Os "ministros sombra" do PCP e do BE que vigiam o Governo

O Parlamento é o epicentro das conversações permanentes dentro da plataforma que apoia o Executivo do PS
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Mais de um ano depois de assinadas as "posições conjuntas" - foi em 10 de novembro de 2015 - a chamada "geringonça" (nome que à esquerda uns toleram e outros detestam) é uma máquina oleada em que todos sabem o seu papel. Todos os membros do Governo têm no PCP e no Bloco de Esquerda um "governante" sombra, que lhes vigia o trabalho - e com quem negoceiam, quando é caso disso. No epicentro do processo está o Parlamento e são deputados quem faz isso. E há regras, comuns aliás tanto a comunistas como a bloquistas: nenhum deputado negoceia com o "seu" membro do Governo sem que na conversa esteja um membro da sua direção parlamentar.

De resto, é o que se sabe: a plataforma de esquerda só negoceia a dois - nunca com as quatro partes (Governo/PS+ BE+ PCP +PEV) na mesma sala. Se o Governo quiser fazer qualquer coisa para a qual precise de apoio à esquerda tem de ir falando separadamente com cada uma das partes.

Além do mais, as estruturas de vigilância e/ou negociação que o Bloco de Esquerda e o PCP montaram são diferentes entre si. No Bloco tudo recai exclusivamente no grupo parlamentar. Os deputados coordenadores do partido nas diversas comissões são, genericamente, os interlocutores do seu partido na sua área de responsabilidade quando é preciso falar com o Governo e/ou com o PS. Às vezes há deputados que acumulam várias áreas - por exemplo, José Manuel Pureza.

No PCP, a estrutura é dupla. Por um lado, a que assenta nos deputados e que é no essencial igual à do Bloco de Esquerda. Mas por outro, numa espécie de posição de supervisão superior e acompanhamento político, estão os dirigentes do partido que não estão no Parlamento mas trabalham, isso sim, a tempo inteiro, na sede nacional do partido, na Soeiro Pereira Gomes, em Lisboa. Note-se: a maior parte dos dirigentes do PCP não é deputado. Assim, o coordenador geral (e responsável pelo pelouro do poder local) é Jorge Cordeiro, um não deputado que se costuma ver muito na Assembleia da República quando o PCP negoceia os orçamentos do Estado. E depois há na sede outros responsáveis sectoriais: Francisco Lopes (Trabalho), Fernanda Mateus (Segurança Social), Vasco Cardoso (Economia e Finanças), Jorge Pires (Saúde, Educação e Cultura), Rui Fernandes (Justiça, Administração Interna e Defesa), Ângelo Alves (questões internacionais) e Vladimiro Vale (Ambiente).

Além de "ministros sombra", PCP e BE também têm alguns "secretários de Estado sombra". Por exemplo em tudo o que diga à promoção dos direitos dos deficientes. No BE quem trata disso é o deputado Jorge Falcato e no PCP Diana Ferreira.

Secretaria Estado Assuntos Parlamentares

Pedro Nuno Santos é o homem do Governo por quem todas as negociações passam. Os interlocutores diretos são os líderes parlamentares do BE e do PCP, Pedro Filipe Soares e João Oliveira, respetivamente.

Ministério das Finanças

Nas negociações dentro da plataforma de esquerda esta é porventura a área mais importante: é por aqui (e pela Segurança Social) que passa o essencial das políticas de reposição de rendimentos e de revogação dos cortes operados durante a troika. No PCP, o deputado Paulo Sá é o principal interlocutor de Mário Centeno - mas com a assistência de Miguel Tiago, quando o assunto é a banca. No BE, Mariana Mortágua toma conta de tudo. Além disso, é vice-presidente da bancada do partido.

Ministério dos Negócios Estrangeiros

Ministro: Augusto Santos Silva; PCP: Carla Cruz; BE: José Manuel Pureza

Esta é uma área pouco atreita a conversações porque é aquela, devido à questão europeia, em que o Governo, de um lado, e o resto da "geringonça", do outro, estão mais separados. O Governo e o PS continuam a dizer que a Europa e a moeda única são um projeto que vale a pena - embora o criticismo esteja a aumentar -, enquanto o Bloco de Esquerda e o PCP acham que o melhor mesmo seria já começar a preparar a saída.

Ministério Modernização Administrativa

Ministra: Maria Manuel Leitão Marques; PCP: Paula Santos; BE: José Manuel Pureza

A área tutelada pela ministra Maria Manuel Leitão Marques não é matéria de grandes negociações - para não dizer nenhumas. A ministra já explicou aos parceiros da plataforma o novo programa Simplex e também porque razão é tecnicamente impossível cumprir a lei, do tempo de Passos Coelho, que tornou o Cartão do Cidadão vitalício. Também lhes explicou as incidências do OE 2017 no seu ministério.

Ministério da Defesa Nacional

Ministra: Azeredo Lopes; PCP: Jorge Machado; BE: João Vasconcelos

A Defesa é uma área onde os parceiros da plataforma de esquerda não conversam. Razão: não há nada para conversar visto que a produção legislativa originária do Governo é nula. Na discussão do OE 2017, o PCP conseguiu fazer aprovar uma norma que permite a recomposição das carreiras dos sargentos fuzileiros deficientes graduados em sargento-mor. E fê-lo apesar do voto contra do PS.

