O "Rochinha das feiras" no bailinho da Madeira

O "metabolismo" da Iniciativa Liberal só admite "entendimentos", seja com PSD ou PS, "medida a medida". Rui Rocha considera que há "leituras nacionais a serem feitas" das eleições regionais.
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Nove e meia da manhã. A humidade da chuvada da última hora ainda se sente. Chão molhado, borrifos que ainda pingam das árvores à entrada do mercado, no lado direito, e alguma gente, não muita, de chapéu de chuva na mão. Cheira a frango assado.

Logo ao lado do lugar por onde a comitiva da Iniciativa Liberal entraria dali a meia-hora já há quem esteja na linguiça assada, na carne de vinho e alhos, na "melhor sidra da Madeira", na poncha e nos amendoins.

Dos liberais, aquela hora, somente meia-dúzia, de T-shirt e bandeiras azuis, que aguardavam por Rui Rocha, João Cotrim de Figueiredo, outros "deputados nacionais", apoiantes locais e pelo líder regional, Nuno Morna.

"Se quer uma bica, só lá em cima no largo, ao pé da igreja", diz-me a vendedora de flores. Logo ao lado dela, separados por um curto corredor, um homem trincha dois pequenos frangos assados que saíram naquele momento do grelhador.

Caem uns chuviscos. Não são muitos os que procuram abrigo. A comitiva está prestes a chegar ao Mercado do Santo da Serra que faz ali uma "fronteira" entre os concelhos de Machico e Santa Cruz.

Mais tarde, pouco depois dos liberais terminarem a visita (saíram ainda não eram 11 e meia), e no final de uma chuvada das fortes, o taxista que me levaria à Ribeira Brava, ao mercado, e sem que lhe tivesse perguntado alguma coisa, falou-me dos dois Santos: o Santo do lado de Machico e o outro de Santa Cruz. E do que "o Jardim fez pela terra".

A carrinha dos Liberais chega. São quase dez da manhã. A entrada é encenada. Chegam todos, mesmo os que vinham com Rui Rocha, e só depois é que o líder caminha para os aplausos, o acenar das bandeiras, os abraços e para os slogans gritados. Tem sido "quase sempre assim nos outros" partidos. "Faz parte. Não somos exceção", é a explicação.

Instantes antes, um pequeno rebuliço. Gente que pede o que está a ser dado: sacos de pano com a inscrição liberal a azul.

E o bailinho começa. A versão dos liberais - "Deixa passar / o liberalismo na Madeira / que as pessoas merecem ter / um salário à maneira" - tocada a acordeão é logo ali cantada por Nuno Morna, que promete uma campanha "quente", e pelo animado e dançarino Rui Rocha que gesticula de braços no ar.

O grupo junta-se. Aguarda que o líder faça umas declarações à RTP-M. E grita: "Liberal... Siiiim". E canta. O acordeão não para. Seguem por entre bancas de fruta, legumes, flores, doces tradicionais e barracas de poncha. E quase todos bebem. Rui Rocha entra nas "barraquinhas", cumprimenta, tira fotografias, dança e canta.

Há um momento de compras e de algumas ofertas dos vendedores. Bolo de mel, fatias grossas de bolo mármore, até um de chocolate e queijo Philadelphia para Rui Rocha e rebuçados tutti-frutti para João Cotrim de Figueiredo.

A ruidosa comitiva é observada por quem passa e por quem trabalha. A um canto, de telemóvel na mão, um casal filma as cantorias. Pergunto se sabem quem estão a filmar? A resposta chega em inglês: "Um grupo tradicional da Madeira." Digo que são políticos, que é uma campanha eleitoral, que há eleições no próximo domingo. Ficam espantados. "No nosso país não é assim." E riem. Outros olham sorrindo. E há os que encolhem os ombros. "É sempre assim. Ainda há pouco esteve aqui o PSD." Quase no final haveria de chegar um grupo de quatro apoiantes do PAN.

Na arruada no mercado não há discursos e foram raras as conversas para convencer eleitores. Cantorias, acordeão, poncha e a repetição do bailinho dos liberais: "Deixa passar o liberalismo / na Madeira / que as pessoas merecem ter / um salário à maneira."

Junto ao um carro branco, de porta-bagagens aberto e com gaiolas com duas ou três galinhas, agora que a festa amainou e o grupo se prepara para ir para a Ribeira Brava, juntam-se Nuno Morna (o líder regional e candidato), João Cotrim de Figueiredo (o anterior líder da IL) e Rui Rocha (o atual líder,) que admite "haver leituras nacionais a serem feitas" das eleições regionais.

"Consegue aguentar com estas ponchas todas?". O "Rochinha das feiras", que aqui é do "mercado", ri-se. "Claro que sim, o liberalismo tem um efeito regenerador no metabolismo, acelera o metabolismo." E acrescenta Nuno Morna: "Ao fim de alguns dias na Madeira, o corpo também se habitua."

E esse separar de águas com os socialistas daqui? "Saiu uma notícia de que o PS estaria disponível para fazer algum tipo de entendimento com a Iniciativa Liberal na Madeira. Eu vim para a política para combater as medidas socialistas." E o PSD? Lembro que o líder regional já, por várias vezes, traçou de forma clara uma linha vermelha. Rui Rocha faz um tom sério. "Há uma porta que mantemos aberta, é a porta dos madeirenses."

Que entendimento com PS ou PSD está colocado de parte? Nuno Morna decide responder. "Nem com uns, nem com outros. Nós não fazemos acordos com socialistas, ponto. O PSD é socialista..."

Rui Rocha pega na deixa, interrompe, e diz que "isso não implica que na Madeira nós não façamos uma avaliação medida a medida, proposta a proposta, programa a programa, orçamento a orçamento, e que exerçamos com responsabilidade as nossas obrigações."

Tradução? "Apoiaremos medida a medida se for caso disso. Entendimentos? Para isso não estamos disponíveis."

Saímos de junto do carro das galinhas. A comitiva prepara-se para novo mercado, o da Ribeira Brava. Começa a chover. "Esta é das fortes", diz-me um taxista. Durante minutos parece que o céu desabou.

A viagem, de mais de meia-hora, faço-a com um antigo dirigente do PSD que já "afastado" da política diária - esteve 20 anos "com o povo", não esconde o desalento pelo "Miguel" não seguir a "maneira de fazer" do Alberto João Jardim. "O Jardim governava para as pessoas. O Miguel [Albuquerque] governa para o turismo. E também me custa que tenha maltratado o dr. Alberto João. Não se trata mal quem faz tanto pela Madeira", desabafa.

Meio-dia. Mercado da Ribeira Brava. No largo em frente está a comitiva do PS. A IL afinal já não vem aqui. A próxima ação é um almoço com luso-venezuelanos dois quilómetros mais acima.

Nuno Morna discursa e insiste na conversa anterior: "Não há acordos com essa gente, sejam eles do PSD ou do PS." Há aplausos. A frase parece empolgar as quase 60 pessoas que estão no almoço. Boa parte, percebe-se, nem sequer fala português ou tem dificuldade em o fazer.

Rui Rocha está sentado à mesa. À sua frente, água e Coca-Cola. Mais tarde haveria de passar de mesa em mesa, num espanhol fluente, falando da "política". Já desistiu das ponchas? "O metabolismo liberal também precisa de água."

Em 2019, a IL obteve 762 votos. As sondagens apontam para a eleição de um deputado , mas o número de indecisos é muito elevado: 30%.

artur.cassiano@dn.pt

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