O caos que ontem marcou o dia de eleições em Angola, sobretudo em Luanda, não deve servir para colocar um rótulo no acto eleitoral de um país que voltou a votar ao fim de 16 anos. Primeiro porque estes tropeções têm de ser entendidos à luz da realidade daquele país e daquele continente e depois porque o facto mais marcante destas eleições deve ser o passo dado pelos angolanos para vencer o trauma de que a luta política conduz, inevitavelmente, à guerra civil..Em relação aos problemas registados no acto eleitoral, com atrasos inexplicáveis e filas que podem ter demovido muitos cidadãos de votar, é verdade que é difícil aceitar tamanhas complicações num Estado que vinha adiando sucessivamente as eleições exactamente sob o pretexto de que não estavam criadas as condições técnicas e que se dizia preparado. Mas também é verdade que estas complicações resultam da fragilidade de quem não votava há 16 anos e têm de ser vistas desse prisma e não pelos olhos da velha e histórica democracia europeia. Além do mais, registaram-se sobretudo em Luanda, cidade onde votou 25% da população, e as suas consequências (os níveis de abstenção) só podem ser verdadeiramente aferidas quando forem conhecidos os números..Mas o resultado realmente importante destas eleições é o facto de os angolanos conseguirem afastar os fantasmas do passado, as reminiscências da guerra, percebendo que a luta eleitoral pode ser uma luta democrática. E isso tem um carácter único e um valor incalculável para o povo de Angola. . Já houve um tempo no qual se invocava "a pesada herança do fascismo" para justificar tudo o que corria mal no País. Afastando o slogan, é forçoso reconhecer que o que verdadeiramente nos pesa e nos pesará por mais uma década é a falta de qualificação profissional e académica. Mas mais grave do que a falta de conhecimentos é a cultura de indiferença dos portugueses perante o saber, nomeadamente, o saber científico, a sangria escolar prematura de um em cada dois alunos até aos 12 anos de escolaridade, as costas voltadas à nova economia que precisa de incorporar cada vez mais saber..Os números são conhecidos, mas vale a pena recordá-los: metade da população activa (2,8 milhões) tem menos que a escolaridade obrigatória de nove anos. Incluem-se nesse contingente 266 mil jovens. Outros 219 mil jovens não completaram o secundário. Tudo isto representa um atraso de qualificações face à Europa e, sobretudo, face à nova Europa a leste..A grande novidade é a de que os portugueses estão a sair da ancestral modorra face ao esforço de aceder ao saber e a inscrever-se em quantidades surpreendentes nas Novas Oportunidades. Desde o arranque do programa em 2006, já há 516 mil candidatos à conclusão do 9.º ano (48% do total) ou do 12.º ano (52%). Já foram certificadas 162 mil candidaturas e as inscrições não param de aumentar. Culturalmente, é uma viragem inédita, que precisa de dois milhões de vontades para sacudir de vez a tal pesada herança.