A República Centro-Africana é o país que agora é mais noticiado quando falamos de militares portugueses no exterior, nomeadamente porque tem havido episódios de combate com milícias. Como ministro da Defesa tente dizer aos portugueses duas ou três razões para Portugal estar presente na República Centro-Africana. De facto é uma questão que se coloca. A República Centro-Africana é um país que simplesmente não constava no imaginário dos portugueses, é um país mais ou menos desconhecido para a generalidade da população até este último par de anos em que nós temos dois contingentes. Um na Missão das Nações Unidas e um outro a fazer formação na Missão da União Europeia. Posso dar uma razão abstrata: nós, em Portugal, temos o dever de contribuir para a promoção da paz no contexto multilateral. Mas isso é uma razão vaga, sobretudo quando estamos a falar de algo que é muitíssimo concreto, que é colocar vidas portuguesas, militares portugueses numa situação de perigo. E aí acho que podemos concretizar de forma muito mais clara dizendo que a República Centro-Africana era, e ainda é, em boa medida, uma área de total desgovernação, em que falta capacidade de imposição de autoridade do Estado. E aquilo que nós verificamos é que, quando isso acontece, inevitavelmente, os territórios tornam-se um foco de atividades que depois têm efeito contágio para uma região muito mais alargada. A República Centro-Africana não é um país vizinho, mas é um país vizinho de uma vizinhança nossa, que é o Sahel. E nós, a Europa, e nós Portugal também, corremos riscos grandes se, numa região não muito próxima, mas uma região que já afeta o nosso espaço geral político, verificarmos uma situação de ingovernabilidade e uma situação em que grupos terroristas, traficantes de drogas, armas, e muitas vezes combinado entre o terrorismo e os tráficos vários, se permitem trabalhar em liberdade e com facilidade. E, portanto, é um contributo muito concreto para a segurança de Portugal. Aquilo que eu tenho dito aos militares portugueses quando os visito - e eles sentem quando estão no terreno - é que a nossa segurança começa longe das nossas fronteiras. O paradigma antigo de que a defesa de Portugal tinha que ver com a salvaguarda das nossas fronteiras hoje em dia não se compadece com a realidade do mundo contemporâneo. A nossa segurança tem de ser assegurada pela participação de militares portugueses em operações que não são próximas das nossas fronteiras mas contribuem diretamente para a criação de áreas de segurança que nos podem afetar..Nesse âmbito, estamos a fazer esta entrevista numa data muito simbólica, que é 11 de setembro. Há 18 anos houve o maior atentado terrorista da história da humanidade, em Nova Iorque. A mesma explicação que estava a dar para a República Centro-Africana é a explicação porque enviámos tropas também para o Afeganistão pouco depois da queda das Torres Gémeas. Ou seja, a vizinhança não tem de ser imediata porque a ameaça também não tem de ser próxima, pode ser distante? Nós não podemos imaginar que somos imunes ao flagelo do terrorismo internacional. Felizmente, não temos sido em Portugal alvo de ataques terroristas. Mas não podemos imaginar que de alguma maneira temos uma espécie de proteção mágica em relação a uma das dinâmicas mais perigosas do mundo contemporâneo. Temos um dever que é de solidariedade para com os nossos aliados, mas temos também um dever de participação num processo que tem que ver com a nossa própria segurança..Nós, Portugal, aprendemos com essa experiência no Afeganistão, por exemplo, para esta missão na República Centro-Africana? Ou seja, os militares portugueses têm estado a acumular nessas sucessivas missões no exterior experiência que os torna mais efetivos nas missões atuais? Sim. Aquilo que verificamos é que desde o início da participação portuguesa em missões internacionais, portanto, meados dos anos 1990, nos últimos 20 anos..Na ex-Jugoslávia, nesse caso. Sim... As Forças Armadas hoje são incomparavelmente mais profissionais e mais preparadas. É natural. Tiveram um processo de aprendizagem no quadro da NATO e no quadro de