Padre acusado de praticar exorcismo no Mosteiro de Alcobaça
O padre Ricardo Cristóvão está a ser acusado de praticar exorcismo "com cobrança" no interior do Mosteiro de Alcobaça. Mas não é só. O Bloco de Esquerda entregou na passada terça-feira várias perguntas ao Governo, nomeadamente à ministra da Cultura, que envolvem outras acusações, "fortes indícios de um vasto conjunto de irregularidades na ação dos responsáveis da paróquia no interior deste monumento, que é propriedade do Estado".
A lista é extensa: a colocação de uma banca para venda de materiais da paróquia no Atrium Manuelino, localizado junto à capela; uma porta de vidro colocada à entrada da capela; sinaléticas com regras de funcionamento alheias à direção do Mosteiro; cobrança individualizada aos visitantes na sacristia nova (muitas vezes indisponível para visita devido a utilizações forçadas pela paróquia); a aplicação de velas na sacristia nova e em proximidade de uma importante coleção de estátuas de terracota, com estruturas em talha dourada autêntica, que terá gerado danos patrimoniais. E ainda os factos que remontam a 2014, ano em que o padre Ricardo chegou à paróquia de Alcobaça: "na noite de todos os santos, decidiram eliminar a população de pombos no interior da igreja, utilizando armas de fogo para o fazer, colocando em risco a integridade do património".
Em traços largos, são estas as acusações do Bloco de Esquerda à paróquia, que sustentam as perguntas entretanto feitas ao Governo pelos deputados Heitor de Sousa (eleito pelo distrito de Leiria) e Luís Monteiro. O BE - que teve conhecimento das alegadas ações numa visita ao Mosteiro e numa reunião com a diretora, Ana Pagará, quer saber se o Governo "tem conhecimento do conjunto das situações descritas", se considera "que a paróquia de Alcobaça e os seus atuais responsáveis reúnem condições para continuar a ter acesso autónomo às instalações do Mosteiro" e "que medidas prevê o Governo tomar para corrigir esta situação e evitar o seu ressurgimento futuro".
Já se sabia que eram pouco católicas as relações entre a paróquia de Alcobaça e a direção do Mosteiro de Santa Maria. Há muito que eram conhecidas as divergências entre as duas entidades, mas o relacionamento agudizou-se nos últimos dias, depois de vindo a público um comunicado da concelhia de Alcobaça do BE, e um outro, anterior, da concelhia do PS, que põe em causa "a prática gestionária" da diretora do Mosteiro. Os socialistas acusam Ana Pagará de desenvolver um trabalho "inconforme aos normativos nacionais e internacionais", considerando que a sua ação "pauta-se pela falta de capacidade de diálogo, bem como pela inaptidão para o estabelecimento de consensos no terreno. O Mosteiro está de costas voltadas para a comunidade", refere o documento.
De resto, a concelhia do PS sai em defesa da paróquia: "Não é benéfico, nem ao Mosteiro de Alcobaça nem à comunidade, a existência do conflito institucional entre a Igreja e o Estado no seio do Monumento", acusando a diretora de "não responder às solicitações do Pároco".
"Como exemplo citamos a questão da colocação da porta de vidro na Capela do Santíssimo Sacramento do Mosteiro de Alcobaça, sendo que a existência da mesma favorecia claramente a vertente cultural e turística, e, por conseguinte, os interesses da DGPC/Mosteiro de Alcobaça", considera o PS. É a mesma porta de vidro cuja colocação o BE questiona.
O padre Ricardo Cristóvão desmente todas as acusações que lhe são feitas. Em declarações ao DN, só encontra uma justificação para toda esta polémica: "é uma tentativa de esconder a medida que entretanto a Direção do Mosteiro quer por em prática: que os visitantes comecem a pagar para entrar na Igreja, desde que não sejam fieis a participar em cerimónias religiosas. E isso é que me parece muito grave".
"Eu nem sequer sou exorcista. Essas acusações não têm qualquer sentido. O que faço é: recebo as pessoas, individualmente, e converso com elas", afirma ao DN, reiterando que "é tudo mentira" e que "o que está aqui em causa são questões políticas".
O padre Ricardo, 38 anos, ordenado há 14, chegou às paróquias de Alcobaça e Vestiaria em setembro de 2014, depois de um ano em Roma. Já tinha passado por outras paróquias (Sintra e Belas), mas nunca enfrentado este tipo de vivência. Ainda assim, não se mostra surpreendido: "Alcobaça tem uma velha história de ser anti-clerical".
Não esconde alguma dificuldade de relacionamento com a direção do Mosteiro. "É uma relação que se vai sustentando. Não é uma relação extraordinária, mas vamos colaborando. Por isso fiquei surpreso com estas informações passadas ao Bloco de Esquerda", afirma o pároco, que invoca todo o trabalho que a paróquia tem levado a cabo, ao nível de "obras de conservação e restauro que o Estado não conseguiu fazer".
Entretanto, decorrem a bom ritmo as obras do futuro hotel de luxo que a empresa Visabeira está a construir, no Claustro do Rachadouro. Tal como o DN noticiou na altura, o Governo assinou com a empresa a concessão do espaço, por um período de 50 anos, mediante o pagamento de uma renda anual de cinco mil euros.
No rol de perguntas que dirige ao Ministério da Cultura, o BE quer saber "como justifica o Governo que a concessão à Visabeira tenha como contrapartida para o Estado uma renda anual constante de 5 mil euros", para além de questionar "se existem outras contrapartidas do grupo Visabeira que possam contribuir para a reabilitação de outras partes do Mosteiro que necessitam de intervenção. Se sim, quais e com que dimensão?"
O Mosteiro de Alcobaça começou a ser construído em 1178 e teve acréscimo de edificações entre os séculos XVI e XVIII. O BE lembra que o monumento, classificado como Património da Humanidade desde 1989, "sofreu de falta de investimento público na sua manutenção durante bastante tempo, tendo algumas das suas instalações sofrido uma elevada degradação, o que serviu de justificação para a implementação de um hotel de luxo, do Grupo Visabeira, a quem o uso do espaço foi concessionado por um período de 50 anos, com uma renda de 5 mil euros por ano, equivalendo a 417€ mensais".
O padre Ricardo Cristóvão recorda que, quando chegou a Alcobaça, deparou-se com "aquilo cheio de animais", nomeadamente de pombos. Mas desmente categoricamente a acusação da "matança a tiro" apontada pelo BE.
O DN questionou, por escrito - tal como recomendado - a diretora do Mosteiro, Ana Pagará, mas não obteve resposta até ao momento. Já o Patriarcado de Lisboa - que tutela a paróquia de Alcobaça - esclarece que "todos os padres, no exercício das suas funções, estão habilitados para fazerem o exorcismo menor. Estes exorcismos na forma simples fazem-se sobre os eleitos, no tempo do catecumenado (antes do Batismo)". Porém, para o que é considerado "exorcismo maior ", é necessária uma nomeação do Bispo titular daquela diocese. "No Patriarcado de Lisboa, optou-se por fazer essa nomeação caso a caso, depois de cumpridas as normas para avaliação para saber se o paciente, de facto, padece de uma possessão diabólica. Neste momento, no Patriarcado de Lisboa, nenhum sacerdote está habilitado para fazer este exorcismo maior", convergindo, de resto, com a resposta do padre em questão.