O sapo no poço não conhece o grande oceano

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O título deste artigo é um provérbio japonês que tem origem numa conhecida fábula chinesa (O sapo no fundo do poço) imortalizada por Zhuang Zi, filósofo taoista do século IV a.C. Reza a fábula que um sapo vivia no fundo de um poço esconso, a partir do qual se divisava apenas, no topo, alguma luminosidade e um pequeno pedaço do céu. Um dia, passou pelo poço uma tartaruga a quem o sapo contou que ali tinha vivido toda a sua vida e como estava feliz no poço, contente com a vida que levava, pois possuía o poço inteiro e podia fazer o que quisesse: ali cantava, dançava, descansava nas fendas dos tijolos do poço, divertia-se com o lodo e o musgo, e como era feliz por ser dono da água e dono do poço. A tartaruga perguntou-lhe porque não saía do poço e ia ver o mundo. O sapo sorriu com desdém: "Que mais poderia haver? A que mais poderia aspirar?" Para ele, o poço, e o pedaço de céu que via do poço, eram o mundo inteiro.

A tartaruga condoeu-se da vida e da estreiteza de vistas do sapo e falou-lhe da imensidade do mundo do lado de fora do poço, enorme, variado e colorido, com espécies sem conta; falou-lhe do sol, da lua, das estrelas, da areia, das florestas marinhas e terrestres; e contou-lhe sobre as maravilhas que vira nas suas viagens por lagos e oceanos a perder de vista. E só então o sapo compreendeu como o seu poço era insignificante, tendo ficado atordoado na sua ignorância, ao realizar como a sua visão das coisas era limitada.

Em vários países do Extremo Oriente, todas as crianças conhecem esta fábula desde tenra idade.

No nosso país não devia ser necessário, uma vez que há vários séculos os nossos antepassados foram destemidamente ver onde levavam os oceanos e descobrir novos mundos e culturas, com que interagiram dando origem à primeira era de globalização planetária.

Em Portugal, porém, há muito que as nossas elites deixaram de ser maioritariamente compostas de "tartarugas". Sem elites políticas capazes de promover um sólido crescimento económico, Portugal tem vindo a transformar-se gradualmente num país mais periférico, envelhecido, sem estrutura para reter os mais talentosos, sem capital endógeno para catalisar o desenvolvimento económico. Uma parte significativa das nossas elites e dirigentes políticos cresceu oscilando entre o poço do retângulo e alguns poços europeus. Não têm mundo para além desta realidade e vivem entre o orgulho da fidalguia arruinada, a angústia existencial da gestão do pouco pão disponível e a perpetuação dos sapos grandes rentistas sem capacidade para adotar atitudes disruptivas. Porque haveremos de ficar surpreendidos que não sejam capazes de ler as alterações estruturais que percorrem o mundo?

Impõe-se um processo de autoanálise em que as elites compreendam, como o sapo da nossa fábula, que há mais mundos para além do par de poços por onde orgulhosamente têm pulado toda a sua vida. Há polos de energia e criatividade, quer na investigação quer nas empresas disruptivas. Impõe-se que as nossas elites políticas consigam olhar para além do muro do poço: que promovam, em vez de coartar, com a sua magna visão umbilical - por pequenez ou por razões mais censuráveis - o aparecimento e a projeção de tartarugas nas elites económicas e criativas.

Consultor financeiro e business developer
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