"Jovens dispensam políticos com boas ideias". O que se leva da conferência pela juventude
Já em 1998, aquando da primeira Declaração de Lisboa, falava-se na possibilidade de juntar os grandes decisores políticos do mundo com jovens. Não para dizer à juventude o que deveriam fazer, mas para saberem o que a política poderia fazer por eles. O documento que culminou da estreia da Conferência Mundial de Ministros Responsáveis pela Juventude 2019 deixava a promessa de tentar tornar esta ideia possível, mesmo sob a consciência da dificuldade que seria juntar diversas agendas espalhadas pelo planeta. Aconteceu este ano, em Lisboa, na segunda edição da conferência, 21 anos após a primeira. Feitas as contas a todos os discursos, o secretário de Estado da Juventude elegeu os cinco principais pontos de discussão deste encontro: o clima, a empregabilidade, a participação jovem, acesso igualitário a oportunidades e igualdade de género.
Mais de 100 delegações de responsáveis pela área da juventude discutiram o futuro dos jovens. Desta vez, ao lado deles, dos jovens que "dispensam políticos com boas ideias", disse ao DN o secretário de estado da juventude, em jeito de balanço deste encontro. Não é ideias que procuram, lembra João Paulo Rebelo. "Porque eles próprios têm boas ideias para si. E há matérias em que os jovens até são os verdadeiros especialistas, porque lhes dizem muito mais respeito do que a qualquer outra geração."
No encerramento da cerimónia, este domingo, o último dia da conferência que se iniciou na sexta-feira, o próprio ministro da Educação, que tutela também a pasta da Juventude, lembrou que a juventude não está à espera que lhes seja dito o que fazer e como o fazer, mas sim acompanhamento político para que possam aplicar as suas ideias. "Os jovens não esperam de nós que lhes desenhemos um futuro ideal. Isso eles sonham, e bem, por eles e por nós. De nós esperam que os acompanhemos a superarem os desafios concretos do seu mundo real."
E foi com base neste mote, que pareceu unânime entre todos os presentes, que decorreu a conferência que o secretário de Estado da Juventude caracterizou de "inédita, extraordinária e muito positiva".
"O que aconteceu este fim de semana em Lisboa foi, eu diria, um espaço de discussão política sem precedentes. Porque se é certo que em 1998 houve uma conferência de ministros da juventude e, ao mesmo tempo, um fórum da juventude, a verdade é que foram dois espaços completamente distintos e autónomos, com as suas próprias conclusões. O que acontece 21 anos depois é que se juntaram os decisores políticos aos jovens num compromisso comum." Um processo só por si complexo, fez questão de frisar. Primeiro pela "complexidade que é, desde logo, ministros e políticos de todo o mundo, com agendas e culturas muito diferentes" encontrarem-se. E depois pela agenda dos jovens, "com um quadro normalmente mais progressista do que os políticos". E a diferença que se encontra entre os dois olhares foi notória durante a conferência, conta o governante. "Mas a tudo isto sobrepõe-se o espírito de compromisso", remata.
Fora do Altice Arena, onde decorreu a conferência, os jovens faziam-se ouvir, de cartazes ao alto, lembrando as lutas pelo clima que os levaram à rua durante estes últimos meses. A Greve Climática Estudantil, por exemplo, levou milhares a sair às ruas, um pouco por todo o país.
Uma vez não bastou. Nem duas, nem três. E aproveitaram a visita de tantos políticos a nível mundial para mostrar que estão dispostos a lutar até que as agendas políticas tenham em conta a urgência em combater as alterações climáticas. Por isso mesmo nenhum orador deste encontro parece ter ficado indiferente ao tema.
O secretário de Estado da Juventude, que embora não tenha falado em nenhum painel, mas garante ter assistido a quase todos eles, conta que não viu "nenhuma intervenção que não tocasse nesta questão". "As questões ambientais tiveram, de facto, muita atenção", frisa.
Durante a sua intervenção, no sábado, o Presidente da República manifestou o apoio a um declaração de estado de emergência climática, embora o Governo se mostre reticente em aprovar este cenário. O que falta, lembrava, é coragem política.
Antes de entrar, Marcelo Rebelo de Sousa era esperado por vários jovens que seguravam cartazes com mensagens em prol da preservação do planeta. "Eu já apoiei a ideia de uma declaração de estado de emergência climática. Espero que seja aprovada brevemente", disse, dirigindo-se a este grupo de ativistas.
Na sessão de encerramento deste domingo, também o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, teve uma palavra a dizer sobre o tema. Assumiu que a sua geração falhou no desafio das alterações climáticas e que os jovens podem e devem liderar agora este combate global.
Mas para o secretário de Estado da Juventude, a prova de que a juventude está a ser ouvida é a existência desta mesma conferência. "Há aquela crítica muito imediata de que a política não reflete as necessidades e preocupações das pessoas e este dado contraria esta tese", disse João Paulo Rebelo, em declarações ao DN.
Segundo dados recolhidos pelas Nações Unidas, há mais de um quinto da maior população de jovens de sempre - quase 1,8 mil milhões - que não trabalha, não estuda ou não tem um grau de formação. Por isso, os políticos presentes nesta conferência também não passaram ao lado do tema da empregabilidade para discutirem o futuro desta geração.
"Para cumprir a Agenda 2030 precisamos de criar 600 milhões de novos empregos, o que quer dizer mais de 40 milhões de empregos por ano, e a maioria são para os jovens. Vincular o tema da quantidade com a qualidade do emprego, ou seja, um trabalho digno. Porque muitos dos jovens estão desempregados, mas há muitos jovens que apesar de trabalharem continuam ainda na pobreza", lembrou a presidente da Assembleia-Geral da ONU, Maria Fernanda Espinosa.