missões das Nações Unidas, que foi um processo bastante rápido e muito consolidado. Tenho imenso orgulho na forma como os nossos militares são vistos internacionalmente, são considerados dos melhores. Mas isto foi um processo de aprendizagem e a exposição a diferentes teatros com exigências e características diferentes, como é o caso do Afeganistão, da República Centro-Africana ou da antiga Jugoslávia, da Bósnia, do Kosovo, permite esse profissionalismo e essa qualidade que hoje em dia têm e que faz que os comandantes militares internacionais digam "Olhem, estes são os nossos Ronaldos"..Isso foi dito em relação nomeadamente às tropas agora na República Centro-Africana. O senhor ministro esteve lá duas vezes de visita. O que é que conseguiu perceber do que se estava a passar naquele país? Aquilo que eu consegui perceber foi que hoje há um processo de paz, um acordo desde fevereiro, que é precário, mas que, se não tivesse sido a atuação das forças portuguesas, dificilmente estaríamos na situação em que estamos hoje, de implementação desse processo de paz. Porquê? Porque a atuação das tropas portuguesas, particularmente na zona leste de Banghi, foi fundamental para obrigar os grupos de beligerantes a sentarem-se à mesa e a procurarem um acordo..Ou seja, a intervenção dos militares portugueses, a presença deles no terreno, a capacidade de combate, obrigaram a que grupos militares tivessem de negociar? Sim, a força de reação rápida portuguesa, apesar de serem só 150/160 homens, militares, aliás, que algumas são mulheres, num universo muito mais alargado, de cerca de 11 mil militares da Missão das Nações Unidas, mas é o mais operacional, é aquele que é chamado a intervir nas situações mais exigentes. E particularmente com um grupo mais relutante de sentar-se à mesa das negociações, o UPC, a atuação da força portuguesa foi decisiva. E isso é, por um lado, motivo de orgulho, e por outro lado a confirmação de que as nossas forças, quando atuam em situações multilaterais, são capazes de fazer a diferença..A República Centro-Africana, como disse, não é um país que estivesse no radar dos portugueses. Mas é em África, onde há países lusófonos com os quais temos uma relação estreita. Do ponto de vista militar, com países como Angola, como Moçambique, como a Guiné, há cooperação ativa? Sim. Nós fizemos uma transição de uma cooperação denominada técnico-militar, para uma cooperação que nós chamamos CDD, Cooperação no Domínio da Defesa. E isso significa um alargamento do tipo de atividade que fazemos com todos os países da CPLP, particularmente os PALOP e Timor-Leste. Nós temos atividades de cooperação bastante intensa, sobretudo na área da formação, mas que varia de país para país e em alguns casos, Timor-Leste em particular, e também em São Tomé, nós estamos a falar de uma cooperação que é completamente estruturante para as suas Forças Armadas e mesmo no domínio doutrinário e no desenvolvimento das estratégias dos próprios países. São circunstâncias muito diferentes mas que têm em comum uma vontade de avançar no sentido da consolidação das Forças Armadas de cada país. Por exemplo, em cabo Ledo, a formação das tropas especiais angolanas pelos nossos comandos é algo marcante para o país, mas também a formação que nós fazemos no domínio da Marinha. Temos muitos futuros oficiais da Marinha angolana aqui em Portugal a fazer formação. Com Cabo Verde há uma relação de grande proximidade sobretudo na Marinha. Com a Guiné-Bissau tem havido uma cooperação de baixa intensidade devido às circunstâncias políticas no país, mas esperemos que haja em breve circunstâncias que nos permitam intensificar muito mais a cooperação. Em São Tomé, temos lá um navio permanentemente estacionado, o Zaire, que ajuda na patrulha das águas territoriais do país. E em Timor-Leste e Moçambique também estamos a trabalhar na Academia Militar em várias iniciativas. Em Timor-Leste, onde estive recentemente, estamos a apoiar agora a Autoridade Marítima Nacional, a apoiar a formação. Na reunião ministerial da defesa da CPLP, em março, apresentei uma ideia muito bem acolhida, que foi o