Em 1981, a primeira aventura de Indiana Jones, Os Salteadores da Arca Perdida, com realização de Steven Spielberg, surgiu promovida com uma das mais simples, e também mais brilhantes, frases publicitárias que o marketing de Hollywood alguma vez inventou: "O regresso da grande aventura". Mais de quatro décadas depois, perante Indiana Jones e o Marcador do Destino (título original: Indiana Jones and the Dial of Destiny), importa não ceder a preconceitos e reconhecer que o quinto capítulo da saga do arqueólogo de chapéu e chicote volta a merecer a alegria da mesma frase..Há, pelo menos, duas razões que justificam tal asserção. Em primeiro lugar, o facto de o filme anterior, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, quarto e último dirigido por Spielberg, ter sido lançado em 2008 - uma espera de quinze anos não é, de facto, coisa comum na atual paisagem industrial pontuada por muitas cópias & sequelas. Depois, o domínio que os super-heróis da Marvel têm exercido sobre o espaço artístico e comercial da aventura, a ponto de imporem a noção pueril segundo a qual o espetáculo cinematográfico se confunde com a ostentação gratuita de proezas sustentadas por efeitos (ditos) especiais. A tudo isto, podemos acrescentar uma observação "psicanalítica", perversa e enigmática: a Marvel Entertainment e a Lucasfilm (produtora dos filmes de Indiana Jones) foram compradas pela mesma entidade, a Walt Disney Company, respetivamente em 2009 e 2012..Convenhamos que os problemas estruturais da franchise de Indiana Jones começaram antes do reinado dos estúdios Disney. Num passo em falso em tudo e por tudo contrário à inteligência criativa de Spielberg, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal era um empreendimento falhado, por vezes patético, de "promoção" da personagem central a um estereótipo de super-herói, nessa medida correndo o risco de decompor o sistema narrativo que, durante as décadas anteriores, sustentara o imaginário de Indiana Jones..Que imaginário é esse? Pois bem, aquele que reencontramos, agora, neste Marcador do Destino, ainda que sujeito à infeliz opção do título português. Como se torna claro face ao objeto que o filme exibe em várias cenas fulcrais, há uma inequívoca justificação para o original (dial of destiny): estamos perante um artefacto que, devidamente manipulado, funciona como um "relógio" que permite alterar a organização do tempo, enfim, a linearidade do "destino". Muitas vezes dado a títulos que alteram por completo o sentido dos originais, desta vez o mercado brasileiro optou por uma solução que, pelo menos, satisfaz o apelo simbólico da expressão inglesa: Indiana Jones e a Relíquia do Destino..Acontece que a questão do tempo, antes de ser um motor da aventura, impunha-se como um desafio inerente ao facto de Harrison Ford, intérprete insubstituível de Indiana Jones, ter chegado aos 80 anos (completará 81 a 13 de julho). Como relançar a personagem que ele começou por assumir no ano em que fez 39 anos (tendo 66 no filme anterior)? A resposta é dúplice: por um lado, as indispensáveis cenas "antigas" (na década de 1940, combatendo os nazis) foram resolvidas com as atuais técnicas de "rejuvenescimento" dos atores que conseguem, aqui, a mesma eficácia figurativa que já encontráramos em O Irlandês (2019), de Martin Scorsese; por outro lado, o presente da ação do filme é o final da década de 1960, com Harrison Ford "tal e qual", surgindo no filme através de um sobressalto pleno de ironia: dormitando na sua sala, é acordado pelo som estridente dos vizinhos do lado que estão a ouvir Magical Mystery Tour, dos Beatles....A escolha de James Mangold (nascido em Nova Iorque, em 1963) para dirigir o novo filme terá sido decisiva para o equilíbrio dos resultados, ainda que longe da sofisticação que distingue os momentos emblemáticos das três primeiras realizações de Spielberg. Ele possui os recursos, a versatilidade e a eficácia dos "artesãos" do cinema clássico, um pouco à maneira de alguém como Michael Curtiz que dirigiu títulos tão diversos como O Capitão Blood (1935), com Errol Flynn, e o clássico dos clássicos que é Casablanca (1942). Lembremos, a propósito, que a filmografia de Mangold inclui um magnífico policial com Sylvester Stallone, Copland (1997), o drama Vida Interrompida (1999), que vale um Oscar de actriz secundária a Angelina Jolie, ou ainda a biografia de Johnny Cash, Walk the Line (2005), com Joaquin Phoenix..Sem por em causa o ziguezague temporal que sustenta o filme, incluindo uma derivação "fantástica" resolvida com habilidade, Mangold soube preservar a identidade mitológica de Indiana Jones. A saber: estamos perante um herói que não abdica de combater os inimigos da liberdade, fazendo-o sem nunca perder as marcas, incluindo a vulnerabilidade, da dimensão humana. A sua coragem é indissociável do seu medo e isso, independentemente da idade, continua a fazer com que o sintamos próximo de nós..dnot@dn.pt