"Os conservadores, nos últimos 20 anos, não fizeram mais nada a não ser flirtar com o fascismo"
No seu livro lembra que foi em Itália que o fascismo encontrou um nome, uma ideologia e o seu primeiro líder bem-sucedido: Benito Mussolini. Cem anos depois, os eleitores italianos acabam de eleger Giorgia Meloni, cujas raízes são fascistas, e que provavelmente será a próxima primeira-ministra. Como é que vê esta eleição?
A questão óbvia é perguntar se Meloni é fascista. O livro diz-nos para fazer uma pergunta diferente: é a situação italiana uma situação fascista? E a minha resposta é não. A situação através da qual Mussolini chegou ao poder foi descrita por Antonio Gramsci, nesta frase lindíssima: "o desencadear de forças elementares que ninguém pode controlar". Não são forças de classe, são forças psicológicas, as forças da anticivilização. Estas forças que empurram a direita populista, os conservadores de direita e o autoritarismo em direção ao fascismo existem em partes do mundo. Existem nos EUA, no Brasil, e claro, na Rússia. Mas em Itália não. O que acontece é a clássica situação italiana da rotatividade das ideologias falhadas, dos políticos falhados, que colocou esta nostálgica do fascismo no poder. Meloni insere-se na categoria que a Ciência Política chamou de populismo de direita. O livro é um argumento de que estas categorias estão a dissolver-se. O que precisamos de perceber sobre Meloni é que a estrutura do seu pensamento é fascista. A estrutura das suas ações ainda não é fascista. O que ela tem de perigoso, como [Matteo] Salvini antes dela, é normalizar a linguagem do fascismo.
Vimos o que aconteceu nos EUA com Donald Trump quando perdeu as eleições, com a invasão do Capitólio. Vem aí a segunda volta das eleições do Brasil. Acha que algo do género pode acontecer?
George Orwell, na II Guerra Mundial, disse: "Porque é que pessoas como eu conseguem prever o futuro melhor do que o governo?" E a sua resposta era: "porque eu percebo o mundo em que vivemos." O que eu gostaria que os políticos centristas tecnocratas que estão hoje no poder percebessem é que este é um mundo onde podemos ter uma insurreição nos EUA. Podemos ter uma invasão e uma ameaça nuclear na Ucrânia. Podemos ter muçulmanos a ser agredidos nas ruas por multidões hindus apoiadas pelo governo indiano. Este é o mundo em que vivem. Por isso não fiquem surpreendidos se, a 30 de outubro, não tanto o movimento de Bolsonaro, mas os militares que têm estado por detrás dos bolsonaristas e destes cristãos evangélicos radicais, façam algo. O desafio de Lula e do Supremo Tribunal do Brasil será gerir essa situação. Afinal, o Estado americano geriu a situação com a insurreição de Trump. Não foi fácil, podia ir para qualquer lado... Penso que o que precisamos de fazer é garantir que as instituições da democracia, do Estado de Direito, são fortes durante este período. Porque acho que Lula vai ganhar. Não vejo nenhuma raiz democrática para um segundo mandato de Bolsonaro, apesar de ser assustador que tantas pessoas o apoiem.
No livro fala de como os fascismos estão a ganhar força à volta dos populistas de direita. Que estão à espera de algo...
Há 20 anos, quando vimos a ascensão do populismo de direita, a Ciência Política construiu estas categorias: conservadorismo de direita, populismo e fascismo. E a teoria implícita era a de que o populismo de direita iria atuar como uma proteção contra o fascismo. Que não importava quão mau era.. Brexit, Trump, Marine Le Pen, pelo menos não eram pogrom. Mas o que aconteceu agora é que a mentalidade pogromista, a mentalidade genocida do fascismo está a influenciar a direita de uma forma que confunde as categorias. O fascismo moderno é essencialmente construído em torno do mito da teoria da Grande Substituição. Sociedades católicas caucasianas estão a ser substituídas através do "genocídio". "A migração é genocídio" é o resumo em três palavras do fascismo moderno. E isso não é o mesmo que dizer, eu não gosto do hijab ou do cheiro de comida indiana. É dizer: nós temos que os matar. E esta é uma mensagem tão horrível que a maioria das pessoas decentes não quer pensar nisso. Mas enquanto a estão a ignorar, os filhos estão nos quartos a ouvir isto repetido em canais de jogos, através de memes, através do TikTok. Ao voltar a ler o trabalho do Karl Mannheim, o sociólogo alemão, ele não escreveu na altura sobre como era terrível que os nazis estivessem a ser alimentados pelo desemprego elevado. Escreveu sobre quão loucas são as mentes das pessoas, que utópicos são os seus pensamentos, quão em pânico estão sobre o mundo em que vivem. E são observações perspicazes como estas que nos permitem dizer que aquilo que estamos a ver agora é muito parecido com aquele momento fascista. Em alguns países.
Diz que os fascistas estão a preparar-se para algo, para um grande evento que irá acontecer...