desenvolvimento de atividade conjunta em missões internacionais, missões das Nações Unidas. E agora quando estive em Timor-Leste combinámos avançar já com o envio de alguns militares timorenses para Portugal para participarem no aprontamento para a próxima rotação na República Centro-Africana. Portanto, o contingente seguinte, o sétimo, terá já alguns militares timorenses, militares, aliás, formados em Lamego, portanto muito qualificados..Mas esses militares timorenses estarão, por exemplo, na República Centro-Africana sob a bandeira de Portugal?.Sob a bandeira portuguesa integrados no contingente português. Obviamente com condições a celebrar bilateralmente entre Portugal e Timor, mas integrados no contingente português. Angola, de todos os países africanos, é aquele que, depois de sair da guerra civil, se afirmou como uma potência militar. E nomeadamente com intervenções na pacificação da República Democrática do Congo e agora inclusive a promover, nos Grandes Lagos, acordos de paz. É a Angola que damos prioridade na cooperação militar com os PALOP?.Cada caso é diferente. Com Angola é, obviamente, devido às suas circunstâncias, da sua experiência, e a realidade militar do país, podemos ter algumas ambições que não poderíamos concretizar com outros países. Angola tem de facto tido um papel em alguns países da região, nós gostaríamos de trabalhar de forma mais próxima com Angola e tenho vindo a falar com o ministro angolano a esse respeito. Em missões como a da República Centro-Africana eu sei que Angola está a pensar nessa possibilidade e ainda não tomou nenhuma decisão. Mas aí já não seria naturalmente sob a bandeira portuguesa, haveria um contingente próprio angolano. Mas ainda não há uma decisão por parte das autoridades angolanas sobre isso, espero que possamos ser parceiros também na República Centro-Africana..O Brasil, o gigante lusófono, que é um país com grande influência na cena internacional, é um país que envia muitas forças de paz da ONU. Qual é a relação entre os militares portugueses e os brasileiros? Por coincidência, a seguir a esta entrevista, eu recebo o meu homólogo brasileiro. Apesar de estar em funções há menos de um ano já estive com ele três vezes. E, aliás, ele está em funções ainda há menos tempo. Está em Lisboa porque temos vários aspetos a discutir e que interessam a ambos. Um deles tem que ver com a participação em missões internacionais. O Brasil tem um histórico muito significativo de participação em missões internacionais desde 2004. Antes estiveram dez anos, entre 1994 e 2004, sem participar em missões internacionais..Salta-me à memória, por exemplo, o Haiti, também o próprio Congo ex-Zaire... Exatamente. Desde 2004 tiveram uma grande participação. Agora, devido às dificuldades económicas do país no último par de anos, têm reduzido muito. Mas um dos temas que estará em cima da mesa para a nossa conversa é como é que podemos trabalhar juntos em missões internacionais e eu acho que há muita disponibilidade de parte a parte. Complementamo-nos, temos diferentes capacidades, as nossas forças especiais: comandos, paraquedistas, têm algumas características muito próprias, e por outro lado os brasileiros também têm muita experiência que eu espero que venham agora utilizar porque, como digo, neste último par de anos houve uma redução muito grande da participação brasileira em missões internacionais, mas por razões conjunturais..Olhando para o nosso quadro tradicional na NATO, uma exigência grande é a questão dos 2% do PIB para o orçamento de defesa de cada Estado. E há um compromisso para que, gradualmente, os países possam lá chegar. Portugal assumiu esse compromisso mas em termos da dimensão da nossa economia, e daqueles que são os recursos do país, é complicado esses 2%? Sim, sem dúvida. Agora, há aqui um aspeto muito positivo, nós aprovámos com a maior maioria parlamentar de sempre a lei de programação militar e a menor oposição. Porque o Partido Comunista absteve-se e, portanto, num universo de 230 deputados, houve 18 ou 19 votos contra. Fiquei muito satisfeito em ver a forma como a sociedade portuguesa, representada