Os supertransmissores, o fator K e como é importante conhecê-los para travar o vírus
De vários países do mundo, chegam relatos de surtos de covid-19, localizados e claramente associados a um acontecimento ou doente específico, que, em determinadas circunstâncias, terá infetado dezenas ou mesmo centenas de outros. Esses relatos despertaram a atenção dos cientistas e puseram na ribalta dois novos termos a ter em consideração na análise da evolução epidemiológica da pandemia: supertransmissores e fator K. Já lá vamos.
De acordo com a Science, cientistas da London School of Hygiene & Tropical Medicine criaram mesmo uma base de dados com uma lista de casos de "supertransmissão: um surto num dormitório de trabalhadores migrantes em Singapura que chegou quase aos 800 casos; 80 infeções ligadas a concertos ao vivo em Osaka, no Japão; um foco de 65 casos com origem em aulas de zumba na Coreia do Sul, país onde a tristemente célebre paciente 31 infetou cerca de uma centena de pessoas, em fevereiro.
Lares de idosos, cruzeiros, estâncias de esqui, igrejas, funerais, hospitais, prisões e festas privadas têm também dado origem a focos de infeção um pouco por todo o mundo, que, se não forem detetados a tempo podem descontrolar a situação, como aconteceu em Itália, Espanha e Inglaterra e está a acontecer nos EUA e no Brasil, por exemplo.
Segundo a prestigiada revista científica, o novo coronavírus, apesar de ter atingido proporções pandémicas, parece atacar particularmente grupos chegados de pessoas, uma tendência que é considerada positiva pelos cientistas, porque confirma a importância de evitar aglomerações, em que a "supertransmissão" terá mais probabilidade de acontecer.
Prevenir e controlar surtos em espaços como lares de idosos, hospitais, prisões, locais de trabalho ou bairros, por exemplo, terá, de acordo com os especialistas, um maior impacto na diminuição dos contágios do que restringir as atividades ao ar livre, desde que não impliquem concentração de pessoas.
"Se conseguirmos prever que circunstâncias estão a dar origem a estes eventos [de supertransmissão], os cálculos mostram que podemos de facto, muito rapidamente, travar a disseminação do vírus", diz à Science Jamie Lloyd-Smith da Universidade da Califórnia, Los Angeles.
Até agora, o elemento chave para analisar a evolução da pandemia tem sido o RT, que determina o número médio de infeções causadas por cada doente. Mas o que vários estudos parecem indicar é que enquanto alguns doentes infetam muitas pessoas, outros parecem não ser transmissores. Segundo Lloyd-Smith, "o padrão consistente é que o número mais comum é zero. A maioria das pessoas não transmitem o vírus".
A razão por que isto acontece ainda não é conhecida, mas terá que ver como múltiplos fatores, desde a carga viral ao sistema imunitário de cada um e ao tipo de interação que estabelecem com os outros. A verdade é que este facto levou os cientistas a virarem-se para outro indicador: o fator de dispersão K, que descreve o quanto a doença funciona por surtos. Quanto mais baixo for o fator de dispersão K, mais a transmissão terá origem num pequeno número de pessoas.
Ainda não se sabe o valor do fator K no que ao novo coronavírus diz respeito, mas, segundo a Science, são muitos os casos de surtos localizados em que uma pequena proporção de pessoas é responsável por uma grande proporção de infeções. Adam Kucharski, da London School of Hygiene & Tropical Medicine, avança uma estimativa: o fator K da covid-19 será de acordo com o cientista de 0.1. "Provavelmente, cerca de 10 por cento dos casos levam a 80 por cento dos contágios", diz à Science.
Os países que estão a conseguir controlar o vírus e estão já em processo de desconfinamento, como Portugal, devem, segundo os especialistas, ficar particularmente alerta e vigilantes em relação a acontecimentos de supertransmissão, como poderão ser os surtos no Seixal e na Azambuja, por exemplo, porque se não forem controlados podem deitar a perder todas as conquistas e sacrifícios.