O romance escrito a sangue frio por Emma Cline

A escritora Emma Cline deu uma entrevista ao DN onde explica o paralelismo com os assassinatos da Família Manson no fim dos anos 60 no seu livro de estreia, <em>As Raparigas</em>.
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Dois anos após o sucesso do seu romance, As Raparigas, na Feira do Livro de Frankfurt, o que pensa da indústria do livro?

A minha intenção é nunca pensar sobre a indústria do livro, porque não me diz assim tanto respeito. Esse tema é mais uma distração ao mundo real do escritor, que é solitário e tem muito pouco que ver com o mercado editorial.

Um best-seller logo ao primeiro livro. Essa coincidência pode tornar-se um problema para o autor ou é um acontecimento positivo?

Só se torna um problema se o escritor colocar muitas esperanças na questão editorial. De qualquer modo, gostaria de afirmar que teria sempre escrito este livro mesmo se não tivesse leitor algum para o ler.

Todas as recensões dão ênfase a duas palavras: Jovem (na idade) e maturidade (na escrita). É uma boa forma de descrever a autora e o romance?

As recensões nunca têm a minha atenção. Posso mesmo dizer que não as leio.

O argumento do romance evoca a Família Manson. Pode-se dizer que estes acontecimentos ainda estão frescos na memória dos leitores americanos?

Há certos crimes, como o da família Manson, que perduram na consciência cultural tornando-se recursos expressivos visuais míticos. Eu não estava interessada em qualquer responsabilidade para com os factos, não era esse o propósito do romance. Já existem tantos livros e filmes dedicados a esta realidade histórica, ou a tentar encontrar a verdade sobre certos acontecimentos da Família Manson, mesmo assim eu não encontrei novidades ou que me causasse interesse. O que procurava não era tanto uma espécie de verdade, mais uma explicação emocional, e a única forma de a encontrar era a escrita deste romance.

As Raparigas foi lançado nos EUA durante a campanha presidencial para a Casa Branca. Foi um momento oportuno ou um tempo de caos inspirador?

No meu entender, uma parte da realidade dos anos 60 é ainda hoje tão relevante no âmbito do debate nacional por ser objeto de discórdia e de divisão. Creio que a situação política dos Estados Unidos é tão fraturada porque os ecos dos anos 60 estão muito presentes.

Como surgiu a ideia para o livro?

Este romance começou com uma protagonista, Evie, mais adulta. Para mim, ela representava o ponto inicial da narrativa, o de uma mulher que tinha sido gradualmente envolvida num crime infame enquanto adolescente. O romance tenta imaginar qual era a história com que a própria justificaria a sua posição moral ambígua. Interesso-me muito pela nostalgia, essa brecha entre o passado e o presente, e Evie é alguém que se torna refém do passado e não consegue a narrativa redentora que o leitor queria para compreender as razões do seu trauma.

Esta é a história de Evie, especialmente no que diz respeito à sua relação física com o mundo exterior. Foi baseado na sua própria experiência e memórias de quando tinha aquela idade?

Não tive uma experiência tão traumática como a de Evie, mas considero que a sua situação é o pior cenário possível para as jovens adolescentes, que querem ser amadas e que se reparem nelas. Essa posição torna-as vulneráveis quando se vive num mundo que se quer apoderar das nossas necessidades.

Não é muito habitual que um livro de sucesso seja atualmente uma narrativa tão calma como a de As Raparigas. Ou seja, não é necessário escrever A Rapariga no Comboio para ter muitos leitores?

Este romance não é um thriller, antes uma narrativa pacífica e o crime que acontece é nos bastidores e não no coração da narrativa. O desafio foi tentar construir um arco emocional em muito diferente do argumento do thriller tradicional.

Foi difícil expor no romance toda a violência das seitas sem fazer uma exploração dessa realidade?

Sempre quis evitar o sensacionalismo que provocaria tentar introduzir-me no pensamento do narrador. Estava muito mais interessada nos momentos da violência diária, emocional e psicológica que são observados no romance. A minha intenção é explorar a violência que está no interior de uma jovem normal.

Esperava ser traduzida em Portugal tão depressa?

Apreciei bastante ser traduzida noutras línguas e ter novos leitores.

Quais sãos seus planos, um novo romance ou tornar-se uma escritora de um único livro?

Estou a trabalhar em novos projetos. Um segundo romance e uma coletânea de contos.

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