Olivier Rolin: "Em jovem era adepto da violência política"
Olivier Rolin não está à espera de que se faça uma pergunta "cor-de-rosa", a de como é o que recorda a sua relação com Jane Birkin, mas não demora tanto tempo a responder como quando se questiona qual a palavra portuguesa de que mais gosta. Resposta: "Desassossego." Razão? "Não existe em francês e têm uma sonoridade de que gosto", explica, mesmo que faça questão de garantir que não se deve ao sentimento de melancolia.
Quanto à cantora e atriz Jane Birkin, com quem viveu algum tempo, Olivier Rolin avança pouco na intimidade. Talvez porque consagra duas páginas ao encontro de ambos no livro que está a escrever: "Não fomos casados, vivemos juntos. Há duas páginas no livro que estou a escrever onde falo do nosso encontro, porque foi inesperado. Ela dizia-me que nos tínhamos conhecido num tanque! Realmente, foi no veículo blindado do Exército em que viajávamos para Sarajevo. Foram circunstâncias diferentes e foi uma boa experiência. Não estamos mais juntos mas continuamos amigos."
Jane Birkin, diga-se, definiu Olivier Rolin como "Un garçon formidable". É mesmo essa a imagem que o escritor passa após estar a viver em Cascais há sete semanas, na primeira residência literária que a vila decidiu organizar para autores estrangeiros através da Fundação D. Luís I - já há mais quatro escritores na lista. A combinação era uma estada na Pousada da Cidadela por dois meses para escrever, tempo que o "garçon formidable" aproveitou a sério: "Já escrevi 110 páginas, o mesmo número que já trazia escrito."
De que consta este novo livro? "Resulta de um trabalho a partir de 60 cadernos de anotações que escrevo há mais de 30 anos. É uma espécie de mosaico de recordações vividas sempre no estrangeiro - jamais em França -, em países como o Chile, a China, a Rússia ou o Canadá. São histórias que tanto podem ocupar uma ou duas páginas como meia, mas estão sempre ligadas entre si. Essa é a grande dificuldade, achar o ponto de encontro entre todas estas histórias", explica. As mais antigas remontam a 35 anos: "Tinha tudo registado, felizmente, pois se tivesse de recordar como aconteceram exatamente seria impossível", acrescenta, confessando que a sua intenção é "fazer um retrato muito subjetivo do mundo, das pessoas que conheci, do que vi e dos escritores que conheci e, ao mesmo tempo, um breve autorretrato". Não deixa de afirmar: "Não são memórias, definitivamente."
Quanto à experiência da residência literária em Cascais, Olivier Rolin não deixa de acrescentar, apesar de fazer questão de dizer que não está a ser simpático, que "tem sido muito bom porque o lugar é magnífico e, como gosto de ver o mar, não há melhor para escrever". Até refere o rei D. Carlos para recordar que onde vive, na Bretanha, também tem um veleiro, de quase 11 metros, cujos passeios lhe fazem lembrar este litoral e os navios que deixam Lisboa. Faz questão de deixar registado que as "pessoas são muito amáveis, até diria amigos", e, como tem vindo muitas vezes a Portugal, conhece bem o país. Tem, no entanto, uma revelação: "Comecei a aprender a falar português e faço uns progressos." DIz estas palavras em português, e dirá muitas outras durante a conversa em francês. Nota-se que o inglês está proibido.
O livro que está a escrever confirma que o mundo mudou muito ou as suas anotações com décadas não demonstram essa realidade?
É verdade que mudou bastante e muitas das memórias que tenho são de um tempo da União Soviética, das ditaduras militares na América do Sul... Há coisas mais recentes, claro, tanto assim que creio que se poderá observar como o mundo mudou durante uma vida através deste livro.
Tem anotações sobre os grandes "heróis" políticos do século XX, como Fidel, Guevara...
Não, porque só trabalhei com os temas que vivi, portanto das personagens históricas o único é o comandante Massoud, o chefe da guerra no Afeganistão contra os russos, que conheci. Mas não faltam reflexões sobre os acontecimentos políticos desta época.
Não estranha que todos eles sejam vistos hoje de uma forma tão diferente do que eram naquele tempo?
Isso não me preocupa porque, por exemplo, também vejo Mao Tsé-tung de forma muito diferente. O que me surpreende mais são os pormenores que confirmam que o mundo mudou. Como o facto de poder então fumar num avião ou num hospital, coisas destas.
Comemoram-se neste ano 50 anos sobre o Maio 68 e a França está envolta numa grande confusão. O que acontece é uma reedição do Maio 68?
Não tem nada de comparável! Este é um movimento com que discordo e, se quando era jovem era adepto da violência política, hoje sou contra - creio que é nefasto para a democracia. Não gosto de gente que destrói carros e critico o que está a acontecer com os movimentos sociais em França, que tentam dar ares de que estão a fazer uma revolução! Maio 68 era um movimento enorme, com milhões de pessoas, que queria uma certa liberdade e mudar o mundo do pós-guerra.
É uma mistificação?
