O Tribunal de Leiria começou esta quarta-feira a julgar o pai e a madrasta acusados de matar Valentina, nove anos, em maio de 2020, em Peniche, e apresentaram versões contraditórias dos factos que constam na acusação..Os arguidos estão acusados pelo Ministério Público de Leiria dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria..Segundo o despacho de acusação a que a Lusa teve acesso, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança de nove anos está ainda acusado de um crime de violência doméstica..No seu depoimento ao coletivo de juízes, o pai negou ter sido ele a colocar a menina na banheira e a mandar-lhe água a ferver.."Estava a dormir e acordei com os gritos da Valentina. Fui à casa de banho e vi a menina inanimada e a desfalecer. Tirei-a e levei-a para a cozinha, colocando-a por baixo de uma claraboia para apanhar ar", contou..O pai referiu ainda que lhe bateu apenas por uma ocasião: quando a confrontou com os alegados contactos sexuais que lhe tinham contado. "Dei-lhe umas palmadas no rabo.".No entanto, garantiu que não voltou a bater na filha e acusou a mulher de ter "dado murros" e "apertado o pescoço" à criança..O arguido disse ainda que não pediu ajuda "por respeito" à mulher. "Ela começou a dizer coisas e a encher-me a cabeça", acrescentou, não dando mais explicações..Confirmou ainda que depois de se aperceber da morte da filha foi ele que escolheu o local para esconder o cadáver, mas a ideia de simular o desaparecimento de Valentina foi da arguida. "Nunca pensei que ela morresse." O pai acabou por confessar à polícia onde tinha escondido o corpo, "por pressão" e por "não aguentar mais"..Por seu lado, a madrasta, com um testemunho emocionado, onde as lágrimas caíram algumas vezes, acusou o pai de ter sido o autor de todas as agressões que levaram à morte da criança.."Ele confrontou a menina [contactos sexuais] e ela confirmou. Bateu-lhe e eu disse para parar porque não era assim que se resolviam as coisas. A menina era pequena e tínhamos de lhe explicar. Mandou-me calar e disse que a filha era dele", relatou..Segundo o seu testemunho, o arguido "bateu muitas vezes e com muita força" na criança. A mulher disse que foi o pai que levou a menina para a banheira e lhe apontou o chuveiro para os pés com água a ferver.."Estava a dar o leite à minha bebé e tentei impedi-lo várias vezes, mas ele empurrava-me. Tentei sempre proteger a Valentina e ele insistia que ele é que era o pai e tinha de lhe dar educação", acrescentou..Quando viu a menina a "desfalecer" fechou a torneira e avisou que a tinham de retirar da banheira. "Estava com os olhos abertos, mas não respondia.".Quando o seu filho mais velho se deparou com a situação, a arguida afirmou ter sido o companheiro a mandá-lo para o quarto "se quisesse continuar a ver as irmãs e a mãe"..A mulher revelou ainda que não pediu ajuda "por medo", porque ele a ameaçou e aos filhos..A arguida disse que foi o filho que ligou para o arguido a alertar que Valentina estava a "espumar da boca", quando o casal se tinha ausentado para ir à farmácia. "Insisti sempre para pedir ajuda e dizer que tinha sido um acidente, mas ele só dizia que não queria ir preso e que não ia deixar de ver as filhas", reforçou..A mulher admitiu que conduziu o carro até ao pinhal para esconderem o corpo e combinaram no dia seguinte alertar as autoridades do desaparecimento da criança..A mãe da criança morta em Peniche alegadamente pelo pai e pela madrasta disse no Tribunal de Leiria que a filha mostrava alegria sempre que estava com o progenitor e nunca referiu qualquer agressão.."Quando passou a ir todos os fins de semana a casa do pai vinha contente. Dizia que era o pai e que agora tinha duas mães. Dizia que a Márcia [madrasta] não fazia distinção entre ela e os irmãos. A Valentina nunca se queixou de qualquer comportamento da Márcia ou do pai", relatou..Durante o confinamento devido à pandemia da covid-19, em março, a Valentina passou a residir na casa do pai. "A ideia foi minha. Eu estava a trabalhar e em contacto com pessoas também não era saudável para a minha filha andar com ela para trás e para a frente", disse..Questionada se falava com a filha diretamente, respondeu que não, porque "Valentina não gostava de falar ao telefone". "Mandava mensagens à Márcia todas as semanas, às vezes, duas a três vezes por semana", relatou, sublinhando que no Dia da Mãe, a arguida lhe ligou para falar com a Valentina e foi a última vez que ouviu a voz da filha. "Estava muito alegre e feliz. As últimas palavras foram: 'está bem mãe, és uma chata, gosto muito de ti.".A mãe garantiu também que nunca ninguém lhe referiu suspeitas de abuso sexual ou de contactos sexuais..Os arguidos estão acusados pelo Ministério Público de Leiria dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria. Segundo o despacho de acusação a que a Lusa teve acesso, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança de nove anos está ainda acusado de um crime de violência doméstica..De acordo com a acusação, no dia 1 de maio, o progenitor, de 33 anos, natural de Caldas das Rainha, confrontou a filha, Valentina, com a "circunstância de ter chegado ao seu conhecimento que a mesma tinha mantido contactos de cariz sexual com colegas da escola"..Na presença da companheira, de 39 anos e natural de Peniche, ameaçou Valentina com uma colher de pau, que depois terá usado para lhe bater..Já inanimada, a criança permaneceu deitada no sofá, sem que os arguidos pedissem socorro, adianta o Ministério Público (MP), explicando que o filho mais velho da arguida apercebeu-se da situação, mas foi mandado para o quarto..O casal escondeu o corpo da Valentina numa zona florestal, na serra d'El Rei (concelho de Peniche), e combinou, no dia seguinte, alertar as autoridades para o "falso desaparecimento" da criança..Para o MP, pai e madrasta deixaram Valentina "a agonizar, na presença dos outros menores, indiferentes ao sofrimento intenso da mesma", não havendo dúvidas de que a madrasta colaborou na atuação do pai sem promover o socorro à menor ou impedindo as agressões.