OVNIS. Relatório inconclusivo no tema que junta democratas e republicanos

Dados que vão ser tornados públicos não provam existência de vida extraterrestre, mas deixam tudo em aberto. O que o documento comprova é uma mudança de paradigma nos serviços de defesa e nos políticos.
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"Esta não é uma conversa sobre como a avó viu umas luzes no quintal e depois as pessoas ficaram a coçar a cabeça, perguntando-se o que seria." Não, a conversa é séria. Quem o garante é Luis Elizondo, um antigo oficial dos serviços secretos militares que dirigiu entre 2010 e 2017 o Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aeroespaciais do Departamento de Defesa norte-americano. Cansado de não ser levado a sério, demitiu-se do Pentágono e juntou-se ao músico Tom DeLonge (antigo vocalista do grupo rock Blink-182) e com outros ex-agentes de serviços secretos e cientistas formou a empresa To the Stars Academy of Arts and Sciences.

A empresa advoga transparência sobre o tema dos objetos voadores não identificados (OVNI), que no jargão militar norte-americano são agora fenómenos aéreos não identificados (será que FANI pega?). Não se sabe ainda se resultou da pressão da To the Stars, mas o certo é que no meio da lei das dotações assinada por Donald Trump, entre 5500 páginas com estímulos à economia afetada pela pandemia, uma disposição previa a realização de um relatório da responsabilidade do diretor dos serviços secretos e do secretário da Defesa com análise pormenorizada de dados e informações recolhidos pelo Gabinete de Informações Navais e o FBI sobre os FANI.

"Francamente, há muito mais avistamentos do que os que foram tornados públicos. Estamos a falar de objetos vistos por pilotos da Marinha ou da Força Aérea, ou que foram captados por imagens de satélite, e que se envolvem em ações difíceis de explicar, movimentos difíceis de replicar, para os quais não temos a tecnologia, ou estão a deslocar-se a velocidades que excedem a barreira do som sem um estrondo sónico", disse à Fox News o diretor dos serviços secretos nos últimos meses da administração Trump, John Ratcliffe.

DestaquedestaqueO discreto Programa Avançado de Identificação de Ameaças Aerospaciais do Departamento da Defesa foi financiado com 22 milhões de dólares..

No ano passado o Pentágono publicou três vídeos nos quais os pilotos da Marinha expressam espanto com os objetos em movimento rápido. Mais recentemente o programa 60 Minutes da CBS entrevistou os pilotos. E pessoas que desempenharam altos cargos, antes remetidas ao silêncio, falaram. "Penso que alguns dos fenómenos a que estamos a assistir continuam a ser inexplicáveis e podem, de facto, ser algum tipo de fenómeno que é o resultado de algo que ainda não compreendemos e que pode envolver algum tipo de atividade que alguns poderão dizer que constitui uma forma diferente de vida", admite o ex-diretor da CIA John Brennan.

"O que é verdade, e estou a falar a sério, é que há imagens e registos de objetos nos céus que não sabemos exatamente o que são", disse o ex-presidente Barack Obama ao The Late Late Show. Longe vão os tempos em que um político falar sobre o tema podia equivaler ao desterro. Aconteceu em 2007 a Dennis Kucinich, ridicularizado durante a corrida entre os democratas, a qual viria a ser ganha por Obama.

Foi nesse mesmo ano que o senador Harry Reid, do Nevada - estado onde está sediado a famosa Área 51, a base aérea de testes ligada às maiores efabulações sobre seres verdes e discos voadores - encontrou junto de dois colegas ex-aviadores na II Guerra, Daniel Inouye e Ted Stevens, apoio bipartidário para obter financiamento para o projeto que viria a ser chefiado por Luis Elizondo. O tema continua a aproximar republicanos e democratas, de Marco Rubio a Hillary Clinton.

Se a ex-candidata a presidente admitira em 2015 acreditar já termos sido visitados por uma forma de vida inteligente e comprometera-se em divulgar a informação dos serviços secretos, o senador da Florida realça o problema de segurança. "A questão de fundo é se há coisas a sobrevoar as nossas bases militares e não sabemos o que são e estão a exibir potencialmente tecnologias que não temos à nossa disposição, o que para mim é um risco de segurança nacional", disse. A este receio junta-se o de a China ou a Rússia estarem a testar tecnologias altamente avançadas.

"Depois deste último ano, é agradável ver algo bipartidário", comentou Robert Powell, membro de um grupo de reflexão de cientistas, a Coligação Científica para Estudos FANI.

Em tom salomónico, o relatório concluiu que os militares e os serviços secretos dos EUA não encontraram provas de que os objetos voadores não identificados fossem naves espaciais alienígenas, avançou o New York Times na sexta-feira. Mas também não conseguiu explicar dezenas de fenómenos e incidentes, alguns filmados pelos pilotos, e por isso não excluiu a hipótese de vida extraterrestre.

O relatório determinou que a maioria dos cerca de 120 incidentes reportados nos últimos 20 anos nada teve a ver com tecnologia desconhecida ou secreta das forças armadas ou do governo dos EUA, nem eram objetos como balões de investigação. O relatório deverá ser apresentado ao Congresso até ao final de junho pelo diretor dos serviços secretos, mas o público só terá acesso ao documento principal. Um anexo permanecerá confidencial, combustível para alimentar especulações.

"Quanto mais tempo se mantém uma tampa, mais problemático se torna. De facto, funciona contra os nossos interesses manter uma rolha a tapar isto", disse Luis Elizondo ao Washington Post. "É tempo de divulgar o relatório completo, vídeos e dados que temos visto no Pentágono", tuitou.

cesar.avo@dn.pt

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