PAN. Como mudou o partido que queria "repensar o conceito de pessoa"

Programas eleitorais do PAN em 2015 e 2019 mostram diferenças significativas na visão do Pessoas-Animais-Natureza, que suavizou muito as propostas e o discurso sobre os animais.
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Só tem um deputado mas conseguiu uma invejável centralidade no período de pré-campanha eleitoral. O PAN é um dos assuntos do momento, mesmo que na maior parte das vezes o seja numa perspetiva negativa. Impreparado, radical, contraditório, fundamentalista, autoritário, ditatorial, são alguns dos mimos que, dos debates às análises mediáticas, têm sido aplicados ao Pessoas-Animais-Natureza. André Silva, o deputado único do PAN, tem posto "todas as fichas" nas questões ambientais e reclama para o seu partido ter trazido este tema para o centro da agenda política. Mas o próprio PAN já teve outras prioridades.

O programa eleitoral do PAN às próximas legislativas tem diferenças consideráveis relativamente ao documento apresentado em 2015 e que valeu a André Silva a eleição como deputado. Há, desde logo, uma alteração simbolicamente relevante - neste ano, o programa abre com o combate às alterações climáticas, quando há quatro anos o primeiro capítulo era dedicado à proteção e ao bem-estar animal. As "políticas ambientais" surgiam em 2015 como a terceira secção do programa e sem uma referência em título às alterações climáticas. O ambiente ocupava 24 páginas, contra as 28 dedicadas aos animais ou, como lhes chamava profusamente o PAN, animais não humanos.

Nesta matéria, há várias propostas que desapareceram do programa eleitoral. Em 2015, o PAN queria "repensar o conceito de pessoa" e escrevia que tem sido recorrentemente negado aos animais uma construção jurídica que "lhes assegure mais direitos, como acontece com menores e outras/os interditas/os". "Apesar do seu nível de consciência ser igual ao dos seres humanos, atualmente os animais não têm o direito de ser considerados como pessoas", escrevia então o PAN, que defendia "o reconhecimento no Código Civil de um eventual terceiro tipo de pessoa, além da pessoa singular e da pessoa coletiva". Nada disto surge agora no programa do partido. A própria expressão "animal não humano", que percorre o programa de 2015, surge apenas três vezes no programa atual, no texto de enquadramento ao capítulo sobre proteção, saúde e bem-estar animal, e nunca sob a dicotomia animal humano/animal não humano.

Essa diferença é patente, por exemplo, no capítulo sobre fiscalidade. Primeira medida neste setor, em 2015: "Equiparar o IVA aplicado em serviços médicos a serviços médico-veterinários." Explicação: "Não deve existir discriminação de benefícios relativos a tratamentos médicos a animais humanos e a animais não humanos." A medida continua no programa, mas em versão bastante mais "enxuta" :"Reduzir o IVA aplicável à prestação de serviços médico-veterinários para a taxa reduzida." Há vários outros exemplos de medidas que pura e simplesmente desapareceram (como a punição do atropelamento de animais) ou aparecem agora mitigadas.

Mesmo noutras áreas há medidas que se mantém, mas em versão mais recuada, denotando um suavizar de posições do partido: em 2015 o PAN queria implementar o rendimento básico incondicional, garantindo que "existem mecanismos que permitem a sua implementação no imediato, sustentado por fontes de financiamento adequadas". Em 2019 quer "criar um projeto-piloto de implementação" do mesmo rendimento básico.

Já a polémica medida sobre a criação de um teto máximo às pensões já estava no programa de há quatro anos, que defendia "um teto máximo para as reformas públicas".

O que trouxe o PAN para a ribalta?

Eleito para a Assembleia da República com 1,39% (75 140 votos) em 2015, como é que o PAN chega ao protagonismo que tem vindo a alcançar nesta pré-campanha?

Carlos Jalali, professor da Universidade de Aveiro doutorado em Ciência Política, avança três dimensões distintas. Por um lado, a tendência de crescimento que o partido vem registando, com particular enfoque nas eleições de maio último, em que obteve 5% dos votos (168 501 votos ). "Há um antes e um depois das europeias em termos da atenção que é dada ao PAN", diz o politólogo, acrescentando um outro fator determinante: "Depois das europeias o PAN surge como um potencial parceiro de coligação num cenário de vitória do PS sem maioria absoluta."

A hipótese de poder vir a influenciar o governo atrai sobre o Pessoas-Animais-Natureza as atenções mediáticas e resulta num "maior peso aparente" do partido. A estas questões junta-se uma segunda dimensão, que se prende com o facto de as questões ambientais terem ganho uma centralidade maior e de haver, pelo menos em parte do eleitorado, a perceção de que o "PAN responde a essas preocupações", o que também "obriga os outros partidos a reagir a esta tendência". Por último, Carlos Jalali destaca a enorme importância de o PAN partir para estas eleições como um partido com assento na Assembleia da República: "Ter representação parlamentar dá-lhe um palco que nunca teve antes."

Pode a barragem de críticas que tem sido feita ao PAN, nomeadamente quanto ao desempenho de André Silva nos debates, provocar mossa? Jalali diz que, para um partido pequeno, é um enorme ganho poder chegar a um eleitorado a que nunca chegou antes. E acrescenta que as avaliações dos debates "são muito mediadas pelas intenções de voto" de quem vê, pelo que uma fraca prestação, ou vista como tal, "não se traduz necessariamente numa penalização eleitoral".

O que saiu do programa do PAN

Animais, um terceiro tipo de pessoas.

"Apesar do seu nível de consciência ser igual ao dos seres humanos, os animais não têm o direito de ser considerados como pessoas", escrevia o PAN em 2015, propondo o reconhecimento dos animais no Código Civil como "um eventual terceiro tipo de pessoa".

Proibir animais não humanos para mendigar

"É necessário abandonar esta ótica utilitarista de que os animais estão ao nosso serviço, devendo dar-se à prioridade ao seu direito a uma vida livre e natural", dizia o PAN há quatro anos, propondo a proibição expressa na lei da "utilização ou exploração de animais em ações de mendicidade".

Proibir a caça desportiva

A proibição pura e simples saiu, dando lugar à "redução do impacto da atividade cinegética". A proposta de proibição mantém-se para "zonas protegidas da Rede Natura 2000 e nas áreas de preservação e nidificação de espécies protegidas como a águia-real ou o lobo-ibérico".

Punir o atropelamento de animais

O PAN propunha uma alteração ao ao Código da Estrada, impondo a "obrigatoriedade de parar e prestar assistência aos animais vítimas de atropelamento". E propunha também "legislar no sentido da punição do atropelamento".

Produtos biológicos obrigatórios no Estado

Programa de 2015 instituía a "obrigação de que todos os produtos consumidos em escolas, universidades, hospitais e outras instituições públicas sejam de produção biológica". Agora, propõe "plano de fornecimento de alimentos biológicos às cantinas públicas do pré-escolar, 1.º e 2.º ciclos".

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