pelos seus partidos políticos, acolheu a lei de programação militar que, para um horizonte de 12 anos, nos traça um quadro de investimentos em equipamento para as nossas Forças Armadas. Esse vai ser o principal instrumento para modernizarmos as nossas Forças Armadas de acordo com aquilo que são as nossas necessidades. Eu não gostaria de estabelecer como um fetiche a ideia de que temos de atingir os 2% porque alguém internacionalmente disse que isso era importante. Não, o que nós temos de fazer é criar circunstâncias para que as nossas Forças Armadas possam corresponder às missões que gostaríamos de lhes atribuir e para isso precisamos de fazer investimentos muito significativos. Por outro lado, esses investimentos, na sua grande maioria, serão também investimentos no tecido económico português. Por exemplo, com a recente decisão e assinatura do contrato para a aquisição de cinco aeronaves para substituir os velhos C-130, portanto, os KC-390 da Embraer, essa decisão tem um impacto muito significativo e positivo para a nossa economia, não só porque vai capitalizar a participação de empresas portuguesas no desenvolvimento da aeronave e no seu futuro mas também porque a aeronave continuará a evoluir e o compromisso da Embraer é que continuará a envolver-se com Portugal. Aliás, a Embraer só tem a ganhar com isso - empresas portuguesas da área da engenharia aeronáutica trabalham no aperfeiçoamento de futuros modelos, e temos a participação das fábricas de Évora e de Alverca na produção de complementos para o KC-390. Portanto, dos nossos 800 milhões que investimos, boa parte terá um retorno direto ou indireto para a economia portuguesa. E os outros investimentos que estamos a fazer, no âmbito da lei de programação militar, muitos deles terão também um impacto significativo. Isto para dizer que nós temos de olhar para o investimento em defesa como um investimento e não apenas como despesa. Aquela ideia velha dos economistas, uma metáfora que utilizam, de que é preciso escolher entre armas ou manteigas, isto é, entre alimentos ou armamentos, não se aplica. Aqui nós estamos a modernizar as nossas Forças Armadas mas de uma maneira que corresponde também à promoção de interesses económicos nacionais. E os interesses económicos nesta área, repare-se, são em áreas de vanguarda nos seus respetivos domínios. E quando houver uma crise no futuro, crise internacional, que a gente não sabe quando vem, só sabe que vai haver uma crise, estarão mais bem preparadas as empresas de vanguarda, aquelas que têm capacidades que são difíceis de substituir. E portanto, ao investir, ao procurar desenvolver a nossa indústria de defesa, nós estamos também a promover a resiliência da nossa economia e a capacidade que as nossas empresas têm de participar no mercado europeu de defesa em evolução muito rápida..Aquela ideia de um navio multiusos com uma capacidade também de projeção da nossa força no exterior é muito cara está pensada a longo prazo? Está pensada no âmbito da lei de programação militar para meados da década de 2020. O navio polivalente logístico é uma ambição antiga para o nosso sistema de forças desde 1993, e que sucessivos sistemas nacionais de forças aprovaram..Estamos a falar de um navio com capacidade de transportar aeronaves, mas também com capacidade de, por exemplo, retirar população no caso de catástrofes... Exatamente. Esse é um ponto importante. O navio, como o nome indica, é um navio polivalente logístico. Permite projeção de forças do ponto de vista militar, foi assim que foi imaginado e desenhado, mas é um navio absolutamente fundamental para correspondermos a situações de crise. Se houver um sismo nos Açores, se houver uma enxurrada muito grave na Madeira, não é com dois ou três ou quatro aviões que nós conseguimos fazer o trabalho que se consegue fazer com um navio polivalente logístico que pode, por exemplo, ser um hospital flutuante nos Açores em situação - esperemos que não - grave como um terramoto em que isso seja necessário..Por exemplo, em 1998, quando houve guerra civil na Guiné-Bissau, nós enviámos uma fragata para retirar