Ministério Ciência e Ensino Superior

Ministro: Manuel Heitor; PCP: Ana Mesquita; BE: José Manuel Pureza

A esquerda tem-se conseguido entender, nos processos de discussão e votação dos Orçamentos do Estado e em manter congeladas as propinas do ensino superior. Valorizar as carreiras dos investigadores dando-lhes segurança aos vínculos laborais também tem sido matéria de concordância. Manuel Heitor prometeu mais emprego científico, e o orçamento para 2017 concretiza essa intenção, com a possibilidade de novas contratações por parte da universidade. Se isso chega, logo se verá.

Ministério da Saúde

Ministro: Adalberto Campos Fernandes; PCP: Carla Cruz; BE: Moisés Ferreira

Devolver isenções nas taxas moderadoras é uma das áreas em que a esquerda parlamentar sempre esteve de acordo. O primeiro Orçamento do Estado da "geringonça" foi aproveitado para repor a gratuitidade nas idas às urgências dos bombeiros e dadores de sangue, que tinha sido retirada em 2011.

Ministério do Ambiente

Ministro: Matos Fernandes; PCP: Ana Virgínia; BE: Jorge Costa

O ministro do Ambiente ficou com a tutela dos transportes públicos urbanos de Lisboa e do Porto e a sua recondução ao domínio público revelou-se consensual à esquerda. Através de Heloísa Apolónia, do PEV, conseguiu-se que as despesas com passes sociais também sejam descontáveis no IRS, negociação que também envolveu as Finanças.

Ministério da Justiça

Ministra: Francisca Van Dunem; PCP: António Filipe; BE: José Manuel Pureza

Por proposta do PCP, aceite pela ministra da Justiça, conseguiu-se no OE 2017 que as custas judiciais se mantenham congeladas, não refletindo o aumento do IAS (Indexante dos Apoios Sociais).

Ministério Planeamento e Infraestruturas

Ministro: Pedro Marques; PCP: Bruno Dias; BE: Heitor de Sousa

Não tem havido grandes conversas. Os partidos à esquerda do PS insistem na valorização dos transportes ferroviários mas o Governo debate-se com falta de meios. No que toca à TAP, o Governo está de um lado e o BE e o PCP do outro (queriam a transportadora aérea nacional completamente nacionalizada).

Ministério da Agricultura

Ministro: Capoulas Santo; PCP: João Ramos; BE: Carlos Matias

No último OE conseguiu-se, por proposta do PCP, a redução em 3 cêntimos do gasóleo agrícola para as explorações até cinco hectares nos consumos até 1000 litros de gasóleo. Objetivo: reduzir os elevados custos dos pequenos e médios agricultores com os fatores de produção.

Ministério da Educação

Ministro: Tiago Brandão Rodrigues; PCP: Ana Mesquita; BE: Joana Mortágua

A pressão da esquerda levou o Governo do PS a ir mais longe do que inicialmente previa na ideia de extinguir exames no ensino básico. Também têm sido alcançados progressos ao nível da gratuitidade dos manuais escolares.

Ministro adjunto

Ministro: Eduardo Cabrita; PCP: Paula Santos; BE: Pedro Soares

Eduardo Cabrita tutela o poder local e conhece-se pelo menos uma área de divergência entre o Governo e os parceiros à esquerda: BE e PCP queriam revogar já o processo que extinguiu mais de mil freguesias, enquanto o Governo prefere que esse processo só ocorra depois das próximas eleições autárquicas.

Ministério da Administração Interna

Ministra: Constança Urbano de Sousa; PCP: Jorge Machado; BE: José Manuel Pureza

A lei sindical da PSP, matéria sobre a qual o Governo quer legislar, vai ser matéria de intensa negociação dentros da "geringonça". Bloco de Esquerda e PCP opõe-se a tudo o que pareça limitação de direitos, nomeadamente direitos de expressão de opinião, ou limitações nas folgas. Existem todos os condimentos para ser uma negociação difícil - para já não falar no facto de existirem quase tantos sindicatos quanto agentes da polícia. BE e PCP também pressionam o Governo para reforçar direitos dos imigrantes estrangeiros residentes em Portugal.

Ministério da Cultura

Ministro: L.F. Castro Mendes; PCP: Ana Mesquita; BE: Jorge Campos

O PCP propôs que os museus voltassem a ser públicos aos domingos até às 14.00, e foi acompanhada por todos os partidos com assento parlamentar menos... o PS. O anterior ministro, João Soares, destituiu António Lamas do Centro Cultural de Belém. O BE defendeu que o cargo fosse ocupado após concurso internacional. Não aconteceu.

Ministério da Economia

Ministro: Caldeira Cabral; PCP: Bruno Dias; BE: Jorge Costa

A questão energética tem ocupado uma parte importante das conversas envolvendo o ministério da Economia. BE e PCP querem as empresas a beneficiar de menos apoios públicos. No OE 2016 conseguiram impor a tarifa social da electricidade, que já abrange quase um milhão de famílias.

Ministério do Mar

Ministra: Ana Paula Vitorino; PCP: Bruno Dias; BE: Carlos Matias

O ministério de Ana Paula Vitorino tutela também a área das Pescas (que tradicionalmente ficava no ministério da Agricultura). Por negociações à esquerda ficou o compromisso governamental de alargar no Fundo de Compensação Salarial as compensações aos pescadores quando estão parados por razões de proteção de stocks.

Ministério Trabalho e Segurança Social

Ministro: Vieira da Silva; PCP: Rita Rato; BE: José Soeiro

Tal como as Finanças, uma área central nas negociações. Está emr revogar cortes nas pensões, o que tem sido conseguido. Na área do trabalho, BE e PCP vão lançar mãos à obra para revogar medidas que consideram nocivas no Código Laboral. E querem o regresso dos 25 dias de férias.

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