O Reino Unido não saiu da UE. O que pode acontecer a seguir?

O Reino Unido não saiu da União Europeia às 23.00 deste dia 29 de março. Saiba porque é que o Brexit não aconteceu como inicialmente previsto e o que é que pode ainda acontecer
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O dia 29 de março de 2019 chegou e não houve Brexit. Milhares de britânicos protestaram esta sexta-feira em Londres. Afinal de contas porque é que o Reino Unido ainda não saiu da União Europeia?

No referendo de 23 de junho de 2016, promovido pelo então primeiro-ministro britânico David Cameron, 52% dos eleitores britânicos que participaram votaram a favor do Brexit e 48% votaram contra o Brexit. A 29 de março de 2017 o governo britânico pediu oficialmente, por carta, a saída do Reino Unido da UE. Segundo os prazos estabelecidos no Artigo 50.º do Tratado de Lisboa, os britânicos deveriam ter saído da UE dois anos depois disso, ou seja, este dia 29 de março às 23.00.

Tal não aconteceu porque o acordo do Brexit que foi conseguido entre Londres e a UE27 em novembro de 2018 foi chumbado, já por três vezes na câmara dos Comuns, duas das quais de forma vinculativa. Pelo meio, a primeira-ministra conservadora, Theresa May, ainda sobreviveu a duas tentativas para a tirar do poder, uma em dezembro, com a moção de censura dentro do seu próprio Partido Conservador, outra em janeiro, com a moção e censura apresentada contra o seu governo pelo líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn.

Face à ausência de maioria para aprovar o acordo fechado pela chefe do governo com a UE, mesmo depois de ela ter voltado a Bruxelas para renegociar o controverso ponto do backstop, sobre a fronteira entre as duas Irlandas, Theresa May pediu à UE, segundo diz contrariada, uma extensão do Artigo 50.º. No meio do processo, secretários de Estado e ministros demitiram-se, deputados saíram do partido, surgiram rebeliões e conspirações de vários sítios.

Face ao pedido de extensão de May o que é que disse a UE?

No Conselho Europeu dos dias 21 e 22 de março, os chefes do Estado e do governo da UE27 decidiram por unanimidade conceder ao Reino Unido uma extensão do Artigo 50.º nas seguintes condições: se os britânicos aprovassem aquele acordo até dia 29 março o Brexit aconteceria a 22 de maio e o Reino Unido não teria de realizar eleições europeias, se não aprovassem o acordo, teriam até 12 de abril para apresentar um plano ou, caso contrário, sair nesse dia sem acordo.

Recorde-se que a distribuição de lugares no Parlamento Europeu em jogo nestas europeias de maio já tinha sido calculada tendo em conta a saída do Reino Unido da UE. No caso de Portugal, que vota nas europeias a 26 de maio, isso não tem implicações, porque mantém o mesmo número de eurodeputados, 21. No caso de outros países é diferente. A eventual participação de última hora dos britânicos nas eleições europeias obrigaria a mudar tudo de novo.

Tendo o Parlamento britânico rejeitado o acordo de novo esta sexta-feira o que acontece a seguir?

A rejeição esta sexta-feira foi só relativa à parte do acordo de retirada e não da declaração política, como aconteceu nas votações vinculativas de 15 de janeiro e a 12 de março. Esta foi a forma que May arranjou de contornar a oposição do speaker do Parlamento, John Bercow, que não permite que o acordo volte a ser votado sem ser alterado na sua essência.

O pomo da discórdia é o backstop, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após o Brexit, que é inaceitável para alguns deputados, sobretudo os 10 do Partido Unionista Democrático (DUP). May depende deles para ter maioria absoluta, uma vez que o Partido Conservador perdeu a maioria que tinha nas legislativas antecipadas de 2017.

Durante a votação desta sexta-feira, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, justificou o seu voto contra por considerar que o acordo de retirada (que contém o ponto do backstop) e a declaração política são indivisíveis. Apesar de tudo, Bruxelas indicou que isso poderia ser feito. Alguns opositores de longa data do acordo, como o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Boris Johnson, votaram a favor esta terceira vez, mas isso não foi suficiente.

Agora, na segunda-feira, os deputados vão votar numa segunda ronda de votos indicativos para encontrarem uma maioria alternativa ao acordo do Brexit de May, o que falharam fazer na quarta-feira. Nesse dia, a câmara dos Comuns, que dois dias antes votara para retirar as rédeas do Brexit das mãos de May, votou oito opções, mas não aprovou nenhuma. Entre as que obtiveram mais votos, porém, estiveram a proposta para submeter qualquer acordo a um segundo referendo ou para incluir uma união aduaneira no acordo final.

