O trambiqueiro

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Tenho gasto parte da minha energia e ocupado parte significativa do espaço de opinião de que disponho defendendo a virtude do pluralismo de informação e de opinião, mesmo quando o que está em causa é uma guerra. Sobretudo, por estarmos abertamente a favor de um dos lados, há uma razão muito óbvia para querer ouvir o outro lado: se eu estiver errado nunca o vou saber ouvindo apenas os que pensam como eu. Desconfiando de quem só consegue dizer bem de Putin e tem argumentário de A a Z para justificar a invasão da Ucrânia, ainda assim, não dispenso a opinião de generais nem de outros mais, especialistas em geopolítica não alinhados com o pensamento único que se espalhou pelo mundo com o fim da guerra fria. Sou deste lado, defensor das democracias liberais e, por causa disso, quero ouvir todas as vozes que livremente dizem o contrário do que eu penso.

Fiz este introito para ficar claro que não me oponho à diversidade de opiniões, mesmo, ou sobretudo, em tempo de guerra, mas também para poder falar abertamente de um trambiqueiro que já conhecia de outros futebóis. Um jurista com jeito para a comunicação, que há meia dúzia de meses comentava crimes passionais no programa do Goucha e que aparece agora como especialista em guerra, defendendo ou antecipando as teses mais esdrúxulas de Moscovo, gabando-se até de ser uma espécie de guru do Kremlin, um jurista cuja leitura Putin e Lavrov não dispensam. Se o ridículo matasse...

O espião, como agora passou a ser conhecido Alexandre Guerreiro, terá arranjado trabalho no Estado porque, lê-se no Expresso, "está previsto na lei que os espiões afastados dos serviços de intelligence são colocados na PCM, exatamente para terem um lugar de recuo e não ficarem desempregados ou em estado de necessidade, à mercê do mercado das informações". Olhando para a sua atividade atual, quem diria?

O marreteiro tem procurado chegar à política e não se pode acusá-lo de falta de persistência. Foi candidato pela CDU, militou no CDS e no PAN, foi recusado na Iniciativa Liberal, convidado pelo PSD e ainda arranjou tempo e argumentos para encontrar mérito num líder partidário racista e xenófobo. A marreta não terá batido na porta certa e, agora, o que levou em devido tempo a IL a recusar uma candidatura sua (o serviço prestado em defesa das teses russas) é um ativo tóxico para qualquer partido. Quem tudo quer...

O perigo destes personagens, que articulam muito bem e fazem um bom boneco de televisão, é que vão convencendo uns incautos, mas quando são desmascarados funcionam como as bombas de vácuo, levando tudo à frente e não deixando espaço para que o debate se faça com argumentos válidos dos dois lados em confronto. O que denuncia Alexandre Guerreiro não é ser mais favorável às teses russas do que às teses ocidentais, nem a T-shirt com a cara de Putin a ilustrar um artigo seu num jornal russo, é mesmo ele acreditar que "a Rússia tem um sistema político democrático e livre".


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