Os pomares do Douro eram outrora quintais murados e não poucas vezes vigiados por guardas armados. Laranjas, figos, peras e diversos outros frutos eram trancados a sete chaves, bem mais que as vinhas e as oliveiras, que supostamente seriam bem mais nucleares na economia local. A resposta está na raridade, secundada pela qualidade. O fenómeno que vemos grassar hoje com a euforia do tomate coração de boi do Douro, comunica-se a praticamente todos os hortofrutícolas que a mais simples horta é capaz de gerar. O tempo tenebroso da filoxera levou ao inevitável abandono e morte da vinha, deixando o que chamamos mortórios, nos quais mais tarde se veio a plantar oliveiras. Aguentam bem o stress hídrico mais rigoroso - e o do Douro é-o bem - e as suas azeitonas geravam o ouro líquido de forte mantença que desde sempre apreciamos..O azeite é uma gordura muito especial para cozinhar e temperar, porquanto traz consigo muito sabor e ao mesmo tempo suporta temperaturas elevadas sem perder as características mais importantes. Para além dos mortórios, mais tarde, há cerca de um século, começou a instalar-se a oliveira nas bordaduras das vinhas, aproximando ainda mais as espécies entre si, criando solidez na fixação das famílias. A tradição culinária recebe influências tanto beirãs quanto transmontanas, mas não tarda o Douro irá afirmar-se pelas suas criações, receitas e preparações muito próprias, estamos a um par de décadas de assistir a essa inevitável manifestação. As cotas mais baixas, a menos de 300 metros albergam na grande ilha de xisto que é o Douro vinhateiro as uvas mais concentradas e ricas, por tradição encaminhadas para o vinho do Porto, mas nas cotas acima de 500 metros, onde as noites puxam vento e amansam a canícula, as cepas mais antigas - muitas de variedades brancas - e as oliveiras centenárias recuperam o fôlego e entram na celebração secreta e silenciosa que vai criando o ouro que dá nome ao rio. Mais tarde ou mais cedo, a sageza de Francisco Pavão iria levar ao aprofundamento do notável património oleícola dos velhos olivais durienses e chamar talentos como o de Paulo Coutinho para a produção de azeite..A relação profissional única que a família Mansilha Branco, proprietária da Quinta do Portal, em Celeirós do Douro, quase em Favaios tem com o seu diretor técnico e enólogo é invulgar pela liberdade de movimentos que Paulo Coutinho tem. Conhece e calcorreia vinhas, caminhos e olival tantas vezes que sabe de cor as pequenas nuances e os perfis de tudo que por ali medra, ao fim e ao cabo são já 27 anos de trabalho contínuo e aturado, pautados por confiança inabalável. Há cerca de cinco anos, quando começou a sequência que deu origem aos azeites premium em que hoje nos detemos, a decisão de avançar foi inteiramente natural, e os resultados não se fizeram esperar. A certificação biológica, que Paulo Coutinho considera muito importante por corresponder em exigência ao mesmo padrão das vinhas, já está iniciada, e não vai parar, O olival da Quinta do Portal na Quinta dos Muros e o olival dos Sumagrais do próprio Paulo Coutinho são um sucesso a todos os níveis e indicam que muito se pode ainda esperar..O Quinta do Portal Virgem Extra Premium (15 euros, 500 mL) é produzido a partir de azeitonas das variedades Madural (40%), Cordovil (30%), Verdeal (20%) e Cobrançosa (10%) e tem o perfil picante e ligeiramente amargo que o Douro tem mostrado de forma geral. Revela ainda tonalidades herbáceas de vagem cortada e folha verde de oliveira, que juntamente com sugestões de banana tornam o azeite particularmente saboroso..O Paulo Coutinho Olival dos Sumagrais (23,50 euros, 500 mL) segue linhas muito semelhantes, sendo mais salientes talvez as impressões de amêndoa e nozes, o que funciona particularmente bem com o grupo de amargos mais intenso que o azeite mostra. Cobrançosa e Verdeal estão bem presentes, e o final de boca picante abre portas ao exotismo à mesa. Excelente para temperar saladas e frutos, é também bom amigo dos pratos de cozedura lenta da grande tradição transmontana.