No dia seguinte à troca de mensagens por videoconferência entre Vladimir Putin e Joe Biden, as mesmíssimas ideias foram repetidas pelos próprios, próximos ou aliados. Para quem desligou da corrente da Terra na terça-feira, o presidente norte-americano explicou que, caso Moscovo decida invadir a Ucrânia, a Rússia seria alvo de "consequências económicas como ele [Putin] nunca viu ou alguém viu". O novo chanceler alemão Olaf Scholz e o presidente francês Emmanuel Macron fizeram coro. Em Sochi, a estância balnear no mar Negro onde recebeu o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis, o presidente russo voltou a dizer que a perspetiva de uma expansão da NATO para leste é um tema "muito sensível" para a Rússia..Cento e vinte e dois minutos de diplomático diálogo de surdos entre Biden e Putin.Sem entrar em pormenores, Putin acabou por justificar a mobilização de dezenas de milhares de soldados não longe da fronteira com a Ucrânia como uma resposta à presença de forças ocidentais no mar Negro - disse que seria uma "inação criminosa" caso nada fizesse. "Não podemos deixar de nos preocupar com a perspetiva de uma possível admissão da Ucrânia na NATO, porque isto será sem dúvida seguido pelo destacamento de contingentes militares, bases e armas correspondentes que nos ameaçam", comentou..Da conversa de duas horas entre o russo e o norte-americano saiu um único compromisso, o de continuar o diálogo, que Putin qualificou de "construtivo". Já sobre o futuro da Ucrânia, só o líder russo poderá responder à questão. O antigo agente do KGB , que conta no seu currículo presidencial com uma guerra dentro das fronteiras (Chechénia) russas, outra fora (Geórgia), uma outra por procuração que já leva 14 mil mortos (leste da Ucrânia), a primeira ciberguerra (à Estónia), a anexação da Crimeia, e a participação na guerra da Síria, disse ao lado do chefe do governo helénico que o seu país tem "uma política externa pacífica"..Em Kiev as autoridades não acreditam no pacifismo de um homem que declarou a dissolução da União Soviética "a maior catástrofe geopolítica do século XX" e que não hesita em desrespeitar o espírito do acordo assinado pelos líderes eslavos fez ontem 30 anos nem o do tratado de amizade e cooperação com a Ucrânia, no qual Moscovo e Kiev comprometeram-se em não se imiscuírem nos assuntos internos e em respeitar a integridade territorial de cada país..Para Putin, a integração da Ucrânia ou da Geórgia na NATO não é um assunto para os ucranianos ou georgianos decidirem (além dos países membros da aliança militar), cabe antes ao presidente da Federação Russa. "A Rússia está seriamente interessada em obter garantias legais fiáveis que excluam a expansão da NATO para leste", confirmou ontem o Kremlin, em comunicado, após a cimeira virtual. Ivan Timofeev, diretor do grupo de reflexão Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, explicita o problema ao dizer que tropas da Aliança Atlântica na Ucrânia iriam alterar o equilíbrio militar nas fronteiras, tendo em conta que já estão presentes no Ártico e no Báltico. "Se também estiverem na Ucrânia o hipotético teatro de ação militar torna-se muito vasto", comentou ao The New York Times. ."A Rússia não vai conseguir parar a integração da Ucrânia na Europa".Ao que tudo indica, não é só uma questão de segurança e de defesa. Em julho, Vladimir Putin publicou na página do Kremlin um texto dedicado à "unidade histórica" de russos e ucranianos, no qual situa a Ucrânia moderna como uma "criação soviética", e cujo nacionalismo tem raízes artificiais criadas por polacos e austro-húngaros contra os russos. Quanto à integridade territorial, Putin defende que as fronteiras legítimas da Ucrânia são as de 1922, quando assinou o tratado da URSS - não incluem a Crimeia nem territórios que pertenciam à