Os anjos podem não ter sexo, mas para a Igreja só há dois géneros na humanidade
Masculino e Feminino: Ele Criou-os. É este o nome do guia de 31 páginas que o Vaticano lançou nesta segunda-feira e que está a provocar a contestação de grupos LGBT um pouco por todo o mundo.
O documento foi criado pela Congregação para a Educação Católica e vai ser utilizado como cartilha doutrinária para os que trabalham no ensino dos jovens crentes, nomeadamente os catequistas.
Entre outras coisas, diz que o debate moderno sobre a identidade de género "aniquila o conceito de Natureza e desestabiliza a instituição da família."
As reações não se fizeram esperar. A New Ways Ministry, uma associação de defesa dos católicos LGBT nos Estados Unidos, diz que este documento é uma ferramenta prejudicial, que ofende não só a comunidade transgénero como também as pessoas lésbicas, gays e bissexuais.
Marta Ramos, diretora executiva da ILGA Portugal, diz que este documento só mostra que o Vaticano continua a ser o Vaticano. "Mesmo que tenhamos sinais de abertura do atual Papa, ele não fala pela Igreja. Este documento perpetua a discriminação, a opressão e a desinformação científica."
A representante da organização portuguesa lembra o timing desta publicação: "Repare que isto acontece duas semanas depois de a Organização Mundial da Saúde deixar de considerar a transexualidade uma doença do foro psiquiátrico."
Para Dani Bento, coordenadora do GRIT - Grupo de Reflexão e Intervenção Trans, este anúncio é quase provocador. "A Igreja tem muito poder. Trazer um documento destes ao mundo no preciso momento em que a comunidade LGBT prepara o seu momento anual de luta por direitos, em que por todo o mundo se organizam marchas de orgulho, não é apenas lamentável, é perigoso."
Para esta ativista, ela própria em transição, "o discurso do Vaticano é uma promoção da transfobia e da violência sobre as pessoas trans".
O documento não está assinado pelo Papa Francisco - mas até começa por apelar ao diálogo. Só que depois é particularmente crítico do debate moderno sobre o género ser mais complexo do que a clássica divisão binária entre sexos.
"As teorias em voga desviam-se da natureza e movem-se em direção à opção absoluta da decisão dos sentimentos do sujeito humano", justifica o manual. "As instituições devem ensinar a verdadeira natureza dos sujeitos humanos, com base na antropologia clara e convincente."
Ainda assim, o documento diz que as crianças devem respeitar o próximo, de modo que ninguém sofra bullying ou outra forma de discriminação.
Portugal prevê o direito à autodeterminação da identidade de género desde julho de 2018. O diploma foi provado à segunda tentativa, após um primeiro veto presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa.
O Parlamento retificou a proposta que previa a mudança de sexo dos 16 para os 18 anos, mediante a obrigatoriedade de apresentação de um relatório de um médico ou um psicólogo que ateste a decisão.