O grande evento é a guerra civil étnica global. É isso que estão a preparar. Acho que há cinco partes na ideologia fascista moderna. A primeira é a teoria da Grande Substituição, a teoria do genocídio branco, que nos diz que estamos em risco. A segunda é quem está a ajudar os invasores? Os advogados de Direitos Humanos, as feministas. As feministas são o inimigo. Terceira: quem os apoia? Os marxistas culturais. Direitos Humanos, liberalismo, feminismo são formas de marxismo. Isto é uma forma clássica de pensamento nazi. Quarto ponto. O que fazemos sobre isso? Preparamo-nos através de atos simbólicos de violência, que magoam as pessoas, mas não são genocídio. Por último, o que se prepara é a guerra civil étnica global. E há tempo para esperar, porque isto vai ser criado pelas alterações climáticas. Não tens que correr para as ruas e tentar conquistar o poder amanhã. Estás à espera das pressões de uma crise climática caótica, combinada com o colapso da democracia e talvez a guerra, como vemos na Rússia, para dar a oportunidade para levar a cabo a tua fantasia secreta. E isto está em toda a Internet. A fantasia é matar aqueles que não se enquadram.
Defende que é preciso uma nova aliança da esquerda e do centro para travar o fascismo. Mas qual é o papel da direita tradicional?
Eu sou marxista e vou aliar-me a qualquer conservador que queira suprimir o discurso genocida na Internet. O problema é que os conservadores, nos últimos 20 anos, não fizeram mais nada a não ser flirtar com as ideias da extrema-direita e fascistas. O conservadorismo moderno foi esvaziado. Só representa a administração de uma economia de mercado livre, mais nacionalismo, mais um pouco de militarismo, mas isso não nos leva a ultrapassar esta crise. Tenho medo que uma geração de pessoas esteja a ser educada nas nossas universidades a pensar que conservadorismo é um flirt permanente com o fascismo. Preocupo-me porque não há lastro filosófico para os conservadores modernos. Isso significa provavelmente que é o centro e a esquerda que precisam de derrotar o fascismo. E estou muito aberto, de uma forma que muitas pessoas de esquerda não estão, a várias formas disso. Aqui em Portugal, têm o governo Costa, que já não precisa do apoio da extrema-esquerda. A extrema-esquerda está fatalmente dividida sobre a Ucrânia. Para mim, enquanto apoiante da Ucrânia, acho que a História vai rapidamente consignar partidos como a CDU para um isolamento total. Estou mais otimista com o Bloco, mas eles são pequenos. O que aconteceu foi que Costa criou uma hegemonia de centro-esquerda. Mas enquanto a ameaça do Chega ainda existir, então acho que isso é algo que eu apoiaria. Eu reprimiria a minha crítica a Costa porque ele não é o pior líder social-democrata da Europa.
O Chega é o terceiro maior partido no Parlamento em Portugal. Como é que podemos interagir com eles, não querendo que recorram a um discurso de vitimização que possa empurrar os seus seguidores a radicalizarem-se ainda mais?
Acho que é importante dizer, abertamente, como Costa tem feito, que precisamos de os manter de fora, esse é o nosso objetivo. O problema com partidos populistas de direita, com uma orientação fascista, é que apesar de a atividade central do fascismo moderno ser preparar para a guerra civil étnica global, tem que haver resultados. Se tivermos um jovem numa pequena cidade britânica que está a ouvir e a ler constantemente sobre como estamos a entrar numa guerra civil, que está a chegar contra os muçulmanos e os migrantes. É muito excitante nas primeiras semanas em que estás a ler isto, mas uns meses depois estás a pensar: "então, o que está a acontecer, não devíamos estar a fazer algo? Para onde vai esta situação?" É por isso que temos as teorias da conspiração a mudar constantemente. Elas são o que mantém o fascismo vivo quando nada está a acontecer. Uma das melhores defesas é adaptarmo-nos e uma das melhores formas é fortalecer as instituições de democracia. Isto vai chatear os fascistas ainda mais, porque significa renovar as leis contra financiamento estrangeiro na política, suprimir a incitação à violência, os sites de internet, canais, plataformas que agora estão a permitir essa incitação. Outra coisa importante é a luta por um ethos antifascista. Gostaria que os políticos promovessem abertamente esse ethos. A terceira parte do livro, o último capítulo, começa com um registo da escrita do filme Casablanca, porque este é a expressão final do ethos antifascista. Alguém em Hollywood tinha que dizer: queremos um filme em que um homem que lutou contra o fascismo e perdeu, decida lutar contra o fascismo outra vez, apesar de saber que está a lutar com uma série de aliados que são idiotas. Essa narrativa é a que eu gostaria de trazer ao centro e à esquerda, até à direita conservadora. E uma vez que essa narrativa existir, os verdadeiros fascistas sabem contra o que estão a lutar. O que eles acham agora é que estão a lutar contra uma sociedade que não acredita em si própria, e essa é a fonte da sua força.
Paul Mason
Objetiva
Preço: 21,95 euros
386 páginas
susana.f.salvador@dn.pt