portugueses. Neste caso seria um navio desses que faria essa missão?.Sim. Uma fragata é um navio de projeção de força militar e que é pensado, enfim, na sua organização de espaço, puramente em termos militares. Portanto, tem pouco espaço para acomodar a retirada de pessoas nessa situação de crise humanitária. Um navio polivalente logístico poderia fazer esse trabalho de forma muito superior, com maiores números, com capacidade também de cuidados hospitalares e portanto é um navio que faz falta ao nosso sistema de forças. Foi necessário no âmbito da negociação, para termos um acordo abrangente na Assembleia da República, reduzir um pouco aquilo que tínhamos proposto como valor para o navio polivalente logístico, mas o navio polivalente logístico enfim, também não precisa ser topo de gama. As Forças Armadas portuguesas e a dimensão da nossa economia não permitem pensar no topo de gama, mas temos o suficiente, nomeadamente 150 milhões guardados para fazer esse investimento em meados da década de 2020, e creio que vai verificar-se que vai ser um contributo muito importante para as nossas Forças Armadas e para a capacidade que o nosso país tem de acorrer a situações diversas, não apenas militares..A ideia também de uma força europeia militar. Para Portugal, que está enquadrado na NATO, que é membro fundador até, faz sentido haver este polo alternativo? Está em debate político neste momento? Sim. É um debate que tem vindo a desenvolver-se. E apesar de estar em funções há menos de um ano já tenho visto alguma evolução nesse debate. Temos de ser claros sobre aquilo que estamos a falar no plano europeu. Nós estamos a falar do desenvolvimento de uma identidade europeia de defesa. E isto significa para mim várias coisas. Desde logo, a consolidação de um mercado de indústrias europeias de defesa que precisam de trabalhar num espaço muito mais alargado do que sãos espaços nacionais. Isso está a acontecer, e a nossa indústria, estamos a organizá-la para poder corresponder, mas também obviamente que o objetivo é o fornecimento das Forças Armadas europeias. Por outro lado, estamos a falar também do desenvolvimento de uma cultura estratégica europeia. Isto é, o desenvolvimento de hábitos de trabalho conjunto e de interoperabilidade entre Forças Armadas europeias - e isto faz sentido num quadro em que vislumbramos muitas missões, cenários em que fará sentido trabalharmos no plano europeu mais do que o plano da NATO. Ora, isto não significa redundância da NATO. Portugal é um país transatlântico. Do meu gabinete eu olho para a foz do Tejo, olho para a abertura para o mar e é uma lembrança constante de que a relação transatlântica é fundamental para a nossa geografia como tem sido para a nossa história. E, nesse sentido, nós estamos interessados em que o desenvolvimento e a identidade europeia de defesa tenha uma dimensão atlântica, marítima, e que não seja o desenvolvimento de uma identidade continental. Com a saída do Reino Unido isso é mais complicado. Ou seja, perde-se um pouco essa vertente atlântica. Sem dúvida que a saída do Reino Unido é um desafio nesse plano e por isso tenho estado a trabalhar na criação de um fórum em que tenho vindo a conversar de forma muito satisfatória - mas infelizmente com três ministros da Defesa britânicos sucessivos. Mas há um consenso grande entre Portugal e o Reino Unido. Nós vamos receber aqui, logo que as condições políticas no Reino Unido o permitam, um fórum para o Atlântico que será precisamente um mecanismo para promover uma dimensão atlântica na identidade europeia de defesa. Os britânicos têm dito que saem da União Europeia mas não saem da Europa e nós queremos ajudá-los a concretizar essa noção através da promoção de mecanismos que permitem que a presença britânica continue a contribuir positivamente..A tal velha aliança mantém-se, é isso?.A velha aliança mantém-se. Ela não nasce por acaso, ela não tem sobrevivido durante estes séculos todos por acaso e ela mantém alguma relevância atual. É evidente que o mundo mudou muito, é evidente que há um compromisso muito forte português, que o Reino Unido já não tem com a União