António Martins da Cruz Embaixador e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros .O presidente José Eduardo dos Santos enfrentou uma situação muito difícil no princípio da sua presidência, que foi uma guerra civil que demorou 27 anos. Ele ganhou e depois de ganhar a guerra, soube ganhar a paz. Ou seja, soube absorver uma série de políticos que não estavam de acordo com ele e pô-los no próprio governo, integrou nas Forças Armadas a maioria dos generais e dos oficiais da UNITA. Soube fazer a paz e soube transformar Angola numa potência regional africana e marcou o tempo de Angola e o tempo de África enquanto esteve na presidência. Aproveitou a paz para desenvolver o país e sobretudo soube sair a tempo, ao contrário de muitos outros presidentes africanos. Soube respeitar as regras de uma constituição que ele próprio tinha pedido para ser feita e apoiou o seu ministro da Defesa, o general João Lourenço, para presidente. É curioso, nas suas decisões era um homem frio e racional. Mas depois tinha o seu lado africano como por exemplo, como muitos outros fazem, ao proteger, talvez demasiado, a família. E isso é obviamente alvo de críticas. Simplesmente, penso que muitas das críticas que são feitas não têm em conta que não podemos comparar Angola com a Suécia ou a Dinamarca. Temos que comparar Angola com os outros países africanos. E em termos dos outros países africanos, José Eduardo dos Santos não só não destoa, mas faz melhor do que muitos outros. Desenvolveu melhor o país do que os vizinhos. Penso que é preciso enquadrá-lo na região e no continente e não fazer-lhe críticas injustas como se ele fosse presidente de um país nórdico..Francisco Ribeiro Telles Embaixador e antigo secretário-geral da CPLP.No período em que estive como embaixador em Luanda, de 2007 a 2012, houve três questões que marcaram o mandato de José Eduardo dos Santos. Por um lado, a reconciliação que promoveu entre os angolanos. O facto de ter inserido a UNITA na arquitetura política, chamando-os para Luanda, inclusivamente para poderem ser candidatos às eleições. Isso contribuiu para pacificar o país e, de certa forma, para se reconciliar depois de duas guerras civis muito duras e violentas. Acho que isso foi um ato de lucidez de José Eduardo dos Santos, que não era muito comum naquelas circunstâncias. Depois, a relação entre Angola e Portugal. Sempre vi no presidente um homem interessado em construir boas relações, sólidas e consistentes com Portugal, interessado em ultrapassar os problemas a nível bilateral. Sempre encontrei nele um interlocutor atento e empenhado em construir boas relações com Portugal. Em terceiro lugar, uma questão que na altura fiquei muito agradado: ele contribuiu muito para a promoção e difusão da língua portuguesa em Angola. Hoje em dia fala-se muito mais português do que se falava no período colonial. O português funcionou como um fator de coesão e unidade do país. Acho que José Eduardo dos Santos percebeu isso. Porque na altura havia uma grande pressão para que as línguas nacionais pudessem ser revitalizadas e ele sempre disse que as línguas nacionais eram importantes, mas que o que se tratava era de nos podermos entender todos. E o português funcionou como língua franca. José Eduardo dos Santos promoveu isso..António Monteiro Embaixador e ex-chefe da diplomacia.O legado mais importante da presidência de José Eduardo dos Santos é a luta dele pela paz e a abertura e capacidade de respeitar os acordos e tentar um processo de reconciliação nacional, que permitiu ao país pacificar e entrar na via democrática. E mesmo com todas as dificuldades construir um processo não apenas de reconstituição física, um país que estava destruído e devastado, mas também do convívio entre todos os angolanos. Isso permite que Angola, hoje em dia, possa olhar para o futuro com otimismo. Numa longa presidência há sempre altos e baixos. Pontos positivos e pontos negativos. E é evidente que há défices de desenvolvimento para um país que tem a potencialidade de Angola. Mas temos que olhar para o facto de que Angola teve uma guerra terrível. Nós hoje assustamo-nos com o que está a acontecer na Ucrânia e o que será necessário para reconstruir o país. Angola estava devastada praticamente a 70% e foi reconstruída por eles próprios, não teve um plano Marshall de ajuda. Foram eles que o fizeram. Aí temos que prestar homenagem aos angolanos e aos seus líderes. José Eduardo dos Santos gostava de Portugal e mostrou sempre confiança no nosso papel como mediadores em Angola. Confiou sempre. Também defendia muito a língua e cultura portuguesa. Em relação aos acordos de paz, em que trabalhei muito com ele, o que ele dizia fazia, e isso era um aspeto muito positivo. E a posição de que o mais importante para a Angola era a estabilidade, a pacificação, a segurança interna, isso é um trunfo da presidência de José Eduardo dos Santos.