O nível de tensão no Cáucaso, entre a Arménia e o Azerbaijão, continua elevado, apesar de nas últimas horas a situação poder ser descrita, de acordo com fontes oficiais, como "relativamente calma". Ainda assim, numa conferência de imprensa realizada na segunda-feira de manhã na capital Ierevan, Artsrun Hovhannisyan, membro das forças armadas arménias e porta-voz do gabinete de crise, sublinhou que o país se encontra "pronto para defender as suas fronteiras de qualquer tentativa de invasão ou violação da integridade territorial"..Apesar da relativa tranquilidade, entre a noite de domingo e a manhã de segunda-feira - segundo o que a porta-voz do Ministério da Defesa arménio, Shushan Stepanyan, contou ao DN - as forças armadas azeris violaram o frágil cessar-fogo por nove vezes, disparando e lançando granadas em direção a posições militares, tendo obrigado o lado arménio a devolver fogo..Até à recente escalada de violência da última semana, o ano de 2020 - o que em parte pode ser justificado pela pandemia de covid-19 - estava a ser mais pacífico do que os anteriores. Junho tinha sido mesmo o mês mais calmo de todos, sem quaisquer registos de incidentes, segundo dados do International Crisis Group..Os dois países acusam-se mutuamente pelo início das hostilidades recentes e condenam o outro por alegados ataques a civis. No passado dia 12 - na província de Tarvush, na zona noroeste da Arménia -, um veículo militar do Azerbaijão fez uma aproximação à fronteira que foi considerada provocatória. Esse foi o rastilho para as confrontações que se seguiram, consideradas as mais graves desde aquela que ficou conhecida como a Guerra de Abril, em 2016..Até ao momento, registam-se 17 vítimas mortais - 12 militares e um civil do Azerbaijão e quatro militares arménios. Segundo a agência de notícias arménia, os bombardeamentos azeris danificaram também 50 moradias junto à fronteira entre os dois países..Perigo nuclear.A belicosidade das declarações tem vindo a subir de tom, nomeadamente com o Azerbaijão a ameaçar com um ataque contra a central nuclear de Metzamur, localizada a cerca de 35 quilómetros da capital Ierevan. "Que o lado arménio não se esqueça de que temos armamento capaz de atingir com precisão a central de Metzamur, o que seria uma tragédia para eles", afirmou na passada quinta-feira o porta-voz do Ministério da Defesa do Azerbaijão, Vagif Dargyakhly.."Consideramos essas afirmações como terrorismo, bem como uma manifestação das intenções genocidas por parte do Azerbaijão", sublinha ao DN Anna Naghdalyan, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Arménia. "Por um lado, o Azerbaijão já por várias vezes se mostrou preocupado com as condições de segurança da nossa central nuclear, por outro lado, agora, ameaça destruí-la", acrescenta ainda a mesma responsável..Para Olesya Vartanyan, analista do International Crisis Group, um eventual ataque às instalações nucleares seria, por razões óbvias, uma espécie de "suicídio" para o Azerbaijão e colocaria em risco toda a região. "Muitas vezes as declarações são feitas para agradar internamente. Este é um desses exemplos", acrescenta, em declarações ao DN, a especialista em assuntos do Cáucaso. Não é a primeira vez que Ilham Aliyev, presidente do Azerbaijão, é acusado de espoletar conflitos com o intuito de desviar as atenções de problemas internos..Remodelação diplomática.A nível político, as recentes hostilidades também fizeram rolar cabeças. Elmar Mammadyarov, que ocupava o cargo de chefe da diplomacia do Azerbaijão desde 2004, foi demitido e substituído por Jeyhun Bayramov, ex-responsável pela pasta da Educação. Olesya Vartanyan lamenta as mudanças no Executivo azeri: "Não é bom que o ministro dos Negócios Estrangeiros seja afastado no meio de tensões muito sérias, precisamente quando era necessário um diplomata com experiência que pudesse dialogar com a comunidade internacional"..Há já algum tempo que a posição de Mammadyarov parecia em risco, depois de Hikmet Hajiyev, o principal conselheiro do presidente Ilham Aliyev para política externa - que em 2017 concedeu uma entrevista ao DN -, ter vindo a assumir cada vez mais protagonismo. Algo inesperado foi, no entanto, o ataque tornado público com que Hajiyev, na passada quarta-feira, dia 15 de julho, brindou o seu agora ex-ministro durante uma reunião do Executivo. "Nos últimos dias tudo se passou debaixo do meu comando. Tenho falado com o meu conselheiro Hajiyev provavelmente umas dez vezes por dia para dar orientações. E o que tem andado a fazer o ministro dos Negócios Estrangeiros? Onde tem estado? No dia 12, quando tudo começou, todos estávamos a trabalhar nos nossos gabinetes, mas não fui capaz de encontrá-lo". De acordo com os relatos das agências de informação internacionais, o presidente ter-se-á voltado então para o primeiro-ministro para que este esclarecesse o assunto. Ali Asadov, chefe do Executivo, informou que Mammadyarov lhe tinha dito que se encontrava a trabalhar a partir de casa..O DN tentou contactar por email o ministério dos Negócios Estrangeiros azeri, mas não obteve qualquer resposta..As tensões entre o presidente Aliyev e Mammadyarov tinham vindo a público nos tempos mais recentes. O ministro já tinha sido criticado pelo chefe de Estado depois de, nos últimos meses, ter sido reestabelecido o diálogo com a Arménia, em