Se uma opção emergir da segunda ronda de votos parlamentares de segunda-feira, May poderá considerá-la, apesar de não ser obrigada a fazê-lo, podendo ir eventualmente ao ponto de absorver a proposta para juntá-la ao acordo do Brexit existente. Faltaria ver se Bruxelas aceitaria isso ou não. Ou então poderá tentar levar o acordo do Brexit a nova votação, mais uma vez, obrigando os deputados a escolher entre ele e a opção alternativa que tiver sido aprovada pelos deputados. Mas, mais uma vez, o speaker, John Bercow, poderá não permitir que isso aconteça. Mais uma vez por não terem sido feitas alterações significativas ao acordo.

E se na segunda-feira não emergir nenhuma alternativa clara?

Se nenhuma opção emergir (entre elas estão um segundo referendo ou uma união aduaneira), poderão ser convocadas eleições legislativas antecipadas no Reino Unido. Foi isso que defenderam esta sexta-feira no Parlamento vozes como o líder do Labour Jeremy Corbyn e o líder parlamentar dos nacionalistas escoceses Ian Blackford. Isso obrigaria os britânicos a participar nas eleições europeias de maio e a pedir uma nova extensão do Artigo 50.º.

In extremis, o Artigo 50.º poderia ainda ser revogado, como decidiu o Tribunal de Justiça da UE. E como exige uma petição popular que já chegou quase aos seis milhões de subscritores e será debatida pelo governo e no Parlamento na segunda-feira. Mas só porque é obrigatório e não porque o Executivo de May tencione seguir por essa via. Esta semana, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que a UE não deve trair os britânicos europeístas, como os que assinaram essa petição ou, na semana anterior, marcharam em Londres contra o Brexit.

Caso nada do que foi escrito nas linhas acima resulte, pode sempre haver No Deal Brexit a 12 de abril. Apesar de ser um cenário que só alguns brexiteers radicais desejam, foi dado, esta sexta-feira à tarde, como o cenário mais provável para a Comissão Europeia. Há meses que Bruxelas, o próprio governo do Reino Unido e os restantes Estados membros da UE preparam planos de contingência para um cenário de saída desordenada e sem acordo.

"O Reino Unido deve sair agora da UE a 12 de abril. Não há tempo suficiente para legislar sobre um novo acordo. O Reino Unido poderia pedir uma extensão maior [do Artigo 50.º] mas isso implicaria participar nas eleições europeias [de maio]. Os deputados irão considerar outras opções na segunda-feira mas temo que tenhamos chegado ao limite deste processo nesta câmara", declarou Theresa May, esta sexta-feira, referindo-se à segunda ronda de votos indicativos, que a câmara dos Comuns realiza segunda-feira.

Face a este novo capítulo no caos que se tornou o Brexit, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, anunciou no Twitter que vai convocar um Conselho Europeu de emergência no próximo dia 10 de abril, ou seja, dois dias antes do prazo para o Reino Unido encontrar um novo argumento ou então sair sem acordo da UE. A chanceler alemã Angela Merkel fez saber que vai estar na Irlanda, como o primeiro-ministro Leo Varadkar, na próxima quinta-feira. Varadkar tem tido o apoio unânime da UE27 no que toca ao ponto do backstop face às investidas de Londres, insistindo que o acordo do Brexit está fechado e não é passível de renegociação.

Num comunicado divulgado esta tarde a Comissão Europeia indicou que um cenário de No Deal Brexit a 12 de abril é o mais provável. "A Comissão lamenta o voto negativo de hoje na câmara dos Comuns. Segundo a decisão de 22 de março do Conselho Europeu o prazo concedido para a extensão do Artigo 50.º é 12 de abril. Cabe ao Reino Unido indicar qual o caminho a seguir, para que o Conselho Europeu possa analisar. Um cenário de No Deal a 12 de abril é o cenário mais provável. A UE tem estado a preparar-se desde dezembro de 2017 para um cenário de No Deal e está totalmente preparada para esse canário a 12 de abril. A UE permanecerá unida. Os benefícios do acordo de retirada, incluindo o período de transição, não serão, em qualquer circunstância, replicados em caso de No Deal. Mini-acordos sectorais não são uma opção", diz o referido comunicado da Comissão. Para que não restem dúvidas.

E o que acontece à primeira-ministra Theresa May?

Desde dezembro, May já prometeu a sua demissão duas vezes, aos deputados do Partido Conservador. A primeira vez, disse que não seria ela a candidata dos conservadores nas eleições de 2022 se a moção de censura interna contra si falhasse. E falhou. A segunda vez, foi na quarta-feira, quando prometeu demitir-se a seguir ao Brexit, se o seu acordo de saída da UE fosse aprovado. Não foi.

Resta ver o que fará a primeira-ministra, segunda mulher neste cargo no Reino Unido, se houver eleições legislativas antecipadas. Afinal de contas, ela só prometeu demitir-se se as eleições fossem, pelo calendário normal, em 2022. Mas neste momento já se avoluma a especulação sobre possíveis sucessores para May no Partido Conservador.

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