Sim, bem ao jeito francês, a que se acrescenta a força demencial das redes sociais que tornam certas questões virais e juntam milhares de pessoas.
Mas defendia a violência política...
... Quando era jovem. Creio que atualmente ela não é necessária, além de na Europa ser uma situação condenável porque as consequências destes movimentos resultam em realidades como a italiana, a polaca ou, como poderemos ainda ver, a de Marine Le Pen. Eu sou a favor do atual presidente, Macron, que é jovem, inteligente, culto e faz uma política arriscada mas que pode dar frutos. Isto é bom para Le Pen e para Mélenchon, ou seja, para os extremistas, partidos que não são democráticos e perigosos.
O que sente ao ver os jovens a participarem na violência?
Eu não aprovo, aliás há muitas coisas da minha juventude com que já não concordo. Quando escrevi Tigre de Papel, era uma forma irónica de refletir sobre a minha causa e o que éramos há 50 anos. Não tenho lido os jornais franceses, portanto não estou muito informado, mas não concordo com pessoas de 40 ou 50 anos que reclamam que o nível de vida baixou. Não acredito que isso seja verdade, pelo contrário.
Tigre de Papel provocou debate, o que é raro num livro hoje. Porquê?
Eu quis escrever esse livro porque tinha passado muito tempo sobre o que me lembrava, criavam-se muitos estereótipos e era correto que alguém que tivesse participado nisso escrevesse sobre esses tempos. Quanto ao debate, não era a minha intenção, mas ainda há livros que o provocam, como os do Houellebecq. É certo que é um provocador, mas tem razão no que escreve.
É verdadeira literatura ou apenas provocação?
Creio que é um grande autor e escreve o que pensa, porque ele não aceita a opinião dominante sobre tudo o que respeita ao mundo contemporâneo. Faz bem em escrever aquilo, pois não gosto da ideia de que os autores devam preocupar-se com os problemas da sociedade sua contemporânea; não são jornalistas nem sociólogos. Flaubert não escreveu sobre a revolução, mas Madame Bovary é uma educação sentimental desse tempo. Pode-se escrever o que se deseja: uma história de amor, sobre o século XIV ou o céu, o tema é livre e não necessita de respeitar a atualidade.
Mas quando escreveu O Meteorologista optou por um tema político não tão distante assim?
Foi uma história que me interessou ao nível da emoção e não da intenção. Achei que se desconhecia essa história em França, país que está sempre mais preocupado com as grandes crises do século XX, o nazismo ou o Holocausto, e nunca com o enorme drama que foi a União Soviética e os extermínios. Para as pessoas da minha idade, isso faz parte da nossa história e do século em que nasci, bem como de milhões de habitantes de todo o mundo, porque a esperança na Revolução Russa era grande, daí que tenha querido dar a conhecer um pequeno episódio do que foi a história do comunismo.
É o primeiro escritor a fazer a residência literária em Cascais. Qual é a sensação?
Tenho "inveja" dos que virão a seguir. Espero que tentem aprender o português, como eu fiz.
Porquê aprender a nossa língua?
Portugal é o único país que traduziu todos os meus livros, salvo o primeiro, e sou reconhecido por isso. Não gosto de pessoas que vivem noutro país e só falam a sua língua ou o inglês, portanto para mim é um mínimo de cortesia aprender a língua. E não é difícil, pois já cá vim várias vezes e até era capaz de ler em português.
Tem lido autores portugueses?
Não, apesar de o desejar. Leio jornais sem problemas, mesmo que de vez em quando tenha de consultar o dicionário. Romances é mais difícil. Tentei um do Lobo Antunes, mas é difícil. Até já pensei em ir a uma livraria comprar um livro fácil e tentar ler, creio que essa será a próxima etapa.
Que escritores gostaria de ler em português?
Conheci em tempos autores portugueses da minha geração: Cardoso Pires, Lídia Jorge, Saramago. Talvez o que mais desejava era ler A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge, em português, aliás quando foi traduzido para francês eu escrevi uma crítica sobre o romance. Infelizmente, desconheço os mais jovens.
Estes dias em Portugal alteraram o registo do livro que está a escrever?
Não muito, mas mudou duas coisas. Gosto sempre de referir onde estou e este livro começava por dizer que estava na Bretanha e agora voltei a situá-lo em Cascais, descrevendo a Cidadela, o mar, os navios que vejo passar. Haverá o registo de onde estou. Mas tão importante como isso é que foi aqui que encontrei o título: Peregrinação. Inspirei-me nesse clássico português e, como a palavra existe em francês, acho que reproduz bem a grande viagem que estou a fazer.
Tenta disfarçar o que há de autobiográfico na sua literatura?
Não há muito a não ser em Tigre de Papel ou em Porto-Sudão, este por outras razões. Espero que me reconheçam, eu apareço nos livros com certas referências que gosto de fazer.
Amanhã, pelas 17.00, o escritor Olivier Rolin está na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa para apresentar a reedição do romance Porto-Sudão, vencedor da edição 2004 do Prémio Femina, com o editor João Rodrigues. Segue-se uma masterclass no mesmo local.