PAN abre novo ciclo e muda de liderança. Mas as causas são as de sempre

Em 2015 o PAN surpreendeu ao conseguir um lugar no Parlamento, em 2019 quadruplicou o feito. André Silva, o rosto dessa trajetória, sai agora de cena, com Inês Sousa Real a assumir o comando de uma sigla que quer afirmar-se como o "partido ambientalista português".
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"Seis anos e 208 dias a partir do congresso do PAN. Este é o tempo previsto para atingirmos o ponto de não retorno das alterações climáticas." E isso quer dizer - e está destacado a maiúsculas, como um grito, na moção global que será votada neste fim de semana no congresso - que a "vida no planeta Terra pode estar prestes a acabar!".

É a "missão das novas vidas", lê-se no documento subscrito pela futura líder, Inês Sousa Real, que defende que o "PAN deverá assumir-se como o partido ambientalista português". Um partido com uma "visão disruptiva", "ecologista" e "animalista", que quer ver inscritos na Constituição os direitos dos animais.

A cumprir dez anos, o PAN reafirma no VIII congresso, que decorre neste fim de semana em Tomar sob o mote "Semear o futuro, 10 anos a fazer avançar a mudança", as causas que são as de sempre, mas que passarão agora a ter um novo rosto. André Silva, porta-voz que se tornou também na figura mais reconhecida do Pessoas-Animais-Natureza ao ser eleito para a Assembleia da República em 2015, passa o testemunho a Inês Sousa Real, a atual líder parlamentar do partido. Uma alteração que trará também mudanças na bancada, dado que a futura porta-voz deixará este cargo, que deverá ser agora assumido pela deputada Bebiana Cunha, embora a decisão ainda não esteja tomada formalmente.

Entre as propostas para os próximos anos que constam do documento estratégico conta-se a já referida intenção de "lutar pela introdução da figura do animal não humano na Constituição da República portuguesa, com vista ao reconhecimento dos seus direitos e reforço da sua proteção". A realização de campanhas nacionais de esterilização animal, a alteração da lei da caça, a abolição de "todas as práticas de entretenimento que atentem contra o bem-estar animal", a começar pelas atividades tauromáquicas - "uma prática bárbara que viola os mais elementares interesses dos animais" - são outras das propostas elencadas na moção global.

Na perspetiva de que a economia tem de mudar de um plano meramente economicista para uma visão ambientalista, que considere os equilíbrios naturais, o PAN defende também um "ministério da economia debaixo da asa do ambiente e do clima".

Outra das bandeiras que o partido elege passa pela luta contra a corrupção. Tal como a mudança das leis eleitorais, uma vez que o "sistema eleitoral português não está preparado para a crescente pluralidade de forças políticas".

O mesmo documento defende uma "robusta reorganização interna", nomeadamente com o reforço das estruturas distritais e concelhias e a criação de uma Juventude do PAN. Além da moção estratégica serão também discutidas e votadas no congresso 25 moções setoriais, a maioria dedicadas ao bem-estar animal e ao ambiente. A nova porta-voz, que fará o discurso de encerramento no domingo, participará no congresso com algumas limitações, devido a uma lesão nas vértebras dorsais provocada por uma queda.

Candidata única à liderança, Inês Sousa Real tem pela frente a tarefa de manter a trajetória eleitoral ascendente do partido, com o primeiro teste já nas próximas autárquicas. Sousa Real - que festeja o aniversário no dia em que subirá a porta-voz do partido, faz 41 anos no domingo - é jurista de profissão, licenciada em Direito, com mestrado em Direito Animal e Sociedade. Desde 2006 trabalhou como jurista na Câmara de Sintra, onde veio a assumir o cargo de chefe da Divisão de Execuções Fiscais e Contraordenações, que desempenhou até à entrada na Assembleia da República, em 2019.

Foi Provedora Municipal dos Animais de Lisboa, entre 2014 e 2017, quando bateu com a porta alegando não ter recursos básicos para cumprir a sua missão. No mesmo ano, nas autárquicas, foi eleita deputada à Assembleia Municipal de Lisboa, onde se mantém atualmente.

