"É uma vergonha!" As palavras são de Guilhermina Silva e Ernesto Neves, dois dos moradores da Vila Romão da Silva, localizada na freguesia de Campolide, a dois passos do Amoreiras Shopping Center, quando falam do estado em que se encontra o local. As obras da Câmara Municipal de Lisboa, que vão incluir reabilitação e novo edificado, estão previstas para começar em março, mas estes dois vizinhos dizem que só acreditam que é desta quando elas realmente começarem.."Já estamos à espera das obras há muito tempo e aqueles que nasceram aqui estão à espera ainda há mais tempo, pelo menos é o que eles me dizem. Já ouvem esta conversa há tantos anos que já não acreditam em nada", diz ao DN Guilhermina Silva, uma mulher do Norte que vive na Vila Romão Silva há 16 anos. Ernesto Neves, carinhosamente tratado por Ti Ernesto, mora ali há 65 anos e assina por baixo: "Digo sinceramente, já ouço isso há tanto tempo que só quando eu vir deitarem abaixo e começarem as obras é que acredito"..Construída em 1900, a Vila Romão da Silva tem atualmente 35 frações, quatro delas não habitacionais, estando mais de uma dezena atualmente vazias. Em 2017, a Câmara de Lisboa anunciou que no âmbito do programa "Pátios e Vilas" quatro vilas iriam ser reabilitadas nesse ano, sendo uma delas a Romão da Silva. Em 2021, a autarquia anunciou que iria lançar um novo concurso para esta empreitada, depois de o anterior ter ficado deserto. As obras, que irão começar agora em março, irão abranger a totalidade das casas e está previsto um investimento de 3,3 milhões de euros. Nesta intervenção estão também previstas obras nas frações não habitacionais, onde estão localizados a companhia de teatro "O Palmo e Meio" e um clube desportivo, o Sport Lisboa e Amoreiras. O teatro, a funcionar desde 1980, terá um anfiteatro "aberto" para o interior da vila.."As obras na Vila Romão da Silva já eram há muito devidas. Qualquer pessoa que lá vá vê que necessita de uma intervenção de fundo", diz ao DN Miguel Belo Marques, presidente da Junta de Freguesia de Campolide. "As casas por dentro vão-se mantendo, muitas vezes até fruto dos próprios moradores. Agora, aquilo tem uma série de problemas, desde a canalização ao saneamento. O facto de ter muitas casas abandonadas causa uma série de outros problemas estruturantes, tanto nos edifícios, como de salubridade", acrescenta o autarca..O estado degradado das habitações desta vila é salta à vista. Tinta a cair, paredes esburacadas e cheias de humidade e o pátio todo desnivelado e com erva a crescer. "Nós não somos gado aqui dentro e eles desprezam muito as pessoas aqui dentro. Estas ervas ainda estão pequenas, mas quando estão enormes parece que estamos num campo e nós somos o gado para comer a relva", refere Guilhermina Silva, apontando para o pátio. "Não entra aqui uma ambulância, vir uma cadeira de rodas da ambulância é aos solavancos, chegamos ao hospital piores do que estávamos. Isto é uma vergonha!"..O interior das casas também deixa muito a desejar e vários moradores têm feito obras às suas custas. "Antes não tinha casa de banho, era uma pia, e eu gastei dois mil euros para fazer uma casa de banho nova. Tive que pedir dinheiro emprestado, que eu não tinha, a reforma é pequena. Depois mandei pintar a casa, porque a câmara aqui não prega um prego, não gasta um tostão. Pode ser que vá gastar agora, mas continuo a dizer: só acredito quando vir aqui as máquinas", conta o Ti Ernesto, adiantando que também sofre muito em casa com as baratas e a humidade. "Aquela parede está cheia de humidade. Tanto eu como a minha cunhada, aqui no rés do chão, temos as paredes todas pretas. Já pedimos à câmara algumas três ou quatro vezes para isolarem aquilo e eles não isolam"..Guilhermina Silva fala com muito orgulho da sua "casinha", dizendo que é a melhor da vila, depois de ter passado seis anos a fazer aos poucos obras e contando apenas com seu o salário de empregada de limpeza. Mesmo assim, há um problema que não conseguiu resolver: as duas fossas sépticas que tem dentro de casa. "Eu, naquela casa de banho já gastei um rodo de dinheiro em polibãs, porque tenho uma fossa debaixo do polibã, e tenho outra fossa debaixo de umas prateleiras. Para poder respirar tenho de dormir com a persiana para baixo e a janela aberta, mesmo no inverno, que é para não levar com o cheiro todo à noite"..Recentemente apareceram na vila umas pessoas ligadas à futura obra e Guilhermina Silva quis saber se seria desta. Disseram-lhe que iriam começar em março, o que os moradores ainda não acreditam, e que seriam rápidas. "Para mim, o rápido é o comboio que vai para o Porto", diz, bem-disposta..A cerca de dois quilómetros da Romão Silva, também na freguesia de Campolide, fica a Vila Elvira, cujas obras estavam igualmente previstas para começar em 2017. Segundo a Câmara Municipal de Lisboa, esta obra encontra-se atualmente em fase de verificação das especialidades e conclusão do projeto, para depois ser lançado o concurso de empreitada, de seis a oito meses..A intervenção nesta vila vai incidir sobre 22 fogos e tem um investimento previsto de 1,3 milhões de euros. "A situação na Vila Elvira é idêntica à Romão da Silva, mas há menos gente. A Elvira é substancialmente mais pequena", refere Miguel Belo Marques..O projeto "Pátios e Vilas" foi anunciado em 2017 pela Câmara de Lisboa, estando previsto arrancar logo nesse ano a reabilitação de quatro vilas da cidade: as duas da freguesia de Campolide, já referidas anteriormente, a Vila Travessa de Paulo Jorge, em Belém, e a Vila Bela Vista, no Beato. A estas acresciam mais três, anunciadas na mesma altura, mas cujas obras começariam mais tarde: Pátio Beirão (Marvila), Pátio do Bastos (Estrela) e Pátio do Paulino (Alcântara).."Já em 2020, foram alargadas a mais uma vila, entretanto, adquirida pelo município, a Vila Dias. Também o Largo do Marquês de Angeja foi acrescentado, existindo neste momento uma lista com um total de nove localizações", explicou ao DN fonte da autarquia..Neste momento, apenas as obras Vila da Bela Vista foram concluídas. A empreitada de reabilitação terminou há dois anos, tendo incidido sobre um total de dez habitações, num investimento total de 200 mil euros. A intervenção do Largo Marquês de Angeja (Belém) está atualmente em execução, tratando-se de um investimento de 300 mil euros em seis habitações, estando a sua conclusão prevista para os próximos meses..No caso da Vila Travessa Paulo Jorge, o projeto está concluído, estando em fase de lançamento do concurso de obra, que terá um custo de 650 mil euros para reabilitar 25 fogos..Mais atrasados estão os restantes pátios e vilas. A reabilitação do Pátio do Paulino está em fase de verificação das especialidades, só depois é que será lançado o concurso da obra dos cinco fogos, num investimento de 700 mil euros..Ainda em início do estudo de projeto estão os outros três locais: Pátio do Beirão (10 fogos, 1,9 milhões de euros), Pátio do Bastos (14 fogos, 800 mil euros) e Vila Dias (140 fogos, 12 milhões). Nesta última, diz a câmara, "já foram realizadas obras de intervenção pontual de emergência de conservação"..ana.meireles@dn.pt