Apesar de esta já ser a sua quarta época no futebol português, o médio iraquiano Osama Rashid era um desconhecido para a esmagadora maioria dos adeptos do futebol, pois nunca tinha jogado na I Liga. No entanto, decorridas 12 jornadas do campeonato, é impossível não reparar neste futebolista de 26 anos, principalmente pelo muito que joga, a ponto de ser uma das grandes estrelas do Santa Clara, equipa que tem feito boa figura época..Com quatro golos apontados, todos no campeonato, é o melhor marcador dos açorianos, isto apesar de normalmente atuar na posição 8. Em conversa com o DN, começa por abordar essa sua capacidade goleadora. "A principal razão é o futebol atacante promovido pelo nosso treinador [João Henriques]. Por outro lado, fui ponta de lança até aos 12 anos e acho que ainda não desaprendi de chutar à baliza [risos]. E também marco as bolas paradas perto da baliza adversária", sublinha..Por falar em bolas paradas, é impossível esquecer dois magníficos golos que apontou, diante do Boavista (de livre direto) e do Nacional (de canto direto) e que foram considerados os melhores das respetivas jornadas. "Sei que não se marca golos de canto direto todos os dias. Se foi propositado? Sim, sim! Estava muito vento na Choupana e sabia que o guarda-redes iria ter dificuldades se eu tentasse atirar para a baliza. Tentei a minha sorte e correu tudo bem", recorda..Neste sábado, o iraquiano será um dos maiores perigos para a equipa do FC Porto, que visita o Estádio de São Miguel. E Rashid não se amedronta com o poderio do líder da I Liga. "Claro que temos muito respeito por eles e sei que têm jogadores fantásticos, mas nós já mostrámos que temos uma boa equipa e vamos jogar para ganhar", sublinha..O Santa Clara voltou às vitórias no passado fim de semana (1-0 no reduto do Moreirense), tendo posto um ponto final no ciclo de quatro derrotas consecutivas. "Nunca ficámos muito preocupados com essas derrotas, até porque duas foram com o Sporting e o V. Guimarães, que são grandes equipas. Mantivemos sempre a confiança, mas claro que é preferível ganhar, como aconteceu diante do Moreirense, que ainda por cima é um adversário direto", realça..Rashid não esconde a felicidade pelo momento que atravessa. "Adoro representar o Santa Clara. Temos um espírito de grupo fantástico, e ainda bem que assim é, pois estamos isolados numa ilha e só nos temos uns aos outros. Eu, por exemplo, não tenho nenhum familiar aqui em Portugal... E temos a sorte de ter um grande treinador, que é muito profissional e está a fazer um grande trabalho aqui no Santa Clara. É certo que na época passada desceu de divisão com o Paços de Ferreira, mas quando ele chegou as coisas já estavam muito complicadas e tenho a certeza de que se tivesse iniciado a temporada eles não teriam descido", defende..Fugiu da guerra do Iraque.Para contarmos o percurso de Osama temos de recuar até aos 3 anos, quando fugiu com a mãe e os irmãos da guerra do Iraque e viajou para uma pequena cidade holandesa, onde encontrou refúgio num campo de refugiados. "O meu pai e o meu irmão mais velho, que só tinha 12 anos, tiveram de ficar no Iraque a combater. Claro que não foi fácil e, apesar de não ter recordações desses tempos, os meus pais, que hoje estão bem e vivem na Holanda, por vezes contam-me as dificuldades que passámos. É sempre bom lembrar-nos de onde viemos e o que tivemos de passar na vida", refere..Ao fim de um ano, o governo holandês providenciou uma casa para a sua família, em Roterdão, e passado pouco tempo o pai e o irmão juntaram-se ao clã. "Quero agradecer à Holanda por tudo o que fez por mim e pela minha família. Deram-me uma casa, educação e acabei por fazer amigos. Posso dizer que tive uma infância muito feliz", destaca..E como surgiu o futebol na sua vida? "Sempre adorei a bola, passava horas e horas a jogar. Mas se não fosse o meu irmão mais velho eu nunca teria chegado aqui. Foi ele que me inscreveu num pequeno clube ao pé de casa, quando eu tinha 4 anos e que depois quando tinha 7 anos me levou a um treino de captação no Feyenoord, onde