"Seis anos e 208 dias a partir do congresso do PAN. Este é o tempo previsto para atingirmos o ponto de não retorno das alterações climáticas." E isso quer dizer - e está destacado a maiúsculas, como um grito, na moção global que será votada neste fim de semana no congresso - que a "vida no planeta Terra pode estar prestes a acabar!"..É a "missão das novas vidas", lê-se no documento subscrito pela futura líder, Inês Sousa Real, que defende que o "PAN deverá assumir-se como o partido ambientalista português". Um partido com uma "visão disruptiva", "ecologista" e "animalista", que quer ver inscritos na Constituição os direitos dos animais..A cumprir dez anos, o PAN reafirma no VIII congresso, que decorre neste fim de semana em Tomar sob o mote "Semear o futuro, 10 anos a fazer avançar a mudança", as causas que são as de sempre, mas que passarão agora a ter um novo rosto. André Silva, porta-voz que se tornou também na figura mais reconhecida do Pessoas-Animais-Natureza ao ser eleito para a Assembleia da República em 2015, passa o testemunho a Inês Sousa Real, a atual líder parlamentar do partido. Uma alteração que trará também mudanças na bancada, dado que a futura porta-voz deixará este cargo, que deverá ser agora assumido pela deputada Bebiana Cunha, embora a decisão ainda não esteja tomada formalmente..Entre as propostas para os próximos anos que constam do documento estratégico conta-se a já referida intenção de "lutar pela introdução da figura do animal não humano na Constituição da República portuguesa, com vista ao reconhecimento dos seus direitos e reforço da sua proteção". A realização de campanhas nacionais de esterilização animal, a alteração da lei da caça, a abolição de "todas as práticas de entretenimento que atentem contra o bem-estar animal", a começar pelas atividades tauromáquicas - "uma prática bárbara que viola os mais elementares interesses dos animais" - são outras das propostas elencadas na moção global..Na perspetiva de que a economia tem de mudar de um plano meramente economicista para uma visão ambientalista, que considere os equilíbrios naturais, o PAN defende também um "ministério da economia debaixo da asa do ambiente e do clima"..Outra das bandeiras que o partido elege passa pela luta contra a corrupção. Tal como a mudança das leis eleitorais, uma vez que o "sistema eleitoral português não está preparado para a crescente pluralidade de forças políticas"..O mesmo documento defende uma "robusta reorganização interna", nomeadamente com o reforço das estruturas distritais e concelhias e a criação de uma Juventude do PAN. Além da moção estratégica serão também discutidas e votadas no congresso 25 moções setoriais, a maioria dedicadas ao bem-estar animal e ao ambiente. A nova porta-voz, que fará o discurso de encerramento no domingo, participará no congresso com algumas limitações, devido a uma lesão nas vértebras dorsais provocada por uma queda..Candidata única à liderança, Inês Sousa Real tem pela frente a tarefa de manter a trajetória eleitoral ascendente do partido, com o primeiro teste já nas próximas autárquicas. Sousa Real - que festeja o aniversário no dia em que subirá a porta-voz do partido, faz 41 anos no domingo - é jurista de profissão, licenciada em Direito, com mestrado em Direito Animal e Sociedade. Desde 2006 trabalhou como jurista na Câmara de Sintra, onde veio a assumir o cargo de chefe da Divisão de Execuções Fiscais e Contraordenações, que desempenhou até à entrada na Assembleia da República, em 2019..Foi Provedora Municipal dos Animais de Lisboa, entre 2014 e 2017, quando bateu com a porta alegando não ter recursos básicos para cumprir a sua missão. No mesmo ano, nas autárquicas, foi eleita deputada à Assembleia Municipal de Lisboa, onde se mantém atualmente..Criada na freguesia lisboeta dos Anjos, é fã das marchas populares (participou numa logo aos sete anos) e contava em março à Notícias Magazine que desde pequena queria levar para casa todos os que animais que encontrava na rua. Tornou-se a sua causa de eleição, mas não a única - defender o Planeta e os direitos humanos são as outras que elege à cabeça. À mesma revista afirma-se "feminista": "Não tenho medo à palavra. Na verdade, há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito ao acesso das mulheres à liderança, inclusivamente na política." E diria ainda, questionada sobre se gostaria de ser ministra: "Não vou dizer que não gostava. Gosto de servir"..Na despedida, André Silva diz sair "realizado e com o sentimento de dever cumprido" - "Foi uma experiência cívica extraordinária, é um privilégio poder representar os valores e a mundivisão de muitas pessoas, de um coletivo, fazer parte da mudança de aspetos que, do nosso ponto de vista, estão mal e precisam de respostas"..Avalia o balanço como "extremamente positivo": "Em 2014, quando fui eleito porta-voz do PAN, o partido não era conhecido, não tinha projeção. Conseguimos fazer algo extremamente difícil, ultrapassar a barreira da inelegibilidade, uma barreira do sistema político, que está feito para não entrarem novos partidos. Fomos pioneiros e penso que acabámos por beneficiar os próximos, Iniciativa Liberal, Chega e Livre. Os eleitores perceberam que a história da carochinha do voto útil não é verdadeira"..Sobre os últimos seis anos enquanto deputado, André Silva - que deixa toda a atividade política e regressa a militante de base do PAN - aponta como o momento mais difícil "a votação da moção de rejeição ao governo do PSD" liderado por Pedro Passos Coelho. "Tínhamos a convicção que o país não podia continuar assim, com uma governação mais troikista do que a troika, que era preciso fazer um caminho inverso, mas foi difícil. Estaríamos, como estivemos, a hostilizar o maior partido do parlamento." Já quanto ao momento mais feliz, elenca dois: a eleição para o Parlamento Europeu, e a eleição de uma bancada de quatro deputados em 2019, "a resposta do eleitorado ao nosso trabalho"..O último ano do PAN ficou marcado pela saída de altos quadros do partido, nada menos que o único representante no Parlamento Europeu, e uma das deputadas na Assembleia da República, que tinha sido chefe de gabinete de André Silva no mandato iniciado em 2015. Num e noutro caso, foi alegado que o PAN se distanciou das suas causas fundacionais e criticada a excessiva aproximação ao PS. "Foram episódios negativos, que não deveriam ter acontecido, mas o partido soube ultrapassá-los", sustenta André Silva, considerando que se tratou de episódios individuais sem mais eco no partido: "Basta ver a fragilidade dos seus argumentos de saída, que não têm pés nem cabeça." O ainda porta-voz não poupa nas críticas aos dois dissidentes: "Está por demais claro que saíram para cumprir um projeto pessoal, que a política mais não foi do que um trampolim para obterem uma renda para benefício pessoal.".Uma questão que a moção não esclarece, e que não tem tido uma resposta taxativa, é a posição quanto a uma eventual participação do PAN numa solução de poder. Mas André Silva tem uma ideia definida sobre o assunto. "Em termos do que for o contexto político, e da matemática parlamentar, se for chamado a negociar, a suportar uma estabilidade de incidência parlamentar, negociando orçamento a orçamento, penso que isso deve ser um caminho que está em aberto", defende..E deve ir para o governo? "Penso que não. Neste momento o PAN não tem condições para estar no governo, não tem resultados". "Uma coisa é um partido ter 25, 30% dos votos e fazer uma coligação governamental, outra coisa é um partido que tenha 3 ou 4 deputados, que por um ou dois faz uma maioria e com isso ocupa lugares governamentais. Penso que isso pode ser pago de forma muito severa, como aconteceu com o CDS." E há ainda outra questão, sublinha: "O PSD ou o PS estariam na disposição de concretizar o programa do PAN? Não, de longe. Alguma coisa teria de mudar", eventualmente pelo "suavizar das propostas do PAN, pela mudança das suas linhas programáticas e por uma certa institucionalização do partido". "Seria provavelmente a sua certidão de óbito", remata..susete.francisco@dn.pt