Polónia, Checoslováquia e Roménia. Depois de designar a Ucrânia como um território instrumentalizado por um "projeto anti-Rússia", o líder russo afirma que a "verdadeira soberania da Ucrânia só é possível em parceria com a Rússia" devido aos "laços espirituais, humanos e civilizacionais" entre russos e ucranianos. "Porque somos um povo.".Fim da URSS.Sete dias depois de 90% dos eleitores ucranianos votarem pela independência em referendo, os presidentes Leonid Kravchuk (Ucrânia), Boris Ieltsin (Rússia) e Stanislav Shushkevich (do parlamento da Bielorrússia) declaram em 8 de dezembro de 1991 o fim da União Soviética e a criação da Comunidade de Estados Independentes..Tratado de amizade.Em maio de 1997, os presidentes Boris Ieltsin e Leonid Kuchma assinam um tratado de amizade e cooperação, no qual, pela primeira vez, a Rússia reconhece a independência ucraniana e compromete-se a respeitar a integridade territorial..Volte-face e revolta.Em novembro de 2013, o presidente Viktor Ianukovich decide não assinar um acordo comercial com a UE, e em troca recebe assistência económica de Moscovo. Os protestos aumentam de tom e em fevereiro contam-se centenas de mortos. Ianukovich foge para a Rússia.."Pequenos homens verdes".Em 2014, homens armados de uniforme tomam a capital da Crimeia e depois de um plebiscito o território é tomado pela Rússia. As regiões orientais de Donetsk e Lugansk seguem a mesma tática, mas mantêm-se em conflito com Kiev..Associação com a UE e NATO.Meses depois de Ianukovich ter mudado de ideias, o novo presidente Petro Poroshenko assina em Bruxelas um acordo de associação com a UE, que entra em vigor em 2017. Nesse mesmo ano, o parlamento aprovou uma resolução que estabelece a adesão à NATO como estratégica. Mas o secretário-geral Stoltenberg alegou, há três semanas, que não há consenso entre os membros para que o país possa iniciar a adesão..cesar.avo@dn.pt
No dia seguinte à troca de mensagens por videoconferência entre Vladimir Putin e Joe Biden, as mesmíssimas ideias foram repetidas pelos próprios, próximos ou aliados. Para quem desligou da corrente da Terra na terça-feira, o presidente norte-americano explicou que, caso Moscovo decida invadir a Ucrânia, a Rússia seria alvo de "consequências económicas como ele [Putin] nunca viu ou alguém viu". O novo chanceler alemão Olaf Scholz e o presidente francês Emmanuel Macron fizeram coro. Em Sochi, a estância balnear no mar Negro onde recebeu o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis, o presidente russo voltou a dizer que a perspetiva de uma expansão da NATO para leste é um tema "muito sensível" para a Rússia..Cento e vinte e dois minutos de diplomático diálogo de surdos entre Biden e Putin.Sem entrar em pormenores, Putin acabou por justificar a mobilização de dezenas de milhares de soldados não longe da fronteira com a Ucrânia como uma resposta à presença de forças ocidentais no mar Negro - disse que seria uma "inação criminosa" caso nada fizesse. "Não podemos deixar de nos preocupar com a perspetiva de uma possível admissão da Ucrânia na NATO, porque isto será sem dúvida seguido pelo destacamento de contingentes militares, bases e armas correspondentes que nos ameaçam", comentou..Da conversa de duas horas entre o russo e o norte-americano saiu um único compromisso, o de continuar o diálogo, que Putin qualificou de "construtivo". Já sobre o futuro da Ucrânia, só o líder russo poderá responder à questão. O antigo agente do KGB , que conta no seu currículo presidencial com uma guerra dentro das fronteiras (Chechénia) russas, outra fora (Geórgia), uma outra por procuração que já leva 14 mil mortos (leste da Ucrânia), a primeira ciberguerra (à Estónia), a anexação da Crimeia, e a participação na guerra da Síria, disse ao lado do chefe do governo helénico que o seu