Paco Fortes, o espanhol mais português virou-se para as docas
Francisco Fortes Calvo. O nome lido assim não é imediatamente identificável, mas se abreviarmos para Paco Fortes muitos se lembrarão do espanhol de bigode cerrado que tantas alegrias deu ao Farense, como jogador e treinador. Aos 62 anos está, contudo, afastado do mundo de que realmente gosta, o do futebol, tudo para poder sobreviver, e por isso trabalha no Porto de Barcelona.
Enquanto jogador, Paco Fortes, El Feo, como era conhecido, representou grandes clubes do país vizinho, como o Barcelona, o Espanyol ou o Málaga, tendo sido também internacional pelo seu país. Para os portugueses, no entanto, o ex-jogador, o espanhol mais português de sempre, é de imediato conotado com o Farense, onde chegou em 1984 como futebolista e saiu, de uma primeira vez, em 1999, já como treinador, onde orientou jogadores como Paixão, Jorge Soares, King, Miguel Serôdio, Pitico, Rufai ou Hassan Nader, entre outros futebolistas que fizeram carreira no sol algarvio.
Como jogador venceu uma Taça das Taças e uma Taça do Rei ao serviço do Barcelona, onde jogou ao lado de lendas como Johan Cruyff, Rexach ou Asensi, mas também em Portugal não deixou os seus créditos por mãos alheias, sobretudo como treinador, tendo levado o modesto Farense a uma final da Taça de Portugal, em 1990 (derrota com o Estrela da Amadora), e às competições europeias.
Saiu de Portugal há dez anos, em 2007, quando orientava o Pinhalnovense, já depois da única experiência que teve como treinador fora de Portugal, concretamente no Raja Casablanca, de Marrocos.
As notícias sobre Paco Fortes foram caindo no esquecimento, até que em 2009 se soube que passava por dificuldades financeiras. Em conversa com o DN, contudo, prefere não falar sobre esse momento da sua vida, destacando, isso sim, tudo o que o futebol lhe deu.
"Foram anos maravilhosos, o futebol era a minha alegria, sinto falta do bom que tirei desses anos. Mas gosto de recordar e muitas vezes vejo fotos ou mesmo vídeos do passado. Querer recordar é sinal de que gostámos do que fizemos e sei que fui muito feliz no futebol", disse Paco Fortes, sem nunca esquecer o seu Farense.
"Passei aí grande parte da minha vida. Aliás, estive para sair primeiro de Portugal quando saí a primeira vez do Farense, mas as minhas filhas não deixaram. Portugal também já era nessa altura muito importante para a minha família, uma mudança seria muito duro. E hoje penso que sou um símbolo do clube. Ainda hoje estou ligado sentimentalmente e falo muitas vezes com os amigos que deixei em Portugal e no Algarve. O Estádio de São Luís é uma casa também para mim, tal como Barcelona. Mais de 30 anos ligados ao futebol é qualquer coisa, não é? Agora a vida é outra, as coisas mudam, mas os sentimentos não, ficam para sempre connosco", afirmou o espanhol, muito parco em palavras e claramente emocionado quando atendeu o telefone, ainda que tenha rido quando confrontado com a sua imagem de marca.
"O meu bigode? Pois bem, sei que sempre foi muito falado. Antigamente usava-se e eu continuei com ele. Cheguei a cortá-lo, mas não era bem a mesma coisa", salientou o espanhol.
Apesar de não querer falar das dificuldades por que passou, a verdade é que os mais de 30 anos ligados ao futebol não lhe permitiram construir uma vida financeiramente estável e só a ajuda de amigos e do Barcelona permitiram que desse nova volta à sua vida.
Hoje em dia a sua relação com o futebol é menor, mas não está totalmente colocada de parte. "Faço parte da Agrupación Barça Jugadores [associação de ex-jogadores dos catalães] e damos a nossa ajuda a quem mais precisa. Fazemos alguns jogos e também emprestamos a nossa experiência a muitos jovens que estão a iniciar-se no futebol", referiu o espanhol.
A vida dentro de uma carrinha
Em 2009 foi público que Paco Fortes, agora com 62 anos, passava por dificuldades financeiras depois de ter sido apanhado a viver sozinho dentro de uma carrinha, nos arredores de Barcelona, concretamente em L"Hospitalet.
O ex-treinador e antigo jogador, pai de três filhas, nunca quis dar parte fraca e teve de ser um familiar a entrar em contacto com a Associação de Veteranos do Barcelona, onde iniciou a carreira profissional, para Paco Fortes dar a volta por cima. Então, com 54 anos, enveredou por uma nova carreira, primeiro como agente de segurança no Porto de Barcelona.
Aqui também não desiludiu ninguém, tendo subido na empresa, onde, de acordo com os últimos relatos, é controlador no porto. Sobre esta carreira, contudo, prefere não falar. "É uma parte da minha vida que é pessoal", salienta, mas sem nenhuma desilusão à mistura. "É uma nova fase, diferente, mas é a minha vida."
Na última cerimónia de homenagem a Johan Cruyff, malogrado ex-jogador holandês, que fez carreira no Barcelona, onde também vivia, Paco Fortes foi um dos ex-jogadores catalães chamados a falar sobre a carreira daquele com quem partilhou o percurso profissional em tempos. "Foi um senhor do futebol, todos chorámos este momento. Se alguém não merecia partir era este nosso amigo", revelou na altura o espanhol Paco Fortes, num discurso que se pode ouvir no site do Barcelona.