Organização do desporto em Portugal (1): análise geral
Os modelos organizativos do desporto são uma área de interesse que perpassa pelas preocupações de todos os que se interessam pela eficácia das políticas públicas, nomeadamente o papel do estado e das organizações desportivas (OD"s): centrais (federações); territoriais (associações) e locais (clubes), e o seu papel no rendimento desportivo e à prática num modelo devidamente estruturado.
A falta da regulação sistémica origina dificuldades ao funcionamento do próprio sistema desportivo, além dos problemas de financiamento, quer pelo desajuste do próprio modelo quer, ainda, pela desregulação que gera no próprio setor: isto é, podem duas ou mais OD"s estar a receber financiamento para idênticas funções delegadas sem critério que as descrimine?
Há que aumentar a capacidade de dar resposta às necessidades nacionais e competir à escala internacional, valorizando a função institucional, de coesão territorial, e o esforço de integração de instituições num programa plurianual de estratégia organizativa. Estes devem ser os termos em que se deve pensar o desenvolvimento desportivo: deixar de haver um centro único e tudo passar a funcionar em rede e de forma sistemática.
Estudos comparativos entre potências desportivas internacionais, com a intenção de encontrar pontos comuns na estrutura organizacional que explicassem o sucesso desportivo internacional, deram origem a um modelo teórico para o sucesso internacional denominado por SPLISS - Sports Policies Leading to International Sport Success, com descritores em nove pilares:
Pilar 1: Suporte Financeiro;
Pilar 2: Organização e estrutura de políticas para o desporto;
Pilar 3: Participação e desporto de base;
Pilar 4: Identificação de talentos e sistema de desenvolvimento;
Pilar 5: Suporte para atletas e pós-carreira;
Pilar 6: Instalações desportivas;
Pilar 7: Desenvolvimento e suporte para técnicos;
Pilar 8: Competições Nacionais e Internacionais;
Pilar 9: Investigação Científica.
O pilar 1 é a entrada do modelo e os outros oito pilares fazem parte do processo. O sucesso desportivo internacional, saída do modelo, é traduzido por resultados nos Jogos Olímpicos de Verão, Jogos Olímpicos de Inverno e Campeonatos Mundiais.
A análise é p(o)assível de ser feita com base nos fatores críticos do pilar 2, "organização e políticas para o desporto", com base em quatro indicadores: coordenação entre todas as organizações desportivas, sem sobreposição das diferentes competências e tarefas (1); simplicidade na administração (2); distribuição de recursos com base em indicadores de desempenho institucionais (3); comunicação eficaz entre os diferentes níveis das OD"s (4).
Indicador 1: Coordenação entre todas as organizações desportivas, sem sobreposição das diferentes competências e tarefas.
Em Portugal, como no velho continente, o sistema desportivo organiza-se na dependência do estado central (ministério e/ou secretaria de estado) em ligação com as OD"s com utilidade pública desportiva (UPD), comités olímpicos/paralímpicos; confederações/fundação do desporto, federações desportivas, com uma cobertura territorial continental e insular via associações territoriais (regionais ou distritais) e os clubes, células básicas e fundamental do desenvolvimento desportivo.
A proliferação de organizações fe(a)z com que se assista na atualidade a uma dispersão de organismos reguladores da atividade desportiva e a quase total falta de coordenação entre os poderes centrais, autárquicos e delegados (OD"s), com efeitos devastadores na capacidade de se convergir num processo de pensamento e ação estratégicos de desenvolvimento integrado e complementar.
Este problema é potenciado porque, para além desta dispersão, não existe um real conhecimento das funções e atribuições das OD"s, especialmente as delegadas e financiadas pelo estado, o que obstaculiza o aproveitamento de uma política real de partilha de recursos a implementar, numa estratégia integrada de intervenção.
Registadas no IPDJ, só para efeitos de financiamento, para além da estrutura governamental de suporte à regulação nacional do desporto (secretaria de estado da juventude e desporto, SEJD, e instituto Português do desporto e juventude, IPDJ, existem 73 organizações desportivas com competências delegadas (2 comités; 3 confederações, 65 Federações desportivas com UPD e 3 fundações).
Numa simples comparação, verificamos que no comité olímpico nacional Italiano, CONI, entidade máxima do desporto em Itália, são só reconhecidas 45 federações desportivas nacionais e 16 disciplinas desportivas, com um orçamento de 440.000.000 euros por ano, financiado pelo governo italiano (9 vezes mais o orçamento do desporto nacional).
Indicador 2: simplicidade de administração
Num país com elevado peso do setor público, em que existe um elevado desperdício de recursos, o crescimento económico será mais baixo que noutro onde apesar do elevado peso os recursos no setor público são usados eficientemente. A questão da eficiência e eficácia do setor público, tanto na vertente da despesa como da receita é da maior importância, em termos da análise da afetação de recursos e do crescimento económico.
Portugal tem uma produtividade do trabalho que é cerca de 70% da média da OCDE, na 26.ª posição, com uma diferença de 33% em relação à média da UE-28, que corresponde à 17.ª posição.
Se comparamos Portugal com a Bélgica, Holanda e Irlanda, Portugal tem uma diferença de 45% em relação aos três melhores da UE. É este o valor que se pode considerar em relação à fronteira de produtividade mundial.