Europeia mas isso não obsta a que estejamos interessados na continuidade de uma presença britânica como contributo para a segurança europeia e estamos a trabalhar para isso. Vamos, logo que as circunstâncias o permitam, concretizar, eu espero que ainda antes do final do ano, através de um momento político com vários outros países europeus..Há pouco falávamos do 11 de Setembro, e durante muitos anos a ameaça do terrorismo jihadista foi a grande questão de segurança. Mas neste momento, há sistematicamente declarações que estamos de volta a uma guerra fria... E há o rasgar de alguns acordos de limitação de armas nucleares. Isso afeta também a forma como as nossas Forças Armadas se posicionam ou é possível manter uma continuidade indiferente a esse contexto mais global? Não, o contexto global está a mudar e creio que durante a próxima legislatura vai ser necessário fazer uma atualização do conceito estratégico de defesa nacional e exatamente por causa da rapidez das mudanças. O último foi feito num quadro que não é muito longínquo no tempo, em 2013, mas em que o mundo era diferente, muito significativamente diferente. Um aspeto que é um desafio para as Forças Armadas em todo o lado é saber como corresponder às chamadas ameaças híbridas, incluindo a dimensão de ciberdefesa. Ou seja, nós temos de nos preparar não só para ter capacidade de intervenção em cenários muito mais convencionais como o caso da nossa participação em missões de paz na República Centro-Africana, mas também participar em cenários em que a nossa segurança e defesa são ameaçadas de maneiras novas, inovadoras, de maneiras em que não tínhamos pensado anteriormente. Temos de criar uma muito maior resiliência na nossa sociedade. Não é uma missão que possa ser desempenhada em exclusivo pelas Forças Armadas, é uma missão que exige um novo tipo de concentração entre Forças Armadas, forças de segurança e as instituições do país, mas nós não temos alternativa senão criarmos os mecanismos apropriados para nos adequarmos a estas novas realidades. Este é um movimento que se está a passar um pouco por todo o lado, nós temos um enquadramento constitucional próprio, e temos trabalhado dentro desse enquadramento e ao mesmo tempo adequado as nossas respostas às realidades com que nos confrontamos, ou aos cenários potenciais que podem ser desafios muito grandes para a nossa sociedade, para a nossa economia, para o nosso modo de vida..Uma última pergunta. Somos um país que, apesar de a guerra colonial estar na memória de muita gente, na verdade, no território europeu, há 200 anos que não temos um conflito externo. Isso dá uma sensação também, com a integração na NATO, na União Europeia, de uma paz eterna. É difícil convencer a população de que as Forças Armadas são algo absolutamente vital para a soberania de um país?.Sim, efetivamente há esse paradoxo de que, por vivermos em paz no território de Portugal há séculos, que as Forças Armadas deixaram de ser relevantes e importantes, mas por isso mesmo creio que é importante sublinhar, e os portugueses têm direito a essa explicação, que a nossa defesa e a nossa segurança já não é nas fronteiras que se joga, é longe das fronteiras. E nós temos um profundo interesse geopolítico em participar nesses processos internacionais, mas claro que é menos óbvio do que se tivéssemos ameaças diretas na fronteira. Por outro lado também, e pelas mesmas razões, houve um movimento de retirada de unidades militares de partes do país onde estavam há séculos. Castelo Branco, Elvas, tantas outras cidades de outra parte do país. E isso reduz o contacto quotidiano que as populações têm com as Forças Armadas e temos pois de atualizar o relacionamento que os portugueses têm com as Forças Armadas. Eu creio que a situação melhorou nos últimos anos, mas há toda uma geração de pessoas que têm 30/40 anos e que nunca contactaram com as nossas Forças Armadas. Não sabem o que fazem, não percebem a sua relevância e a sua utilidade. E isto é grave, é uma situação em que temos vindo a estimular processos múltiplos para inverter esse desconhecimento que é mútuo. E um desconhecimento