O Reino Unido exportou a sua confusão política para a Alemanha
O que aconteceu no Reino Unido em 2016 está a acontecer agora na Alemanha. Um referendo está a causar o caos total no sistema político. No caso alemão, não é um referendo nacional, mas uma votação entre os 464 mil membros do Partido Social Democrata de centro-esquerda.
Se eles votarem pela rejeição da grande coligação com Angela Merkel, chanceler e líder dos democratas cristãos, o reinado político dela poderá chegar abruptamente ao fim. Ou pode prolongar-se por um curto período de tempo até que novas eleições deem origem a uma nova maioria, possivelmente sem ela. Os resultados do referendo do SPD serão conhecidos a 4 de março. Será um grande dia para a Europa, já que a Itália também vai às urnas.
Na semana passada, a CDU, a CSU - a sua gémea bávara - e o SPD concordaram em renovar a sua atual grande coligação. Mas os estrategas do SPD e os comentadores políticos de Berlim subestimaram grandemente a revolta em curso entre as bases do SPD nos círculos eleitorais, que estão fartas de grandes coligações constantes. Eles argumentam, tal como eu, que as grandes coligações semipermanentes enfraquecem o centro a longo prazo e fortalecem os partidos radicais mais pequenos, como a Alternativa para a Alemanha.
Por um lado, o SPD obteve um grande sucesso nas negociações. Apesar da sua enorme perda de votos nas últimas eleições, acabou com alguns dos melhores lugares no governo. O Ministério das Finanças irá para Olaf Scholz, o presidente da Câmara de Hamburgo do SPD, um defensor da economia de oferta e conservador a nível fiscal. Martin Schulz, líder do SPD, queria ser ministro dos Negócios Estrangeiros.
Tudo isso não só não conseguiu impressionar as bases como reafirmou a suspeita de que na grande coligação é tudo sobre limusinas ministeriais e não sobre conteúdo. Kevin Kühnert, chefe da organização juvenil do SPD, salientou isso quando disse que era horrível que o SPD estivesse a falar sobre os seus próprios lugares no governo e não sobre políticas.
O que tornou tudo muito pior foram as reviravoltas sucessivas do senhor Schulz. Na noite das eleições, 24 de setembro de 2017, ele prometeu não entrar numa grande coligação com Angela Merkel. Antes, tinha prometido nunca ser ministro sob a sua liderança. Em cima dessas duas reviravoltas, ele deu uma terceira. Martin Schulz sempre falou sobre Sigmar Gabriel, atual ministro dos Negócios Estrangeiros e seu antecessor como líder do SPD, como sendo um seu amigo pessoal. Mas, no final das conversações da coligação, Schulz retirou Sigmar Gabriel, seu antigo amigo, da lista de ministros do SPD e decidiu ficar ele próprio com o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Isto, apesar do facto de Gabriel ser o político mais popular do SPD.
Nos dois dias que se seguiram rebentou a revolta. A liderança do SPD disse ao senhor Schulz para se retirar. Na sexta-feira, ele fê-lo. Ele já tinha anunciado a sua intenção de se demitir de presidente do partido. Celebrado como um político de sucesso há um ano, Martin Schulz perdeu tudo: as eleições, a liderança do partido e agora o potencial lugar de ministro dos Negócios Estrangeiros. Sigmar Gabriel provavelmente também terá de sair. É uma grande balbúrdia.
A grande questão é se o sacrifício de Schulz será suficiente para persuadir a maioria dos membros do SPD a votar a favor da grande coligação. A liderança do SPD saiu disto com a aparência de um grupo de conspiradores traiçoeiros. Da perspetiva dos membros do SPD deve ser certamente tentador livrarem-se deles e procurarem um novo começo.
Uma lição do referendo do Reino Unido foi que o resultado era basicamente incerto. A noção de que a votação a favor do brexit era inevitável - ou de que um segundo referendo sobre o brexit resultaria necessariamente num ou noutro resultado - é um absurdo. A incerteza é a lei.
Na Alemanha não há sondagens publicadas de membros do SPD. Espero que o executivo do SPD tenha levado a cabo sondagens privadas, e os acontecimentos extraordinários da semana passada sugerem que elas não foram boas. Isso está de acordo com as histórias que ouvi. Não tenho a certeza se a partida do senhor Schulz, embora necessária, será suficiente. Na verdade, muitos veem-no como uma vítima de uma intriga mais ampla. A irmã de Martin Schulz queixou-se do "ninho de víboras" da política de Berlim; algo que o seu irmão subestimou há um ano quando voltou de Bruxelas, onde era presidente do Parlamento Europeu.
O referendo do SPD ocorre de 20 de fevereiro a 2 de março. Os opositores da grande coligação, liderados por Kühnert, recrutaram 24 300 novos membros neste ano, a maioria dos quais se espera que votem contra. Os novos membros representam cerca de 5% do total e podem fazer pender a votação. E aqui está outro paralelo com o Reino Unido. Foi uma campanha para recrutar novos membros que elegeu Jeremy Corbyn como líder do Partido Trabalhista.
Não posso excluir a hipótese de os membros do SPD votarem por uma margem estreita a favor da coligação, mas atualmente não acho que a liderança do partido tenha maioria, mesmo com Martin Schulz fora do cenário. Ainda que haja uma votação a favor com uma pequena margem, é difícil ver como essa coligação, e Angela Merkel, podem durar um mandato completo.