista diz mesmo que um dos desafios para o futuro continua a ser a literacia sobre a tuberculose. "As pessoas têm de saber que os rastreios e as consultas realizadas nos CDP são gratuitas e que não precisam de referenciação do médico de família ou até de inscrição no Serviço Nacional Saúde para serem observados. Os CDP trabalham de porta aberta e é importante, que, no caso de haver sintomas, a possibilidade de diagnóstico de tuberculose não seja esquecida pelo próprio doente, de forma que os casos sejam detetados cada vez mais cedo, para que seja possível também traçar estratégias de tratamento mais cedo, sendo que estas terão resultados mais eficazes nesta fase do que se forem iniciadas quando o doente já tem sintomas avançados", argumenta ainda.
A médica destaca que, no primeiro trimestre de 2021, os doentes que chegaram já vinham com sintomas de há muito tempo, o que estará diretamente relacionado com o facto de os primeiros sintomas da tuberculose serem idênticos aos da covid-19. "Era feito o despiste para a covid, se dava negativo os doentes deixavam arrastar os sintomas", explica.
Por outro lado, sustenta, "a pandemia foi uma das causas diretas da redução da incidência da tuberculose no ano de 2020, sem dúvida, porque, embora as estruturas onde se realizam os rastreios e as consultas tivessem mantido as suas portas abertas, houve uma diminuição abrupta da procura". Ou seja, o confinamento contribuiu para que não houvesse mais casos, porque as pessoas não procuravam os serviços de saúde, mas, ao mesmo tempo, sublinha a médica, "os próprios casos que não foram diagnosticados foram menos contagiantes, porque havia menos contacto social".
De acordo com a monitorização e vigilância em 2020, o país registou 1465 casos de tuberculose, menos 383 do que no ano anterior, em que foram notificados 1848. A taxa de notificação corresponde a 14.2 por 100 mil habitantes. No último quinquénio, a taxa de notificação registou uma descida anual da ordem dos 8,6%, mas, como refere Isabel Carvalho, ainda é necessário reduzir mais para se alcançar as metas definidas pela Organização Mundial de Saúde até 2035.
Mas a realidade registada no primeiro ano de pandemia, não é única de Portugal, "é transversal a outros países". O desafio agora, e para o qual o PNT tem vindo a trabalhar, "é fazer com que cada vez mais a abordagem do tema e as estratégias sejam direcionadas às necessidades e características de cada população".
Isabel Carvalho assume que a mensagem ou a forma como a informação tem de ser passada não pode ser igual para todos. E exemplifica: "Uma coisa é dirigimos ações de literacia para a população da região do Vale do Sousa, onde a tuberculose está muito associada à silicose e ao alcoolismo - ou seja, a uma população fabril, mas também rural - outra coisa é dirigirmos as mesmas mensagens para a população dos concelhos da Amadora ou de Sintra, onde a população é mais urbana, com dependências de substâncias e com VIH", acrescentando que, neste momento, a equipa do PNT está precisamente a trabalhar nesta área, "analisamos formas de podermos chegar mais facilmente às pessoas", não só em termos de literacia como no tratamento.
Um dos objetivos para um futuro a curto prazo é mesmo a procura de soluções que permitam aligeirar a entrega da medicação ao doente. "O objetivo é fazer com que o doente não tenha de se deslocar a cada 15 dias às unidades de saúde para ter medicação". Aliás, sublinha, "é isto que a OMS tem defendido: políticas de saúde cada vez mais centradas no doente e integradas na comunidade".
Para 2022, o desafio do programa "é manter a tendência decrescente da taxa de notificação de casos, reduzir o número de dias até ao diagnóstico, melhorar a atuação junto dos mais vulneráveis e melhorar a prestação de cuidados de saúde em tuberculose, privilegiando uma resposta centrada no doente". Mas também é necessário "trabalhar na identificação dos que têm um aumento acrescido de exposição à doença, dos que possam ter dificuldade no acesso aos cuidados de saúde, e ainda dos que apresentam risco elevado de desenvolver tuberculose perante exposição", já que "estas medidas poderão ter um verdadeiro impacto na aceleração da redução da incidência da doença".