no qual as próprias Forças Armadas, não as atuais, mas as do passado, têm algumas responsabilidades, pois houve pouca abertura em relação à sociedade no período depois da guerra colonial. Mas hoje acho que há um reconhecimento profundo nas chefias militares, nas nossas Forças Armadas, de que o contacto com a população tem de ser mais intenso. As missões de proteção civil são um contrato importante a esse respeito embora não sejam, obviamente, as missões primordiais ou exclusivas das Forças Armadas. Também há um desafio de cativar os jovens para as Forças Armadas. Ou seja, esta relação da sociedade com as Forças Armadas também tem esse outro desafio..Sim, e é um desafio transversal aos países europeus. A Europa mudou, o mundo mudou, as expectativas dos jovens mudaram, a ideia que a juventude tem sobre as Forças Armadas não corresponde, em muitos casos, àquilo que ambicionam para a sua vida. Obviamente que temos ainda vocações militares, sentimo-lo quando abrimos concursos para os quadros permanentes, temos muito mais candidatos do que lugares para oferecer, mas onde temos dificuldade é em reter militares, e esse ponto é importante. Essa ênfase não pode ser apenas no recrutamento. Ou seja, as pessoas sentirem que uma carreira militar é uma carreira..Carreira e mesmo para aqueles que não o veem como carreira mas veem como uma opção para seis anos por exemplo, os contratos... Muitas vezes não completam os seis anos, estão dois anos ou três e depois saem para outras funções. Porquê? Porque o mundo mudou e as expectativas dos jovens mudaram e isso não favorece os militares e vemo-lo por toda a Europa. Não favorece a criação do número de efetivos nas Forças Armadas de que nós precisamos. Eu tenho a impressão de que estamos no bom caminho a esse respeito mas não devemos ter ilusões, estamos a tratar de algo que requer um esforço de longo prazo. Não é só salarial, é mais do que isso?.Não, não é só salarial. Aliás, tivemos aumentos salariais bastante significativos a nível da entrada, e a parte salarial é uma componente, mas não é a única. Porque se fosse esse o caso não teríamos o problema com as retenções. As pessoas entram, sabendo o salário que vão ganhar e depois saem. Portanto, não é uma questão apenas salarial, tem que ver também com a atratividade do trabalho. Tem que ver por exemplo com questões como a habitabilidade, precisamos de fazer um investimento grande na modernização das nossas unidades militares como comunidades de habitação porque não correspondem àquilo que as pessoas hoje consideram razoável e têm razão. Houve negligência ao longo dos anos, houve um insuficiente investimento. Há todo um conjunto. E também a própria natureza do trabalho, há aqui um elemento muito importante que é a criação de competências que os militares podem levar para a vida civil depois de deixarem de ser militares. Estamos a trabalhar em mecanismos para que cada militar possa, ao regressar à vida civil, levar uma certificação que tenha utilidade na vida civil. Claro que há limitações. Nós precisamos, por exemplo, no exército, de muitos atiradores. E não há, na vida civil, procura para esse tipo de especialização. Mas o que estamos a desenvolver são mecanismos para que cada atirador do exército tenha também outras competências que poderão ser certificadas, que poderão ser úteis no seu regresso à vida civil. Infelizmente houve uma atitude muito redutora quando este assunto foi discutido publicamente como se houvesse possibilidade, com uma varinha mágica, de dizer "agora, os efetivos vão ser mais". Não, é um processo complexo, que necessita de uma intervenção em múltiplas frentes. Já temos isso tudo programado, está a ser trabalhado e desenvolvido mas precisa de tempo, de dois a três anos, para que tenha um impacto real. Até porque nos contratos de cinco, seis anos, não se pode ver de um ano para o outro uma mudança grande. As mudanças são graduais. Portanto é um trabalho que está em curso e eu acho que daqui a quatro, cinco anos veremos Forças Armadas com outros números, mas requer um esforço concertado e um empenho por parte das próprias Forças Armadas.