Oito dias e 12 cidades recebem uma espécie de Web Summit da cultura
"Esta é a oportunidade para os artistas terem uma nova abordagem à profissão." É assim, de rajada, que Ana Miranda começa por explicar o seu último projeto. Foi da mente da mulher que há oito anos criou o Arte Institute em Nova Iorque que nasceu a ideia do RHI - Revolution, Hope, Imagination.
Este movimento de aproximação entre cultura, operadores turísticos e autarquias concretiza-se entre os dias 14 e 21 em 12 cidades portuguesas, incluindo um evento na Madeira. O Funchal junta-se assim a Faro, Loulé, Vidigueira, Évora, Lisboa, Torres Vedras, Óbidos, Caldas da Rainha, Alcobaça, Leiria e Guimarães para receber conferências, workshops e espetáculos.
"O objetivo da iniciativa é dotar os artistas de ferramentas para que possam otimizar a sua relação com o financiamento, propor outras modalidades de negócio e criar ligações mais sólidas entre o turismo e a cultura", explica Ana Miranda ao DN. E talvez por isso lamenta a demora dos artistas em aderir a uma iniciativa que conta com muito apoio do mundo empresarial. "Tantas queixas", desabafa, explicando que a sua iniciativa - que tem vida também através de uma plataforma que visa juntar artes, negócios e turismo no que a portuguesa gosta de descrever a rir como uma espécie de Web Summit da cultura - foi feita a pensar na necessidade de "pensar e fazer diferente".
E Ana está convencida de que neste aspeto Portugal pode ser líder na Europa, com um evento que aposta num "diálogo entre cultura e negócios".
Tudo começa já nesta sexta-feira com um concerto inaugural, aberto ao público, no MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa, que contará com atuações de Moulinex, Ghetthoven, Pedro Mafma, Da Chick & Best Youth.
Mas ao longo de oito dias serão inúmeros os eventos de norte a sul do país. O RHI arranca em Lisboa, na Culturgest, com introdução de Paulo Macedo, presidente da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos, mas desdobra-se em talks, workshops e concertos que envolvem artistas como Ivo Canelas, Rita Red Shoes, Joaquim de Almeida, José Luís Peixoto ou Pedro Varela.
Quem estiver interessado em participar, pode consultar o site do RHI ou comprar bilhete na Tickeline.
Há um ano, depois de várias conversas com operadores turísticos que se queixavam de não levar os clientes a dormir a pequenas cidades por estas não terem oferta cultural diversa, Ana começou a pensar num projeto para colmatar essa lacuna. Nascia o RHI - Revolution-Hope-Imagination.
A escolha do nome e da imagem deste projeto não é um acaso. A plataforma usa a imagem do rinoceronte de Albrecht Dürer, a xilogravura do artista alemão realizada em 1515 e que retrata o rinoceronte que foi enviado da Índia para Lisboa por Afonso de Albuquerque como presente para o rei D. Manuel. O animal foi o primeiro rinoceronte vivo visto na Europa desde os tempos dos romanos. D. Manuel acabou por enviar o animal como presente para o Papa Leão X, mas o rinoceronte viria a morrer a caminho de Roma.
"Eu só pensei, mas porque é que andamos a falar do galo de Barcelos quando temos um animal destes, imponente, na nossa história?", explicou Ana Miranda numa conversa que tivemos em maio nas Torres de Lisboa. A diretora do Arte Institute estava então de passagem por Lisboa para apresentar o seu novo projeto e não escondia o entusiasmo: "Olha-se para a imagem de Dürer, de um animal que ele nunca viu [inspirou-se numa descrição escrita e num esboço], com aquela armadura em que parece que ele está em bocados. É um pouco como os vários pedaços de Portugal que estamos a unir", explicava.
O nome RHI é uma referência a rhino, rinoceronte em inglês, mas é muito mais do que isso. "Um dia olhei para aquilo e vi: revolution, hope, imagination [revolução, esperança, imaginação]. É tudo o que tenho na minha cabeça, no meu coração, nos oito anos do Arte Institute: revolução de mentalidades; esperança, porque é preciso acreditar; imaginação, porque se não temos dinheiro, temos de ter imaginação", exclamava Ana em maio.
Nos últimos oito anos, Ana Miranda tornou-se, graças ao seu Arte Institute, um nome incontornável na divulgação da cultura portuguesa nos Estados Unidos e no mundo. Nascida em Torres Vedras em 1977, cedo trocou a sua cidade por Lisboa em busca do sonho de ser bailarina. Acabou por ser atriz. Fez teatro e novelas, como Ana e os Sete na TVI.
Pressionada pelos amigos, sufocada por um meio no qual não se cansavam de lhe dizer que ter mais dez centímetros faria toda a diferença, Ana mudou-se para Nova Iorque em 2006. Formada em Línguas e Comunicação, foi a castings, trabalhou na ONU, para a RTP, na galeria de arte Sonnabend, mas um dia decidiu dar a conhecer a cultura contemporânea portuguesa à América. Nascia o Arte Institute.
Foi em Nova Iorque que conheci a Ana, estávamos em janeiro de 2017, Trump acabava de ser eleito presidente e combinámos beber um chá no Soho, onde vivia, para me contar a sua história para a série do DN e da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) Pela América do Tio Silva, na qual contámos histórias de portugueses e lusodescendentes de sucesso nos EUA.
Na altura como sempre que se fala com ela, o que mais impressiona em Ana é a determinação. O Arte Institute nascia da sua cabeça e com o empenho de mais duas pessoas, o primo Rui Miranda e Constança Vilela. Sem sede física, já levou a cultura contemporânea portuguesa a mais de duas dezenas de países.
Um sucesso que Ana Miranda espera ver agora repetido com o RHI. E uma coisa garante, em vésperas do lançamento do evento: "É para repetir! Para o ano há outra vez." Em que moldes exatos é que ainda não sabe porque, explica, primeiro terá de tirar lições e ilações desta primeira edição do RHI.