parte devido às questões sanitárias levantadas pela pandemia de covid-19. "Infelizmente, a nossa diplomacia tem-se vindo a envolver em negociações inúteis. Que tipo de negociações sobre a covid poderemos nós ter com um país inimigo que está em guerra connosco. É absurdo. Significa isto que iremos começar a cooperar com a Arménia?", pode ler-se num artigo publicado no site de notícias Eurasianet..Até que ponto as alterações no Ministério dos Negócios Estrangeiros podem ser interpretadas como uma alteração de política por parte do Azerbaijão? "É difícil dizer e será preciso esperar para ver. Em regra, a atitude de Baku relativamente ao processo de paz é resultado da ideologia e das preferências do líder do país e não dos seus oficiais. É assim há décadas", explica Olesya Vartanyan. Em declarações ao DN, Anna Naghdalyan, porta-voz do chefe da diplomacia arménia, alinha pelo mesmo diapasão: "A política externa do Azerbaijão é definida pela sua mais alta liderança".."Não excluímos a possibilidade de guerra".Na sequência dos recentes conflitos, na passada quarta-feira, as ruas da capital do Azerbaijão encheram-se de milhares de manifestantes, apelando à guerra aberta contra a Arménia e a uma solução militar para o conflito entre os dois países relacionado com o Nagorno-Karabakh (ver texto mais abaixo). Ao contrário do que se passou em 2016, desta vez os confrontos tiveram lugar longe daquela que é conhecida como a linha de contacto, a fronteira que separa o Nagorno-Karabakh, enclave controlado pela Arménia, mas inserido no território azeri. Ainda assim, este não é um facto novo, tendo no passado acontecido troca de fogo e vítimas mortais na fronteira oficial entre as duas nações.."Tendo em conta a retórica do Azerbaijão, não excluímos a possibilidade de os confrontos escalarem para uma guerra aberta", explica ao DN Shushan Stepanyan. "O conflito só pode ser resolvido pela paz. Isto é algo que já dissemos inúmeras vezes", acrescenta Anna Naghdalyan..O processo de paz entre os dois países, regido pelo Grupo de Minsk - formado em 1992 e que é liderado em conjunto pela Rússia, França e Estados Unidos -, há muito que não regista avanços e parece ter chegado a um beco sem saída. O governo de Baku continua a afirmar que jamais irá abdicar do Nagorno-Karabakh e as Nações Unidas não reconhecem a independência da região. Uma das questões que também tem funcionado como entrave às negociações é o facto de o Azerbaijão não aceitar que os responsáveis governativos de Stepanakert, a capital do Nagorno-Karabakh, se sentem à mesa das negociações..A comunidade internacional, nomeadamente a Rússia, os Estados Unidos e a União Europeia, reagiu aos recentes combates mais uma vez apelando à contenção e ao diálogo entre os dois países. Por outro lado, a Turquia rapidamente se colocou ao lado de Baku. "Condeno com veemência o ataque que a Arménia lançou contra o Azerbaijão, nosso país amigo e irmão. Estaremos sempre prontos para nos levantar em resposta a ataques contra a integridade territorial do Azerbaijão", afirmou o presidente turco Recep Tayyip Erdogan..Seguindo um apelo do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no final de junho, 170 países assinaram um apelo a um cessar-fogo global num altura em que o mundo se debate contra a crise sanitária provocada pela covid-19. O Azerbaijão não assinou o documento..A manutenção da paz no Cáucaso, mesmo que podre ou em banho-maria, reveste-se de uma importância muito significativa para a comunidade internacional, uma vez que a região serve como corredor de abastecimento de petróleo e gás natural entre o mar Cáspio e os mercados globais..Essa questão energética e a existência de numerosas comunidades civis ao longo da fronteira entre a Arménia e o Azerbaijão, ao contrário do que acontece na linha de contacto do Nagorno-Karabakh - uma área bastante menos populosa -, leva a que a analista Olesya Vartanyan desvalorize a possibilidade de um confronto armado em larga escala..Nagorno-Karabakh.Arménia e Azerbaijão, duas antigas repúblicas soviéticas, vivem desde a década de 1990 um conflito congelado relacionado com o domínio sobre o território do Nagorno-Karabakh. A génese das divergências remonta aos anos 20 do século passado, quando, na ressaca da Primeira Guerra, José Estaline decretou que esta região autónoma e de maioria arménia e cristã passaria a ser parte integrante da então recém-criada República Socialista do Azerbaijão, predominantemente habitada por muçulmanos xiitas. As décadas seguintes, vividas debaixo do unificador manto comunista, foram de relativa acalmia, mas tudo mudou com o colapso da União Soviética. Pouco tempo depois de o parlamento do Azerbaijão ter revogado o estatuto autónomo do Nagorno-Karabakh, em dezembro de 1991 a região declarou unilateralmente a independência. A tensão e os confrontos intensificaram-se e a guerra instalou-se. As armas só se calariam em 1994, com a vitória arménia. Desde então, o conflito ficou congelado. A paz nunca foi assinada e o país não é reconhecido por qualquer Estado-membro das Nações Unidas. Além de dominarem o território do antigo oblast soviético - composto por cinco províncias -, as forças arménias, em resultado das conquistas da guerra nos anos 90, controlam também outras sete regiões azeris, permitindo assim uma faixa de ligação com a Arménia.