Ora o sistema desportivo não foge à regra, sendo um dos sistemas afetados pela complexidade burocrática dos processos de programação, atividade e controlo na sua relação com a administração pública desportiva, que se traduz na inexistência:
1. De mecanismos de financiamento e controlo de resultados plurianuais devidamente avaliados, monitorados e valorizados;
2. De processos simplificados de candidatura ao financiamento, especialmente nas OD"s dotadas de UPD;
3. De um modelo de financiamento mais justo, equitativo e centrado na procura, em vez do atual baseado, unicamente, na oferta e no histórico institucional. Esta simples alteração obrigaria a definir áreas estratégicas por OD, setor de atividade e região, no País.
Indicador 3: Distribuição de recursos com base em indicadores de desempenho institucionais
As políticas públicas devem atender à necessidade de reestruturação das redes e a adoção de critérios de avaliação que possam ter efeitos positivos na melhoria dos indicadores que servem de referências de análise e financiamento, devendo incluir os que comprovadamente possam ter impacto no sistema (número de filiados, implantação territorial; taxa de participação feminina; inclusão; indicadores de internacionalização, indicadores de resultado, etc.).
O que se torna difícil de compaginar quando pela análise dos indicadores de financiamento dos contratos programa publicamente divulgados pela tutela verificamos que o estado, via IPDJ, financia além das federações desportivas, confederações/fundações e comités (olímpico e paralímpico) num total de cerca de 73 organizações, cerca de outras 560 instituições! Entre clubes e associações (455) instituições de ensino superior e sistema científico e tecnológico nacional (12); Municípios (3), num valor aproximado de 3.3 Milhões de euros (dados de 2018).
Torna-se por isso difícil, senão impossível, articular uma política coerente de distribuição de recursos para um projeto estruturante devidamente ancorado em OD"s reguladoras do quadro de competências delegadas pelo estado.
Indicador 4: Comunicação eficaz entre os diferentes níveis das OD"s
Um dos indicadores mais valorizados pela Managing Olympic Sport Organizations (MOSO), produzida pela Solidariedade Olímpica em cooperação com o MEMOS (Master Executif en Management des Organisations Sportives), é o nível de suporte que as OD"s prestam umas às outras em diferentes áreas de expertise e conhecimento (gestão e organização, nutrição, critérios de seleção, "doping", treino, planos de competição, planos de viagens e pesquisas científicas, etc.).
Não obstante do esforço feito pela tutela, com a implementação do programa "Promentor" cofinanciado pelo IPDJ e apoiado pela Delloite e U. Católica, com um "olhar" externo sobre as OD"s e a tentativa de estabelecer pontos de partilha e contacto entre as federações com UPD, a não participação alargada de todas e os diferentes ritmos de crescimento, desenvolvimento e de organização institucionais, condicionou de sobremaneira esta iniciativa.
Existe ainda um desconhecimento institucional aprofundado entre as diferentes OD"s em Portugal que possibilite uma eficaz e necessária interação face ao diagnóstico de posicionamento institucional, com possibilidade de existirem projetos partilhados, potenciando o relacionamento devido para a construção de uma massa crítica eficaz.
Em suma e numa análise global, o modelo organizativo do desporto nacional, não tendo uma estrutura complexa, possui uma complexificação desnecessária que decorre quer da natureza quer das competências, ou falta delas, destas organizações, das pessoas que as lideram ou, ainda, dos recursos humanos que possuem.
No entanto, toda e qualquer (re)definição do modelo de organização desportiva e respetivos papeis das OD"s, nomeadamente a questão dos monopólios das entidades reguladoras e poderes delegados, com respetivo financiamento, deve passar por uma clarificação prévia da sua necessidade (1) face ao seu quadro de competências (2), devidamente repensada apos uma comparação por análise de similitude internacional (benchmarking) de outros modelos, não na perspetiva de simples elaborações teóricas e abstratas sobre o sistema desportivo e/ou a mera transposição hipotética de modelos estrangeiros, mas sim de análises que possam conduzir a sugestões de implementação de melhorias.
A análise de todo o sistema deve ser por isso uma prioridade com vista a implementação de quaisquer medidas corretivas, com vista a aumentar a qualidade do modelo organizativo do desporto em Portugal.
Neste, algumas questões óbvias deviam ser respondidas:
1. Qual a missão e competências delegadas da administração pública desportiva (secretaria de estado da juventude e desporto e instituto português do Desporto e juventude) e qual a estrutura e modelo de financiamento existente para o desporto nacional?
2. Quais são as missões e competências de cada uma das OD"s com UPD e com financiamento, existentes em Portugal, assim como a fundamentação da missão em face da sua utilidade pública (que pode ou não garantir a sua continuidade), com especial relevo das OD"s cúpula: Comité Olímpico e Paralímpico de Portugal; Confederação do Desporto e Fundação do Desporto de Portugal; Federações Desportivas com UPD; outras organizações desportivas.
3. Que recursos dispõem estas OD"s para o desenvolvimento da sua atividade (humanos; materiais; organizativos) e qual o financiamento público que dispõem para desempenhar a sua missão institucional?
4. Que resultados têm, atuais e históricos, em face da sua missão institucional e financiamento disponível?
Seria um importante primeiro passo para estudar uma hipotética reorganização que poderia beneficiar todo o sistema desportivo, afirmando definitivamente e envolvendo a administração pública para o desporto na produção de instrumentos que agilizem o cumprimento dos desígnios de intervenção social das OD"s financiadas pelo próprio estado, junto da população.
Prof. Catedrático Departamento Ciências Desporto, Exercício e Saúde da UTAD; Membro do Conselho Nacional Educação (CNE); Membro do Conselho Nacional do Desporto (CND); Presidente da Federação Portuguesa de Natação.