E quanto a este tema, confessou, ainda "há muito trabalho para fazer".
O governante João Paulo Rebelo acrescenta que esta é mesmo "uma das maiores preocupações e um domínio chave que a juventude elencou" no Plano Nacional para a Juventude.
A participação jovem não só foi o mote deste evento como continua a ser uma das grandes batalhas a travar pela política. "Já em 1998 se falava disto e da mesma forma", lembra o secretário de Estado da Juventude. A promoção desta participação era já "um dos compromissos" da primeira Declaração de Lisboa.
"O que resulta que 21 anos depois todos foram unânimes em considerar que há hoje espaços de participação da juventude e que se fez um caminho, mas é também algo que tem de ser permanentemente alimentado e reforçado. Temos a obrigação de criar e promover espaços para a participação jovem", disse ao DN. Serem quem os acompanha, mas não os pais do seu desenvolvimento, faz questão de distinguir. "O secretário-geral da ONU disse-o claramente: os jovens estão sentados à mesa da decisão. E nós queremos sentar-nos com os jovens. Nada para a juventude sem a juventude. Mas sem uma atitude paternalista ou sobranceira."
Portugal foi apontado insistentemente como "exemplo de boas práticas", acrescenta. João Paulo Rebelo lembra que foi "o primeiro país a ter um orçamento participativo dedicado à juventude".
Falar de igualdade é falar de algo inteiramente transversal a todas as gerações, mas é a pensar na sensibilização dos jovens, construtores do futuro, que se debate o assunto numa conferência dedicada a esta geração.
E há dois tipos de igualdade em debate, que "de alguma forma se tocam" e que é importante discutir, explica o secretário de Estado da Juventude. São elas a igualdade de género e a igualdade de oportunidades, que não deveriam ser discussões em pleno século XXI, lembra João Paulo Rebelo.
Mostrou-se "particularmente impressionado" com uma intervenção da enviada do secretário-geral das nações unidas para a juventude, Jayathma Wickramanayake, uma jovem do Sri Lanka. "Dizia que há muitos sítios em que as jovens mulheres são as últimas a comer numa casa e são as que comem menos. Em pleno século XXI, é algo que a humanidade tem de ultrapassar. Temos de criar condições de acesso igual para todas e todos", remata.
Corria o ano de 1998 quando o Governo Português, em cooperação com os parceiros do Sistema das Nações Unidas, organizou a Conferência Mundial de Ministros Responsáveis pela Juventude. Tornou um marco no trabalho em torno das políticas de Juventude.
Deste evento culminou na assinatura da chamada Declaração de Lisboa, que este ano foi atualizada como "Declaração Lisboa+21". Neste mesmo documento, ministros e demais líderes mundiais presentes comprometeram-se a trabalhar com a Juventude num conjunto de políticas e programas que fossem ao encontro das preocupações dos jovens e melhorassem as suas vidas.
A atualização do documento foi ao encontro do que pretendia o Presidente da República. Durante a sua exposição no primeiro dia de conferência, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de sublinhar que "a declaração de Lisboa de 1998, numa parte, foi ultrapassada e por isso é bom que seja aprovada a nova declaração de Lisboa, porque os tempos são outros, porque a aceleração é outra, porque o mundo é mais global".
O secretário de Estado da Juventude disse tratar-se de mais do que uma mera atualização de um documento. Em entrevista ao DN, João Paulo Rebelo disse que "cada declaração é uma declaração" e "este é um novo compromisso mundial", onde os jovens se reveem "tanto naquele documento quanto os políticos".
Quanto aos efeitos práticos que surgirão deste documento, lembra que estão nos anos que cada país já conseguiu avançar pela sua juventude. "Em 1998, a declaração apontava caminhos para políticos de co-gestão (entre políticos e jovens) e em 2019 essa co-gestão aplicou-se. A declaração de 98 já produziu efeitos. Ao longo de 21 anos, foi surtindo efeitos em diferentes países."
Referindo-se ao exemplo específico de Portugal, recorda ainda que "a Federação Nacional de Associações Juvenis e o Conselho Nacional de Juventude já passaram a integrar o conselho económico e social - que é onde se sentam todos os parceiros parciais". "Cada vez que se discutir, por exemplo, o salário mínimo nacional, estarão lá dois representantes da juventude o que acham sobre o tema, a partir da sua perspetiva jovem."
A obra mais prática que resultará desta conferência e deste documento, garante, é a capacidade de construir uma "sociedade mais inclusiva", mais atenta às preocupações dos jovens. "Não se construiu nenhum prédio nem nenhuma ponte, não se construiu betão, mas estamos a trabalhar para uma sociedade mais inclusiva. E uma sociedade inclusiva é uma sociedade melhor." Melhor e contra o "radicalismo", uma das maiores preocupações nacionais contemporâneas, transversais a grande parte dos países. "Uma das grandes causas do radicalismo é as pessoas sentirem que os seus representantes não estão a ouvi-las nem a falar para elas. Por isso, este é um contributo muito importante."
Mas há quem lembre que o feito deve ser repetido, agora com mais regularidade. O presidente do Conselho Nacional da Juventude, ainda na casa dos 20 anos, discursou na cerimónia e aproveitou a oportunidade para desafiar os decisores políticos a realizar com periodicidade uma conferência mundial com jovens para construir um desenvolvimento sustentável.
"Este esforço não vale a pena se acabar amanhã. Só vale a pena se um de vocês puder acolher esta conferência de novo. Não há forma de atingir a agenda do desenvolvimento sustentável sem os jovens, então esta deve passar a ser uma conferência ordinária das Nações Unidas", defendeu Hugo Carvalho.
"Porque é preciso olhar para frente e não fazer, como já foi dito, uma conferência de 21 em 21 anos", rematou.