estive bem e fui aprovado.".Rashid reconhece que até aos 14 anos era um miúdo igual aos outros, mas a partir dessa idade deu um grande salto de qualidade e passou a ser uma das estrelas da equipa. Aos 16 já assinava o seu primeiro contrato como profissional e poucos meses depois defendia a seleção holandesa no Campeonato da Europa de sub-17. No entanto, tudo mudou durante esta competição. "Tinha umas dores no início da prova, mas não liguei e continuei a jogar, com a ajuda de analgésicos. Entretanto, as dores foram aumentando e os médicos disseram-me que estava com pubalgia. Quando acabou o Europeu estava num estado lastimável e tive de ser operado. Regressei à competição ao fim de oito meses mas nos dois anos seguintes joguei sempre com muitas dores. Estava muito infeliz", confessa..Ainda assim, o Werder Bremen mostrou-se interessado, mas o Feyenoord dificultou o negócio e acabou por não se mudar para a Alemanha. "O Feyenoord já nem tinha direitos desportivos sobre mim, pois não quiseram renovar-me o contrato. Fiquei muito desiludido e decidi dedicar-me aos estudos. Tirei o curso de Marketing e Gestão Desportiva, ao mesmo tempo que jogava futebol em clubes pequenos [Den Bosch, Excelsior Massluis e Alphense Boys]", conta..No verão de 2015 recebeu um convite que o apanhou de surpresa: do Farense, de Portugal. "Claro que nunca tinha ouvido falar do Farense, mas fiquei com boas sensações quando soube que se tratava de um clube de Portugal. Ainda bem que aceitei vir, pois renasci para o futebol nessa época, apesar de termos descido de divisão. E também renasci para a vida, pois gostei logo de Portugal e dos portugueses, são pessoas muito mais sociáveis do que os holandeses", sublinha..Apesar de estar feliz no Algarve, só esteve uma temporada no Farense e foi atraído pelas condições financeiras oferecidas pelos búlgaros do Loko Plovdiv. "Ao fim de três meses rescindi, não aguentava lá viver. Foi então que apareceu o Santa Clara e voltei a sentir-me feliz", diz..E gosta mais de viver nos Açores ou preferia o Algarve? "Adorei o Algarve, mas posso dizer que a minha preferência recai nos Açores. Confesso que me assustei quando aqui cheguei e me apercebi deste estilo de vida muito calmo, mas adaptei-me e agora não quero outra coisa", destaca, salientando que em São Miguel conta com o apoio da namorada..Muçulmano praticante, Osama encontrou muito recentemente um local de culto. "Perto de minha casa, abriram uma pequena sala que funciona como se fosse uma mesquita. Fui experimentar há três semanas e senti-me em casa. Agora costumo ir lá todas as sextas-feiras para rezar e isso tem-me feito muito bem", confessa..Quer chegar a um grande.Voltemos ao futebol dentro de campo, para saber até onde poderá chegar este Santa Clara. "Alcançar um lugar europeu? Calma, calma, viemos da II Liga! Na próxima temporada penso que já estaremos em condições de lutar por esse objetivo", defende. Em termos individuais, não esconde a ambição de chegar a um dos três grandes. "Não quero ser arrogante, mas acho que tenho potencial para isso. Qual a minha preferência? Não vou dizer que tenho algum clube preferido, senão depois os outros dois não me querem contratar [risos]!".Por falar em preferências, questionámos Osama sobre quais os jogadores que vê como modelo. "Principalmente Busquets, mas também Xavi e Iniesta. Se sou adepto do Barcelona? Não, por acaso até torço pelo Real Madrid, mas gosto mais do estilo de jogo do Barcelona", admite..Entretanto, depois de ter representado a Holanda nos escalões de formação, Osama é uma das grandes figuras da equipa da seleção iraquiana. "Estou muito feliz por ter escolhido representar o país onde nasci. Tenho muito orgulho em ser iraquiano e para mim é um prazer ajudar ao crescimento futebolístico do país. Acho que sou um bom embaixador", refere, reconhecendo que ainda é preciso uma grande mudança: "Temos poucas condições de treino, falta formação de jovens jogadores... Enfim, há um longo caminho a percorrer até que se possa dizer que o Iraque está num bom nível em termos futebolísticos."