A Carta das Nações Unidas estabelece uma distinção entre a força do poder e o poder da palavra, em que o primeiro tem visibilidade na organização e competências do Conselho de Segurança, que toma decisões obrigatórias, e o segundo na Assembleia Geral que sobretudo vota orientações. Tem acontecido, e ganhou visibilidade no ano findo, que o secretário-geral, como mais alto funcionário da ONU e intervenções nas reuniões de todos os Conselhos, é muitas vezes a única voz que exprime o pensamento da organização sobre as questões mundiais, a chamar as atenções dos jovens e organizações internacionais, públicas e privadas, para a necessidade de fortalecer ou impedir a debilidade das intervenções sustentadoras dos objetivos da ONU..O primeiro parágrafo da Carta define logo o objetivo principal da instituição, declarando que os povos das Nações Unidas estão decididos "a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes durante a nossa vida infligiu à humanidade sofrimentos indizíveis". Infelizmente o percurso político não tem correspondido facilmente às intenções, com a Guerra Fria a colocar entre parênteses as esperanças, e estando o mundo a comemorar o Dia da Paz, com uma notável intervenção do Papa Francisco, não pode deixar de ser recordada uma observação de Bismark, em tempos de armamentos menos destrutivos, que uma "leviandade" pode provocar um sério desastre, sobretudo quando o general comandante do Exército dos EUA na NATO, a despedir-se do cargo, afirmou que dentro de 15 anos haverá uma guerra entre os EUA e a China..Os fundadores da ONU devem ter pensado que tinham estabelecido uma vontade e um caminho para responder à pergunta de Tolstoi sobre a definição das "ações com sentido" que Max Weber, no estudo sobre a sociologia das religiões, definiu orientadas para "um caminho para o verdadeiro ser", caminho para "a verdadeira arte", "caminho para o verdadeiro Deus", "caminho para a verdadeira felicidade", isto é, para a ciência com consciência. A distinção de membros com direito a veto no Conselho de Segurança não anunciava que a igualdade da dignidade das nações viesse a ser um preceito facilmente posto em vigor, os conflitos armados foram numerosos, até que a queda do Muro de Berlim pareceu poder ser celebrada como o princípio de uma nova época global, que consagrasse o planeta como "mundo único" e "casa comum dos homens"..O tema da hierarquia das potências, ainda que mencionado com decoro, algumas vezes esquecido por governantes ocasionais, tornou-se progressivamente dominante, com a questão dos emergentes, tendo por destaque a China e a União Indiana, e sobretudo preocupando os EUA. O notável Joseph Sonye, preocupado com "o paradoxo do poder americano" e com a definição das razões "porque é que a única superpotência mundial não pode atuar isoladamente", escreve estas palavras: "Na descrição imortal de Tucídides, a guerra do Peloponeso na antiga Grécia foi provocada pela ascensão ao poder de Atenas, e o receio que isso gerou em Esparta. A Primeira Guerra Mundial deveu muito à ascensão da Alemanha do Kaiser e o receio que isso originou na Grã-Bretanha. Algumas pessoas pressagiam o aparecimento de uma dinâmica semelhante neste século com a ascensão da China e o receio que isso provoca nos Estados Unidos.".Acontece que a evolução dos armamentos, com destaque para a crescente posse da arma nuclear, agora agravada com a prova de que, como aconteceu com as Torres Gémeas, o fraco pode ferir duramente o forte, ainda com o enfraquecimento da União Europeia pelo Brexit do Reino Unido, com as guerras do Cabo ao Cairo, com os avanços da guerra informática, com a tormenta das migrações, com as dinâmicas demográficas, com a rivalidade entre o Irão e a Arábia Saudita, com o Tratado de Paris sobre o Clima a ser ignorado pelos EUA e discípulos, com a América Latina enigmática, com a União Europeia obrigada a redefinir estruturas e políticas, tudo dá razão a que a temática da entrada no ano de 2019 tenha sido sintetizada pela expressão "Os choques do futuro"..Por isso, o Conselho de Segurança tem uma crescente responsabilidade no sentido de "apresentar à Assembleia Geral para sua consideração relatórios anuais e, quando for necessário, relatórios especiais", para, com respeito pela segurança mundial, "assegurar ação rápida e eficaz das Nações Unidas", pelo que "os seus membros conferem ao Conselho de Segurança a responsabilidade primordial de manter a paz e a segurança internacionais..." (artigo 24). Tendo a sede nos EUA, não lhe é difícil escutar os alarmes que apelam à responsabilidade pelo relatório de avaliação sem peias a que o mundo tem direito..Professor universitário