Os verdadeiros motivos do amuo português

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Austeridade" é uma palavra fina e de contornos austrais que, pelos piores motivos, passámos a cantarolar ao longo da última década. Pior: houve um tempo em que alguém a quis confundir com "frugalidade". Bem mais nefasto: houve um dia, que poderemos situar no outono de 2012, em que uns senhores de sapato afivelado decidiram que Portugal não participaria no Festival Eurovisão da Canção de 2013. Com a crise ao rubro, faltava verba no Orçamento do Estado e a RTP, de cuja privatização então muito se falava, tinha obviamente outras prioridades. Como diria o malogrado Dino Meira: "É mentira, mentira/ É tudo uma mentira/ Não queiras dar ouvidos a quem fala por falar/ É mentira, mentira/ É pedra que se atira/ Só falam por inveja, não vás acreditar/ É mentira."

Foi mentira, portanto.

Jamais esquecer que Passos Coelho, então primeiro-ministro e responsável último pela auto-suspensão temporária de Portugal do Festival Eurovisão da Canção, foi casado com Fátima Padinha, uma ex-Doce, essa banda de culto que em 1982 e 1984 se celebrizou por uma das mais ginasticadas interpretações viriatas em território eurovisivo.

Considerações ideológicas à parte, aqui não há clubismos, e por se saber que é homem que gosta de trautear umas modinhas de quando em vez, o cidadão Pedro Coelho foi vulnerável às piores influências. Deixou-se levar pela frustração de tantos patriotas que, talvez por secretamente amarem o certame, se deixaram enraivecer pelas sistemáticas esmolas oferecidas às canções portuguesas. Caramba, mais de meio século votados ao desprezo! Um sexto lugar de Lúcia Moniz que nos sabe a caviar cáspio ou a esperança fátua de ver Vânia Fernandes ganhar após receber quatro pontuações máximas nas meias-finais...

Não, de austeridade teve pouco a decisão. Soa a mais um amuo no Palacete de São Bento. Aliás, já o tínhamos feito três vezes antes. Odiávamos ver-nos no papel desse patinho feio chamado San Marino. Está finalmente provado, porém, que podemos ser cisnes como os outros. Mas, para tal, é preciso saber ir a jogo. Se não voamos, esvoacemos. Sob risco de a vida nos ficar ainda mais negra.

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