O Rambo que nunca jogou pela seleção mas foi a duas fases finais
Já passaram mais de 20 anos desde que Jorge Martins pendurou as luvas. Não só deixou de jogar como também deixou o futebol. "Estou aposentado e não tive mais profissões depois de ter deixado de jogar", contou ao DN o antigo guarda-redes de Barreirense, V. Setúbal, Benfica, Farense, Belenenses e Quimigal, que aos 63 anos passa grande parte dos dias no café gerido pelo filho, o Keeper Café, na Baixa da Banheira, vila do concelho da Moita onde sempre viveu.
"Gostava de jogar, era uma profissão que exercia com prazer, mas acabou quando considerei que já era demais. Desde então não tenho estado ligado ao futebol. Acompanho apenas três ou quatro equipas através da televisão, mas pouco", afirmou o antigo guardião, confessando que nunca teve interesse em experimentar as funções de treinador, de dirigente ou empresário. "Chegaram a convidar-me para treinador de guarda-redes, mas acabou por não se concretizar", recordou, lembrando que essa função era bem diferente nos seus tempos de jogador: "Só tive um treinador de guarda-redes na minha carreira; o Conhé, em Setúbal."
Foi precisamente na cidade do Sado, na sua região, que teve desempenhos de tal forma convincentes que o levaram a estar presente na convocatória da seleção nacional para o Euro 1984, em França. Também viria a estar no Mundial do México dois anos depois, quando representava o Belenenses, mas nunca chegou a estrear-se pela equipa das quinas. "A culpa foi minha. Era um bocado relaxado, não aparecia nos treinos nem respondia a convocatórias. Nessa altura, havia guarda-redes que eram chamados apesar de serem suplentes nos seus clubes. Só jogava um. Não é como agora, que podem fazer jogos particulares com seleções como o Liechtenstein. Jogando eu no V. Setúbal e no Belenenses, não tinha grandes hipóteses mesmo que fosse melhor do que os outros."
Jorge Martins viveu por dentro os ambientes de um conjunto nacional que atingiu as meias-finais do Europeu, no regresso de Portugal às fases finais 18 anos depois, e que se ficou pela fase de grupos de um Campeonato do Mundo marcado pelo caso Saltillo. "Em 1984, era uma treta. Era uma grande confusão entre os jogadores, com alguns casos de pancadaria. No entanto, em 1986, o ambiente em Saltillo era fabuloso, mas fizeram de nós uns criminosos. O que é certo é que a seleção nacional cresceu a partir daí. A guerra que travámos sempre serviu para alguma coisa", vincou, nostálgico.
Bastos Lopes deu-lhe a alcunha
Após nove temporadas no Barreirense, com uma de intervalo ao serviço do Vitória de Setúbal, não conseguiu evitar a despromoção do clube do Barreiro à III Divisão em 1980, mas a boa época no plano individual catapultou-o para o Benfica.
Em dois anos na Luz jogou apenas duas partidas. "Estava lá o Bento, não tinha hipóteses. Não havia nada a fazer, era impossível", disse. Ainda assim, de águia ao peito ganhou... uma alcunha. "O Alberto Bastos Lopes disse que eu parecia o Sylvester Stallone e a partir daí chamavam-me Stallone ou Rambo. Durante o Mundial do México, sempre que íamos a uma boate, era conhecido pelas fãs como Rambo", recordou, bem-disposto, enquanto bebia imperiais no café do filho, que também foi guarda-redes mas em campeonatos secundários: "Era meu filho, o que complicava as coisas, porque havia muitas comparações."
Retoma em Faro e glória em Belém
Após praticamente duas épocas sem jogar na Luz, Jorge Martins deu um passo atrás e rumou ao Farense, que competia na II Divisão. Não podia ter corrido melhor. Os algarvios foram promovidos e o guarda-redes valorizou-se, transferindo-se para o V. Setúbal.
Passou duas boas temporadas no Bonfim, mas foi no Restelo, entre 1985 e 1989, que atingiu o ponto alto da carreira. "Fomos a duas finais de Taça de Portugal. Em 1986, perdemos com o Benfica (0-2), mas em 1989 ganhámos por 2-1. Essa foi uma das melhores exibições da minha carreira. Todos falam do golo do Juanico, mas esquecem-se de que havia um gajo lá atrás", lembrou o antigo guardião, que se recorda de outras grandes vitórias ao serviço dos azuis. "Ganhámos ao Barcelona para a Taça UEFA, em 1987-88. É um marco. Não é um título, mas é um grande orgulho", confessou. "No ano seguinte, eliminámos o Bayer Leverkusen, vencendo no Restelo e na Alemanha", prosseguiu. "Foram quatro anos fabulosos. Em 1987-88, ficámos em 3.º lugar, à frente do Sporting. Foi a melhor equipa do Belenenses em muitos anos", considerou, lembrando a então formação comandada por Marinho Peres.
Terminou nos distritais aos 41 anos
Após quatro épocas em Belém, regressou ao Vitória de Setúbal, naquela que foi a sua terceira aventura no clube. Despediu-se do futebol profissional ao serviço dos sadinos, em 1992, mas voltaria a calçar as luvas quatro anos depois.
"Estava a disputar um campeonato de velhas glórias em Lisboa quando apareceu o Joaquim Meirim a convencer-me a jogar pela Quimigal (antiga CUF e atual Fabril do Barreiro), porque havia o risco de despromoção à II Divisão Distrital. Mesmo com mais de 90 quilos, aceitei o desafio, fiz cerca de dez jogos e conseguimos evitar a descida", recordou, lamentando o estado do futebol no distrito de Setúbal, outrora um viveiro de craques. "Está de pantanas. Só temos o V. Setúbal, mas se tiver o azar de descer não se levanta mais", vaticinou.