O segredo do feliz finlandês e lições para o português conformado

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"Procurar a felicidade em coisas materiais
é o caminho certo para ser infeliz"
Santo Papa

As primeiras referências ao conceito de felicidade remontam à Grécia Antiga. Destaquemos algumas a título de exemplo. Tales de Mileto diz que é feliz "quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada". Para Sócrates o ser humano não é tanto corpo quanto alma, pelo que a felicidade consiste no bem da alma, bem esse que só pode ser alcançado por meio de um comportamento assente na virtude e na justiça. Platão adopta raciocínio similar, considerando que a alma tem por função ser virtuosa e justa e que é esse o caminho da felicidade. Já Aristóteles na sua célebre obra, Ética a Nicómaco, invoca a conexão entre ética e política, bem como a importância de outros factores, como a saúde, a liberdade e a presença de uma situação socio-económica satisfatória para alcance da felicidade (História da Filosofia, Editorial Presença).

Avançando para os dias de hoje encontramos alguns destes elementos no Relatório Mundial da Felicidade (World Happiness Report) que avalia, desde 2012, o nível de felicidade pelo mundo fora (em mais de 150 países) com base em dados recolhidos pela Organização das Nações Unidas. Com efeito, o ranking tem em conta os seguintes seis critérios: PIB per capita, expectativa de vida, apoio social, liberdade individual, generosidade e percepção de corrupção.

Não é, pois, surpreendente que países como o Afeganistão tendam a ocupar lugares miseráveis no ranking, corroborando aquilo que sobejamente sabemos, ou seja, que a felicidade não grassa em sociedades onde imperam a pobreza, o conflito e a ausência de liberdade.

De destacar que os níveis mais elevados de felicidade foram registados na Finlândia pelo 5.º ano consecutivo - seguindo-se a Dinamarca, a Islândia, a Suíça, os Países Baixos, o Luxemburgo, a Suécia, a Noruega, Israel e a Nova Zelândia. A questão é por que é que a Finlândia, país onde reinam cerca de 200 dias de Inverno, o Sol emerge timidamente no horizonte e as temperaturas chegam a rondar os 20 graus negativos, manteve a primeira posição no dito ranking? Qual o segredo dos finlandeses e o que podemos transpor para a realidade nacional?

Em Portugal, um clima verazmente aprazível perdura, infelizmente, a par de um PIB per capita inferior a metade do finlandês e, nos últimos anos, de persistentes sinais de corrupção (que incidiram indiscriminadamente sobre o poder político e autárquico, a Segurança Social, a Justiça, a banca, os impostos, os serviços secretos, as Forças Armadas e a Saúde, entre outros pilares da comunidade), pelo que não é de admirar que o nosso país ocupe no âmbito do último relatório a 56.ª posição e que desde 2012 a posição nacional não tenha sido alvo de alteração significativa. Os referidos sinais minam o desenvolvimento social e económico, promovem a emigração dos mais qualificados e destroem a confiança nas instituições.

O oposto pode ser constatado na Finlândia, país onde necessidades básicas atinentes à Saúde, à Educação e ao alojamento são satisfeitas, subsistem baixos níveis de corrupção, o sistema de tributação progressiva fomenta distribuição de riqueza e prevalecem a democracia e a liberdade - factores que contribuem, entre outros, para o bem-estar da população. O Helsinki Times afiança que o país tem uma classe média alargada, parca pobreza, o número mais baixo de sem-abrigo a nível global e os pobres têm acesso a serviços públicos de ensino e de Saúde de elevada qualidade. A Finlândia é ainda o único país do mundo desenvolvido em que os pais passam mais tempo com os filhos em idade escolar do que as mães. E quando as mães optam por suspender a carreira profissional fazem-no, normalmente, por múltiplos meses ou mesmo anos para garantir o apoio aos filhos em etapas vitais da sua formação (Forbes).

Todavia o grande segredo parece residir em factores culturais que por sua vez têm forte peso na configuração dos indicadores relevantes. Os finlandeses gozam daquilo a que chamam de sisu, que se traduz em perseverança estoica e que terá permitido a superação de momentos difíceis, incluindo a ocupação às mãos da Suécia e da Rússia. Os finlandeses, já dizia o New York Times em 1940, têm algo que alia coragem, ferocidade, tenacidade e a vontade de combater até alcançar a vitória - ainda que a maioria já tenha desistido.

Mais, os finlandeses não criam expectativas exageradas sobre aquilo que requerem para alcançar a felicidade, reflectindo o seu legado luterano e a Lei de Jante, criada que foi por Aksel Sandemose numa obra de ficção de 1933 e que se converteu em código de conduta nos países nórdicos. A ética resultante apregoa, essencialmente, que ninguém é especial, melhor que o outro, fomentando um sentido de igualdade, dignidade, justiça, harmonia e estabilidade para o colectivo, assim como uma forte disciplina de trabalho.

Isto é, importa determinar PIB per capita, expectativa de vida, apoio social, liberdade individual, generosidade e percepção de corrupção, porém cumpre também constatar que os resultados desse apuramento dependem em grande parte dos princípios que regem a população em causa. Os finlandeses, fruto da filosofia que denominam de sisu, dum legado luterano e da implacável Lei de Jante, têm um padrão comportamental diferente do que predomina, em Portugal. Ao contrário do que sucede em Portugal, a sociedade finlandesa não tende a focar-se em queixas, lamentações, suspiros, reclamações, reivindicações, acusações e objecções que não se materializam, em regra, em sentido de dever e em acção. Entendem, os finlandeses, que menos pode ser mais, que mais pode ser menos, falam menos, fazem mais e têm muito sisu!

Portugal não é a Finlândia, contudo pode, deve e merece ter um destino melhor. Para tal, porque "a felicidade não deve depender de pessoas, nem de coisas, mas de objectivos" (Albert Einstein), o combate à perniciosa corrupção deve converter-se imperiosamente em objectivo nacional, de todos nós, esculpindo-se nesse processo a passagem de "uma colectividade pacífica de revoltados" (Miguel Torga) a uma sociedade com sisu de inspiração finlandesa, que lembra a admirável coragem lusitana de tempos idos. Só assim, se devolverá a confiança nas pessoas e nas instituições, promovendo o desejado desenvolvimento social e económico e, por fim, a almejada subida no ranking da felicidade.

Nota: Os autores não escrevem de acordo com o novo acordo ortográfico.

Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e associate de CIPIL, University of Cambridge

Filipe Froes é pneumologista, consultor da DGS, ex-coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos e membro do Conselho Nacional de Saúde Pública

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