Criada na freguesia lisboeta dos Anjos, é fã das marchas populares (participou numa logo aos sete anos) e contava em março à Notícias Magazine que desde pequena queria levar para casa todos os que animais que encontrava na rua. Tornou-se a sua causa de eleição, mas não a única - defender o Planeta e os direitos humanos são as outras que elege à cabeça. À mesma revista afirma-se "feminista": "Não tenho medo à palavra. Na verdade, há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito ao acesso das mulheres à liderança, inclusivamente na política." E diria ainda, questionada sobre se gostaria de ser ministra: "Não vou dizer que não gostava. Gosto de servir".

Na despedida, André Silva diz sair "realizado e com o sentimento de dever cumprido" - "Foi uma experiência cívica extraordinária, é um privilégio poder representar os valores e a mundivisão de muitas pessoas, de um coletivo, fazer parte da mudança de aspetos que, do nosso ponto de vista, estão mal e precisam de respostas".

Avalia o balanço como "extremamente positivo": "Em 2014, quando fui eleito porta-voz do PAN, o partido não era conhecido, não tinha projeção. Conseguimos fazer algo extremamente difícil, ultrapassar a barreira da inelegibilidade, uma barreira do sistema político, que está feito para não entrarem novos partidos. Fomos pioneiros e penso que acabámos por beneficiar os próximos, Iniciativa Liberal, Chega e Livre. Os eleitores perceberam que a história da carochinha do voto útil não é verdadeira".

Sobre os últimos seis anos enquanto deputado, André Silva - que deixa toda a atividade política e regressa a militante de base do PAN - aponta como o momento mais difícil "a votação da moção de rejeição ao governo do PSD" liderado por Pedro Passos Coelho. "Tínhamos a convicção que o país não podia continuar assim, com uma governação mais troikista do que a troika, que era preciso fazer um caminho inverso, mas foi difícil. Estaríamos, como estivemos, a hostilizar o maior partido do parlamento." Já quanto ao momento mais feliz, elenca dois: a eleição para o Parlamento Europeu, e a eleição de uma bancada de quatro deputados em 2019, "a resposta do eleitorado ao nosso trabalho".

O último ano do PAN ficou marcado pela saída de altos quadros do partido, nada menos que o único representante no Parlamento Europeu, e uma das deputadas na Assembleia da República, que tinha sido chefe de gabinete de André Silva no mandato iniciado em 2015. Num e noutro caso, foi alegado que o PAN se distanciou das suas causas fundacionais e criticada a excessiva aproximação ao PS. "Foram episódios negativos, que não deveriam ter acontecido, mas o partido soube ultrapassá-los", sustenta André Silva, considerando que se tratou de episódios individuais sem mais eco no partido: "Basta ver a fragilidade dos seus argumentos de saída, que não têm pés nem cabeça." O ainda porta-voz não poupa nas críticas aos dois dissidentes: "Está por demais claro que saíram para cumprir um projeto pessoal, que a política mais não foi do que um trampolim para obterem uma renda para benefício pessoal."

Uma questão que a moção não esclarece, e que não tem tido uma resposta taxativa, é a posição quanto a uma eventual participação do PAN numa solução de poder. Mas André Silva tem uma ideia definida sobre o assunto. "Em termos do que for o contexto político, e da matemática parlamentar, se for chamado a negociar, a suportar uma estabilidade de incidência parlamentar, negociando orçamento a orçamento, penso que isso deve ser um caminho que está em aberto", defende.

E deve ir para o governo? "Penso que não. Neste momento o PAN não tem condições para estar no governo, não tem resultados". "Uma coisa é um partido ter 25, 30% dos votos e fazer uma coligação governamental, outra coisa é um partido que tenha 3 ou 4 deputados, que por um ou dois faz uma maioria e com isso ocupa lugares governamentais. Penso que isso pode ser pago de forma muito severa, como aconteceu com o CDS." E há ainda outra questão, sublinha: "O PSD ou o PS estariam na disposição de concretizar o programa do PAN? Não, de longe. Alguma coisa teria de mudar", eventualmente pelo "suavizar das propostas do PAN, pela mudança das suas linhas programáticas e por uma certa institucionalização do partido". "Seria provavelmente a sua certidão de óbito", remata.

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