país tem "uma política externa pacífica"..Em Kiev as autoridades não acreditam no pacifismo de um homem que declarou a dissolução da União Soviética "a maior catástrofe geopolítica do século XX" e que não hesita em desrespeitar o espírito do acordo assinado pelos líderes eslavos fez ontem 30 anos nem o do tratado de amizade e cooperação com a Ucrânia, no qual Moscovo e Kiev comprometeram-se em não se imiscuírem nos assuntos internos e em respeitar a integridade territorial de cada país..Para Putin, a integração da Ucrânia ou da Geórgia na NATO não é um assunto para os ucranianos ou georgianos decidirem (além dos países membros da aliança militar), cabe antes ao presidente da Federação Russa. "A Rússia está seriamente interessada em obter garantias legais fiáveis que excluam a expansão da NATO para leste", confirmou ontem o Kremlin, em comunicado, após a cimeira virtual. Ivan Timofeev, diretor do grupo de reflexão Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, explicita o problema ao dizer que tropas da Aliança Atlântica na Ucrânia iriam alterar o equilíbrio militar nas fronteiras, tendo em conta que já estão presentes no Ártico e no Báltico. "Se também estiverem na Ucrânia o hipotético teatro de ação militar torna-se muito vasto", comentou ao The New York Times. ."A Rússia não vai conseguir parar a integração da Ucrânia na Europa".Ao que tudo indica, não é só uma questão de segurança e de defesa. Em julho, Vladimir Putin publicou na página do Kremlin um texto dedicado à "unidade histórica" de russos e ucranianos, no qual situa a Ucrânia moderna como uma "criação soviética", e cujo nacionalismo tem raízes artificiais criadas por polacos e austro-húngaros contra os russos. Quanto à integridade territorial, Putin defende que as fronteiras legítimas da Ucrânia são as de 1922, quando assinou o tratado da URSS - não incluem a Crimeia nem territórios que pertenciam à Polónia, Checoslováquia e Roménia. Depois de designar a Ucrânia como um território instrumentalizado por um "projeto anti-Rússia", o líder russo afirma que a "verdadeira soberania da Ucrânia só é possível em parceria com a Rússia" devido aos "laços espirituais, humanos e civilizacionais" entre russos e ucranianos. "Porque somos um povo.".Fim da URSS.Sete dias depois de 90% dos eleitores ucranianos votarem pela independência em referendo, os presidentes Leonid Kravchuk (Ucrânia), Boris Ieltsin (Rússia) e Stanislav Shushkevich (do parlamento da Bielorrússia) declaram em 8 de dezembro de 1991 o fim da União Soviética e a criação da Comunidade de Estados Independentes..Tratado de amizade.Em maio de 1997, os presidentes Boris Ieltsin e Leonid Kuchma assinam um tratado de amizade e cooperação, no qual, pela primeira vez, a Rússia reconhece a independência ucraniana e compromete-se a respeitar a integridade territorial..Volte-face e revolta.Em novembro de 2013, o presidente Viktor Ianukovich decide não assinar um acordo comercial com a UE, e em troca recebe assistência económica de Moscovo. Os protestos aumentam de tom e em fevereiro contam-se centenas de mortos. Ianukovich foge para a Rússia.."Pequenos homens verdes".Em 2014, homens armados de uniforme tomam a capital da Crimeia e depois de um plebiscito o território é tomado pela Rússia. As regiões orientais de Donetsk e Lugansk seguem a mesma tática, mas mantêm-se em conflito com Kiev..Associação com a UE e NATO.Meses depois de Ianukovich ter mudado de ideias, o novo presidente Petro Poroshenko assina em Bruxelas um acordo de associação com a UE, que entra em vigor em 2017. Nesse mesmo ano, o parlamento aprovou uma resolução que estabelece a adesão à NATO como estratégica. Mas o secretário-geral Stoltenberg alegou, há três semanas, que não há consenso entre os membros para que o país possa iniciar a adesão..cesar.avo@dn.pt