Há uma cena no livro Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, em que o narrador, após uma ausência de largos anos, regressa a Paris e comparece a uma festa em que poderá rever os amigos da capital. Assim que chega ao salão olha em volta e não reconhece nenhum daqueles senhores grisalhos amparados em bengalas, tampouco as senhoras vetustas cobertas de maquilhagem. São, claro está, os seus amigos, apenas mais velhos, como ele também está..É um grande mistério isto de envelhecermos, ou, com maior rigor, de irmos envelhecendo. Os dias parecem-nos iguais, o corpo vai sendo o mesmo, talvez uma dorzita que ontem ali não estava, ou as pernas um nadinha mais pesadas, mas é certamente impressão nossa, paranoias, manias... Até que um dia um jantar com os colegas de curso, uma foto desbotada, um encontro fortuito com uma ex-namorada e o tempo salta dez ou vinte anos, como se nos roubassem parte do que somos e a escondessem no passado..Gosto de observar os velhos amigos que se encontram diariamente para almoçar, repetindo os mesmos disparates e os mesmos gestos, chamando rapazes e meninas uns aos outros. São-no, enquanto o almoço durar. Há lugares que nos devolvem o tempo ou que permitem alimentar a ilusão. Afinal, que outra coisa é a idade? Ou o passar de algo que não vemos nem podemos agarrar? Pode ser uma árvore a que trepámos, o café onde esticávamos as horas ou o bairro onde crescemos. São os cofres onde depositámos as memórias das nossas vidas, onde podemos encontrar o tempo que o tempo nos quer roubar..Escritor