Anualmente, de 1967 a 2013, um painel de jornalistas elegeu o melhor xadrezista do mundo, para lhe entregar uma estatueta esculpida em bronze com a representação de um pescador. Os Óscares do xadrez, cuja escultura se inspirou numa personagem da novela de 1873 do escritor russo Nikolai Leskov, viajaram ao longo de seis décadas para as mãos de xadrezistas como o russo Anatoly Karpov, o norte-americano Bobby Fisher ou o norueguês Magnus Carlsen. Entre os dez galardoados, apenas um segurou a estatueta 11 vezes, o xadrezista Garry Kasparov. Nascido em 1963 no Azerbaijão, na antiga União Soviética, Kasparov assegurou várias vezes, nas décadas de 1980 e 1990, o título de campeão mundial de xadrez. Fê-lo na modalidade que lhe entregara o primeiro título em 1976, quando arrebatou o Campeonato de Juniores da União Soviética. Aos 13 anos, Kasparov não imaginaria que, 20 anos volvidos, se sentaria frente ao tabuleiro de xadrez para inaugurar uma nova era na relação homem/máquina..Em fevereiro de 1996, o Grande Mestre Internacional de Xadrez, enfrentou um oponente capaz de analisar 200 milhões de posições por segundo. A IBM, gigante da informática norte-americana, lançou o desafio a Kasparov, o de jogar e derrotar o supercomputador Deep Blue. O Mestre aceitou e, num jogo homologado no que respeitou ao controlo de tempo, Kasparov venceu os algoritmos que, a cada momento, vasculhavam uma biblioteca com centenas de milhares de jogadas de xadrezistas de topo. Um para os humanos, zero para as máquinas. Contudo, em maio de 1997, os mais de 200 processadores de Deep Blue, reclamaram a vitória sobre Kasparov numa segunda partida. O xadrezista, em representação da Rússia, perdeu para a máquina e, uma vez mais, escreveu história; o de ser o primeiro campeão mundial de xadrez a ser vencido por um computador..Longe da sofisticação de cálculo de Deep Blue, o século XVIII e XIX entrega-nos uma história de ilusão, assombro e também embuste que se prolongou por mais de 70 anos, envolveu figuras como Benjamim Franklin e Napoleão Bonaparte, automatismos complexos e também périplos na Europa e na América do Norte. O Turco, autómato apresentado em 1770 à corte de Maria Teresa da Áustria, carregava o engenho do inventor húngaro Wolfgang von Kempelen. À máquina de xadrez, baú nutrido por um complexo sistema de engrenagens semelhante aos de um relógio, encimado por um autómato articulado a mimetizar os gestos de um xadrezista oriental, Kempelen adicionava um espetáculo de fumos, luz diáfana e música. A coreografia trazia um propósito, o de apresentar O Turco como a primeira máquina capaz de vencer um humano numa partida de xadrez. E fê-lo, uma primeira vez no palácio vienense de Schönbrunn. Perante a audiência, O Turco infundiu um misto de fascínio e receio. À jogada do humano, o autómato moveu o braço mecânico, numa resposta que posicionou sobre o tabuleiro, peões, cavalos, bispos, torres, rainha e rei. Uma resposta ponderada da máquina que rejeitou quaisquer movimentos inválidos das peças por parte do oponente. O Turco venceu e também demonstrou alcançar outros feitos, como o de resolver o problema do cavalo, um dilema matemático em que aquela peça deve movimentar-se no tabuleiro vazio, de modo a ocupar cada casa apenas uma vez..No seu autómato, Kempelen não reuniu apenas um sistema complexo de engrenagens, juntou-lhe jogos de ilusão e um operador humano, oculto no interior do baú. Ao jogador de xadrez, acomodado num compartimento secreto, era-lhe pedido que movimentasse as suas peças em resposta às do oponente. Cada peça possuía um íman que funcionava em espelho na frente e verso do tabuleiro. Uma ilusão não decifrada por décadas, não obstante a muita especulação que fomentou..Nos seus primeiros anos, O Turco contou com poucas apresentações públicas, entre elas a que o opôs ao escocês Robert Murray Keith, soldado, diplomata e político que, numa viagem a Viena, defrontou a máquina de xadrez. A vida arredada dos palcos do autómato de Kempelen mudaria a partir de 1781. Após uma demonstração bem-sucedida frente ao Imperador da Rússia, Paulo I, O Turco iniciou uma ronda europeia em Paris, com partidas frente ao melhor jogador de xadrez da época, o compositor François-André Danican Philider, assim como um face a face com Benjamim Franklin, então embaixador dos Estados Unidos em França..Holanda e Inglaterra seguiram-se no périplo europeu a que se sucedeu um período de inatividade por morte de Kempelen. Em 1808, o bávaro Johann Nepomuk Mälzel, empresário do espetáculo, entregou nova vida de errância ao Turco. Em Viena, em 1809, o autómato enfrentou o Imperador Napoleão Bonaparte para, mais tarde, em 1826, a máquina se fazer ao Atlântico em busca de sucesso nos Estados Unidos. As cidades de Nova Iorque, Boston, Filadélfia, depois o Canadá, renderam-se à máquina que vencia no xadrez. Uma admiração que colheu a atenção do escritor Edgar Allan Poe que a esse propósito escreveu, em 1836, Maelzel"s Chess Player, ensaio que procurou dissecar o funcionamento do autómato. O Turco sobreviveu ao homem que o levou para a América. Mälzel morreu no mar em 1838 numa viagem a Cuba. Após passar por várias mãos nos Estados Unidos, o autómato ficou, na década de 1840, à guarda do pequeno Museu Chinês em Filadélfia. A proximidade daquele espaço com o Teatro Nacional, ditaria o fim d" O Turco, sucumbindo ao incêndio que ali deflagrou a 5 de julho de 1854. Cento e trinta e cinco anos depois, em 1989, John Gaughan, fabricante norte-americano de equipamentos para magia, apresentou uma réplica do autómato a partir do único componente sobrevivente às chamas, o tabuleiro. No âmago d"O Turco operava, então, um computador..O Turco inspirou no século XIX, início da centúria seguinte, uma legião de autómatos "campeões" de xadrez. Em 1868, Ajeeb, recebeu honras de apresentação em Londres, a que se seguiu uma ronda norte-americana com mostras em Nova Iorque..A criação de Mephisto, autómato xadrezista, ocupou sete anos ao inventor Charles Gumpel. Mephisto foi apresentado em Londres no ano de 1878, operado pelo mestre de xadrez húngaro Isidor Gunsberg. Em 1914, El Ajedrecista, criado dois anos antes por Leonardo Torres y Quevedo, matemático espanhol, teve o seu momento de glória na Feira de Paris..dnot@dn.pt