Olhos estão em Neymar, mas é Coutinho quem lidera o Brasil
Philippe Coutinho fez anos poucos dias antes do primeiro jogo do Brasil neste Campeonato do Mundo. Para comemorar, os companheiros ofereceram-lhe um bolo. Ou melhor, os ingredientes para um bolo.
Enquanto Coutinho descansava na relva com alguns colegas no centro de treinos do Brasil em Sochi, na Rússia, Neymar levou o dedo aos lábios e, avançando na ponta dos pés, colocou-se atrás do colega de equipa. Esperou um momento, acenou com a cabeça, e depois, juntamente com os seus cúmplices, cobriu um Coutinho indefeso de ovos, farinha e água.
Enquanto Coutinho, que fazia 26 anos naquele dia, reagiu com uma falsa indignação, Neymar deu uma gargalhada. Coutinho aprendeu uma importante lição, que tem seguido na Rússia até agora e que pode ser a chave para o Brasil conquistar um sexto Mundial. Desde aí, Coutinho fez questão de não perder Neymar de vista.
A amizade entre os números 10 e 11 do Brasil é genuína e duradoura, datando da época em que representaram a equipa sub-16 do país num torneio juvenil em Barcelona, Espanha.
Embora ambos fossem considerados prodígios nos seus clubes - Coutinho no Vasco da Gama, Neymar no Santos -, os seus caminhos não se tinham cruzado até então. De acordo com Coutinho, a ligação foi imediata, como jogadores e como pessoas.
A amizade deles é, no entanto, uma parceria um pouco curiosa. Neymar é um extrovertido incorrigível, um ícone da moda e um fenómeno de marketing. Vive num mundo de jatos particulares e festas grandiosas: a comemoração do seu aniversário deste ano, promovida pelo seu clube, supostamente durou três dias.
Neymar mora em Paris cercado pelos seus "toiss", como é conhecido o grupo de meia dúzia de amigos que fazem parte da sua comitiva e que desempenham vários papéis. Eles estão lá para atender a todos os seus caprichos; ele é um jogador de Hollywood com uma vida de Hollywood.
Coutinho, pelo contrário, é um tipo de personagem tímido, calmo e reservado. Enquanto jogava no Liverpool, os seus compromissos sociais mais frequentes eram os churrascos com os outros latino-americanos do clube. Casou-se com a sua namorada de infância, Aine. Não tem comitiva para além da sua família: dois filhos e dois cães.
Por outras palavras, um é uma superestrela por inclinação, o outro por obrigação. Isso refletiu-se, ao longo dos anos, nas imagens que projetam e nos papéis que têm desempenhado, inicialmente nas seleções juvenis do Brasil e agora, no maior palco de todos, na seleção sénior. Neymar está na frente e no centro; Coutinho sempre existiu um pouco nas laterais.
Percebe-se que são papéis que assentam bem a ambos: Neymar revela-se no centro das atenções. Observá-lo é ver um jogador que não só chama a atenção mas que também a exige.
Há uma cena, desempenhada vezes sem conta ao longo de 90 minutos, que é Neymar puro e simples: ele recebe a bola, com o seu marcador ao lado, rola a bola debaixo do pé, as ancas e, ao fazê-lo, diminui a velocidade, arrasta-se e depois para. E aí fica à espera.
Muito do futebol atual é movimento; a imobilidade é rara. Isso dura apenas um instante, mas é o suficiente para garantir que todos no estádio, e em casa, estão a olhar para ele e às suas ordens, à sua mercê, à espera de descobrir o que ele fará a seguir. É quando Neymar é mais ele mesmo: quando o mundo inteiro está pendente do seu próximo passo.
Coutinho não é exceção. Ele já descreveu Neymar como o "espelho" do jogador que ele gostaria de ser, uma inspiração e um exemplo. Para o Brasil, Coutinho parece estar a levar à letra essa descrição.
Enquanto eles estavam em campo aqui, Coutinho parecia existir na sombra de Neymar. Não em termos de desempenho, mas geograficamente. Coutinho raramente, ou mesmo nunca, estava a mais de dez metros de Neymar. Movia-se à mesma velocidade do que o amigo, acelerando quando Neymar corria, trotando quando Neymar andava. Seguia-o, imitava-o e certificava-se de que estava perto dele. Às vezes, era como se os dois estivessem ligados por uma corda elástica. De vez em quando, Coutinho parecia sentir que estava a afastar-se muito e, de repente, voltava. Durante 80 minutos, ele nunca perdeu Neymar de vista.
Seria fácil presumir que isso acontece porque Coutinho - e é essa a narrativa no Brasil - existe, como os "toiss", inteiramente ao serviço de Neymar, para permitir que ele brilhe, para prestar assistência a pedido, para se alimentar das suas migalhas. Na verdade, é exatamente o oposto; o olhar é atraído para Neymar, mas isso não significa que se esteja sempre a olhar para a coisa certa.
Na quarta-feira, na vitória por 2 a 0 contra a Sérvia, foi Coutinho quem fez o passe perfeito para Paulinho que deu origem ao primeiro golo do Brasil. Foi Coutinho quem pôs a equipa de Tite no caminho dos oitavos e de um encontro com o México, assim como foi Coutinho quem mais brilhou nos dois primeiros jogos do Brasil.
Este não é o Brasil de 2014, quando tudo andava à volta de Neymar. Esta é uma equipa mais equilibrada, mais democrática, em que o peso pode ser partilhado de forma um pouco mais equilibrada, uma equipa que, até agora, tem sido tão definida por Coutinho nas sombras quanto por Neymar sob os holofotes.