Os Bateu Matou dão-nos baile
Num estúdio em Marvila dois dos três elementos dos Bateu Matou [o terceiro juntou-se no decorrer da conversa] explicam ao DN como é que, afinal, um projeto com três baterias, tocadas por três músicos com experiências distintas fazem bailar em uníssono quem os ouve. "Vimos de três mundos diferentes, mas com o tempo percebemos que são complementares. E no meio da diversidade conseguimos encontrar um conceito que é nosso e uno", disse Ivo Costa, um terço dos Bateu Matou que fez parte do projeto Batida e tocou com Sara Tavares e Carminho.
Outro terço da banda, Quim Albergaria, acrescenta: "para o mesmo desafio há três soluções diferentes que se complementam e na sua mescla criam um som e a experiência Bateu Matou", ele que passou por projetos como os Vicious Five e agora, em paralelo, tem a banda Paus.
Mas afinal o que é o projeto Bateu Matou? "A resposta mais simples é que somos uma banda de baile. Sabemos que essa resposta tem várias reações, mas o baile no seu essencial é quando as pessoas com todas as suas diferenças se juntam para ter um momento de igualdade juntos pela música para dançar. E, claro, é a nossa versão desse baile. É uma atualização 2022 a um Portugal que cada vez mais se assume e celebra o facto de ter muitas culturas, ou uma cultura híbrida por essência. É pop? É! É afro? É! Tem ideias de portugalidade na sua complexidade? Sim! Tem isso tudo ao mesmo tempo, e essa multiplicidade e o efeito no palco e na pista isso sente-se nas pessoas", sublinha Quim Albergaria.
Os Bateu Matou como banda começaram como uma experiência: e se três bateristas fizessem o mesmo que um DJ? "Criámos um conceito híbrido entre um concerto e um DJ set, em que as músicas se tocam umas nas outras num momento para dançar", acrescenta Quim.
O conceito partiu dessa experimentação testada todos os meses na qual os três bateristas dos Bateu Matou tocaram ora sons afro, ora hip hop, ora mais brasileiros.
"Não foi o público ou uma noite de culto que nos fez avançar para a criação dos Bateu Matou, mas sim a habilidade de percebermos que os três conseguíamos fazer música de dança e canções. E aí começaram a sair músicas com caráter pop, com refrão, e aproveitamos o primeiro confinamento para fazer o disco, o Chegou", explica.
Os Bateu Matou são três baterias sem a lógica e alinhamento clássico de banda. Nem vocalista. Por isso começaram a convidar pessoas que gostam para fazer as músicas. Nomes como Blaya (no tema Cliché), Pité (em Bandido), Irma (Subi Subi) fazem parte das 10 músicas que compõem Chegou (2021). "As músicas parece que iam pedindo as vozes dessas pessoas que nos são próximas", sublinha Ivo Costa.
E a pergunta, para quem ouve música "na ótica do utilizador", é saber como se dá a volta a tantas vozes diferentes e tantos convidados de um disco em concerto? A explicação é menos complexa do que o esperado. "É uma das nossas principais preocupações, fizemos uma combinação de duas soluções, ou vem toda a gente para um concerto ou não vem ninguém, e para tal montamos uma ideia Bateu Matou ao vivo, em que o Pité e a Raissa funcionam como mestres de cerimónias, e em conjunto, os 5, garantimos o espetáculo", explica Albergaria.
É nesta altura que chega ao estúdio e se junta à conversa o terceiro elemento, Riot, um dos músicos fundadores dos Buraka Som Sistema. Talvez por isso mesmo exista uma espécie de linha de continuidade do som criado há uns anos pelos Buraka Som Sistema. "Temos connosco um dos criadores e promotores desse som [Riot], é um elogio, é natural esse lugar comum", avança Ivo Costa.
"Tendo feito parte de Buraka é natural que exista essa ideia. Lisboa descobriu há uma década o som que já cá andava há muitos mais anos", complementa o recém-chegado à conversa, Riot. "Claro que há muita coisa que foi criada depois dos Buraka, e nós Bateu Matou somos apenas mais uma e que por acaso tem um elemento dos Buraka na sua formação", sublinha.
A continuidade dessa identidade multicultural e musical, potenciado com os Buraka Som Sistema é hoje denominada, sobretudo fora do país, de som de Lisboa, mas Riot chama-lhe outra coisa. "Ainda estou para conhecer o músico que fique feliz com o nome que dão ao seu estilo, na era do grunge ninguém gostava de ser chamado de grunge. Não sei se é música de Lisboa, talvez se diga isto porque há mais africanos à volta de Lisboa do que do Porto, mas talvez se devesse chamar som de Portugal. Há artistas muito interessantes no Porto a fazer sons de origem que podiam ter sido feitos em Angola, Cabo Verde ou na Arrentela, acho que podemos admitir que é um som português. Mas já vivo bem com as denominações que dão. Acho que o público em geral já percebe que é uma coisa portuguesa".
"É um processo geracional que se completa. A geração que ouvia nas festas de liceu Nirvana, e depois Hélder, Rei do Kuduro e terminavam com Kizomba, hoje tem filhos que aculturou a ouvirem tudo ao mesmo tempo. E o som que hoje se ouve tem isso tudo ao mesmo tempo. Nos anos 1990 as tribos estavam divididas, mas sempre foi mentira, porque havia o gótico que sabia dançar Kizomba (risos)", lembra Quim Albergaria. E acrescenta: "A Internet veio desbloquear o poder de decisão editorial e curatorial da pertença dos sons. Já não são os diretores de programação das rádios, os jornalistas ou os editores de jornais a decidirem quais são os sons, agora é mais orgânico são as pessoas que decidem. E nos próximos dez anos creio que vamos ver um maior cristalizar do que é o som daqui. Um processo que França faz há 40 anos e que o Reino Unido faz há 60. O mais interessante é que estamos a ver a subcultura a fazer cancioneiro para toda a gente".
E agora que o verão vai começar os Bateu Matou vão dar baile a todos. Desde os festivais Sol da Caparica (11 a 15 de agosto), ao festival Bons Sons em Cem Soldos, perto de Tomar (12 a 15 de agosto). Já hoje, sexta-feira, às 18h30, os Bateu Matou, em conjunto com Irma e HMB vão dar o Silent Concert, uma experiência sensorial para pessoas surdas, através de uma tecnologia de vibração - e que pode ser seguido na página de Facebook da banda.
E por fim, a pergunta que podia estar no início deste artigo, porquê este nome da banda? "Foi numa conversa que estávamos a ter via WhatsApp. O nome tinha que soar a noite e à música de percussão e ao lado hedonista para dançar. Bater e matar são auto-expressões de ritmo e dança, como "está a bater bué e vamos matar o beat", por exemplo. E é um nome que por si dá azo a um início de uma conversa", conclui Quim Albergaria.