O regresso da Síria como membro da Liga Árabe é obviamente o fim simbólico do movimento das massas árabes chamado Primavera Árabe. Começou em 2011 e conseguiu mudar alguns regimes árabes, dando esperança aos cidadãos desses países de que tudo iria mudar. Algumas das famílias dominantes no Médio Oriente e Norte de África perderam os seus cargos e outras conseguiram sobreviver enfraquecidas e à beira de perder tudo..As massas árabes, especialmente a geração jovem, foram para as ruas, pedindo a introdução de reformas democráticas e o fim da corrupção e do terror político. Os pedidos eram justificados, tendo em conta que algumas das famílias governantes tentavam estabelecer-se como dinastias, mudando todo o sistema de governo para a autocracia total, não tolerando qualquer tipo de actividade política diversa..No final, ficou óbvio que, com algumas exceções, as coisas mudaram para um sistema modificado de governo de mão de ferro. A questão é o que estava por trás da criação malsucedida das democracias de estilo ocidental?.A resposta mais simplificada está na estabilidade perdida naqueles países numa situação em que um sistema de segurança, muito rígido e antidemocrático, foi desmantelado e não foi instituído um novo. As eleições trouxeram à tona grupos políticos mais bem organizados, que trabalhavam na clandestinidade durante os antigos regimes ou iniciavam a insurreição armada apoiada por alguns países estrangeiros que apadrinhavam a sua resistência aos regimes existentes, mais do que os seus planos para o futuro. Tendo em vista a experiência do Iraque e da Líbia, esses países obviamente perceberam que a queda dos antigos regimes não era garantia de que a nova prosperidade viria automaticamente. A questão era que, sem ajuda externa, os regimes existentes não entrariam em colapso, e também ficou claro que as coisas poderiam ser totalmente diferentes do esperado..E então eles decidiram retirar-se. A maioria dos soldados foi para casa, minimizando a sua influência no desenvolvimento da situação. Os novos intervenientes estrangeiros entraram em cena para competir e alguns dos antigos procuraram a melhor solução para restabelecer a estabilidade nos países. A estabilidade era muito mais importante do que a introdução da democracia de estilo ocidental..O regime sírio do presidente Bashar al-Assad perdeu muito na guerra civil. Eles tinham inimigos por todos os lados (Exército Sírio Livre, Curdos, Estado Islâmico, Turquia e outros), alguns aliados (Irão, Hezbollah, Rússia) e conseguem sobreviver controlando menos território do que antes. No entanto, mesmo isso bastou para o país ser considerado parceiro dos demais Estados árabes, Estados Unidos e Rússia, com os quais se pode estabelecer um acordo e esperar algum nível de estabilidade, tão importante para o Médio Oriente. Pode-se dizer que esta é uma política baseada na realidade do terreno, que só poderia ser alterada com a ajuda de forças estrangeiras e ninguém se interessou por isso. Além disso, a ameaça dos fundamentalistas islâmicos do Estado Islâmico ou organizações semelhantes parecia muito pior do que o regime existente em Damasco. Então, vamos tentar levar as coisas de volta ao início (no caso da Síria) ou para regimes fortes em outros países, capazes de dar estabilidade..As centenas de milhares de emigrantes são o preço a pagar e foi pago maioritariamente na Europa, mas os enormes problemas económicos permanecerão. A questão é, olhando para isso hoje, se esses países do Médio Oriente e Norte de África serão capazes de superar pelo menos algum grau de pobreza e destruição, causados pela guerra civil, ou as coisas permanecerão como estão até à próxima rodada de instabilidade e conflitos internos..A realpolitik, sem mudanças mais profundas, é sempre boa para resolver os problemas de hoje, mas não consegue trazer as mudanças necessárias para a estabilidade de longo prazo. Esta é a regra..Investigador do ISCTE-IUL e antigo embaixador da Sérvia em Portugal