Os bancos, as empresas e os delírios perigosos

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Os bancos, como gestores das poupanças que lhes são confiadas, estão naquela fronteira escorregadia em que escolhem a quem se empresta dinheiro e quanto, sendo por isso muito grande a tentação de alguns políticos se servirem deles para poderem manipular a realidade a seu bel-prazer.

Por isso, a primeira década após a entrada de Portugal no euro conduziu infelizmente a um fenómeno muito específico do nosso país, de aumento exponencial da "promiscuidade irresponsável" entre uma parte importante do poder político e do poder de quem controla os bancos.

Nessa década, em que alguns responsáveis portugueses, a começar pelo então governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, consideraram erradamente que Portugal deixava de ter restrições ditadas pela balança de pagamentos com o exterior, os grandes beneficiados foram os "setores protegidos" da economia, ou seja, aqueles que estão protegidos da concorrência direta dos mercados globais.

E os grandes prejudicados foram desde logo as empresas dos bens diretamente transacionáveis, ou seja, as sujeitas à feroz concorrência internacional. Só que depois de Portugal ter sido conduzido à pré-bancarrota, em maio de 2011, os outros prejudicados foram os próprios bancos - e em especial os respetivos acionistas .

E porquê?

Porque numa economia com poucos capitais, como a portuguesa, emprestar a empresas muito endividadas é um risco que, se estas empresas se tornarem insolventes, acaba depois por cair em cima dos próprios bancos através das famosas imparidades.

Assim, a única forma saudável para assegurar a estabilidade do setor bancário a médio e a longo prazo é fomentar a capitalização das próprias empresas de bens transacionáveis a quem os bancos emprestam dinheiro. Mas parece estar agora a ressurgir em Portugal um novo "delírio perigoso" em que alguns responsáveis parecem estar a propor a "recapitalização dos bancos" para que eles possam de novo fomentar o crédito ao consumo dos particulares e o financiamento a empresas descapitalizadas.

Esse seria o caminho de re-gresso à pré-bancarrota de maio de 2011!

E como é possível, depois dum tal desastre que nos levou a um duro programa de ajustamento durante mais de três anos, haver de novo esta tentação?

Porque, numa primeira fase, fomentar o consumismo parece só ter vantagens: os cidadãos consomem mais, as empresas faturam mais e o Estado arrecada mais impostos e controla melhor o défice. O desastre vem mais tarde...

Ora só com empresas dinâmicas e dispondo de rácios de capitais próprios adequados é que Portugal poderá sobreviver no euro e competir nos mercados globais. E aqui o atual governo assumiu já alguns benefícios fiscais aos aumentos de capital mas lamentavelmente recusou a descida das taxas de IRC que anteriormente o próprio PS tinha aprovado.

E os bancos, pelo seu lado, terão de utilizar uma sábia mistura de exigência e colaboração com as empresas, para assegurar a sua própria rentabilidade e atrair por sua vez as poupanças que, num círculo virtuoso, irão depois fertilizar toda a economia.

Só que isso exige tempo, competência e muito esforço!

Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico

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