O que vale o Gana? Leia a análise de Mariano Barrreto ao adversário de Portugal
O Gana, adversário de Portugal na jornada inaugural do Grupo H do Mundial de futebol de 2022, na quinta-feira, concilia "disponibilidade física com qualidade técnica", avalia o treinador luso Mariano Barreto, que já orientou os africanos.
"Os ganeses têm alguns grandes desequilibradores, porque são muito habilidosos com a bola. Se não contivermos algumas das unidades principais, iremos ter muita dificuldade. Julgo que é muito mais complicado para Portugal defrontar equipas africanas, cuja noção não é ter bastante posse, mas atacar e fazer golo quando ganham a bola. É isso que as diferencia. O Gana praticará um futebol muito objetivo, com a finalidade de tentar jogar muito próximo da baliza portuguesa. É contra isto que certamente a nossa seleção vai ter de se preocupar", enquadrou à agência Lusa o antigo selecionador dos 'black stars', em 2004.
Portugal e Gana começam a disputar a 22.ª edição do Mundial na quinta-feira, às 19:00 locais (16:00 em Lisboa), no Estádio 974, em Doha, em jogo da primeira ronda do Grupo H, três horas após o embate entre Uruguai e Coreia do Sul, também na capital do Qatar.
"Há um lote de jogadores com grande experiência no futebol europeu, sendo que alguns atuam em clubes de referência. O Gana constituiu um grupo individualmente forte, mas teve pouco tempo para consolidar uma equipa. Por exemplo, a seleção portuguesa tem um grupo composto por um selecionador que está ali há oito anos. Para todos os efeitos, está há tempo suficiente para já ter transmitido uma ideia de jogo e construído um grupo de trabalho que responde às suas intenções todas", frisou Mariano Barreto, de 65 anos.
Ausentes da edição de 2018, na Rússia, os 'black stars' vão para a quarta presença no principal torneio mundial de seleções, depois de terem começado por vencer o Grupo G da segunda fase de qualificação africana, à frente de África do Sul, Etiópia e Zimbabué.
Os ganeses acabaram com os mesmos 13 pontos dos sul-africanos e em igualdade no confronto direto e na diferença de golos, tendo garantido o acesso ao 'play-off' devido ao maior número de tentos marcados (sete contra seis), já sob alçada de Milovan Rajevac.
Sucessor de Charles Akonnor após duas rondas, o selecionador sérvio resgatou no ano passado o cargo desempenhado entre 2008 e 2010, ano em que alcançou os quartos de final do Mundial disputado na África do Sul, mas seria despedido em janeiro por culpa da pior prestação pontual do Gana em 23 presenças na Taça das Nações Africanas (CAN).
As derrotas com Marrocos e Comores e o empate ante o Gabão precipitaram a quarta e última posição do Grupo C, apressando a nomeação do ex-avançado Otto Addo, de 47 anos, que esteve na estreia do país no Mundial2006 e se iniciou como técnico principal.
"A partir daí, tudo mudou. Mesmo sem ter muita experiência, este treinador foi chamado numa fase em que existia grande descrédito sobre o potencial do Gana, em função da prestação quase paupérrima na CAN, e conseguiu algo que poucos previam", recordou.
Os campeões africanos em 1963, 1965, 1978 e 1982 afastaram a Nigéria nos 'play-offs', graças aos golos marcados fora (0-0 em Cape Coast e 1-1 Abeokuta), levando Mariano Barreto a falar numa campanha "quase atípica" do 61.º classificado do 'ranking' da FIFA - pior registo dos 32 finalistas do Mundial2022 -, à qual "se pode aliar um pouco de sorte".
Esse passo lançou bases para uma reestruturação dos 'black stars' a caminho do Qatar, onde chegam com oito jogadores naturalizados entre os 26 convocados, dos quais cinco ainda nem consumaram a quinta internacionalização, com destaque para Iñaki Williams.
"Em função de já ter trabalhado no departamento de prospeção de Borussia Dortmund e Borussia Mönchengladbach, Otto Addo tinha conhecimento de muitos atletas de origem ganesa, alguns deles nascidos na Europa, que nem sempre faziam parte do elenco de selecionáveis, porque não atuavam em clubes sonantes. Juntou um grupo de jogadores após o apuramento face à Nigéria e construiu a equipa que estará no Mundial", explicou.
Referência atacante do Athletic Bilbau na última década, o hispano-ganês Iñaki Williams, de 28 anos, é a "maior estrela do momento" em Acra, secundada pelos influentes Daniel Amartey (Leicester), Thomas Partey (Arsenal) e Mohammed Kudus (Ajax) e pelos irmãos Jordan Ayew (Crystal Palace) e André Ayew (Al-Sadd), capitão e futebolista mais internacional.
"São jogadores que aliam a técnica à força, mas têm um défice transversal aos africanos, que é a cultura tática. No fundo, é aquilo que faz com que atletas predominantemente de grande qualidade técnica tenham grandes dificuldades de afirmação na transição para o continente europeu, pois surgem com idades já algo avançadas para poderem aprender aquilo que se tem de aprender em idades mais adequadas", acautelou Mariano Barreto.
O treinador, que voltou ao Gana em 2021 para uma experiência fugaz no Asante Kotoko, campeão em título e clube mais laureado do país, recorre ao extremo sportinguista Abdul Fatawu Issahaku, de 18 anos, que é o 'benjamim' dos 'black stars', para notar essa "falta de qualquer coisa" na seleção com a menor média etária presente no Qatar (24,7 anos).
"Jogava numa academia [Dreams], veio para Portugal com 18 anos e estará a fazer um grande trabalho para colmatar as suas deficiências. Não vai ser fácil o tempo que precisa para aprender tudo aquilo que faz um jogador afirmar-se na Europa. Há que saber ler o jogo, interpretar o momento, reagir e antever. O talento, por si só, não chega", concluiu.
O encontro de estreia no Grupo H do Mundial de futebol de 2022 "é mais importante para o Gana do que para Portugal", na quinta-feira, afiança o treinador português Mariano Barreto, que já orientou os africanos.
"É histórico estarmos habituados à máquina calculadora e a fazer as continhas todas até ao último jogo. Não seria a primeira, nem a segunda vez que isso aconteceria. Agora, se os ganeses perderem o primeiro jogo, pode ser o início da derrocada. O impacto de uma derrota causará certamente alguns problemas pela falta de consistência do grupo, e pela pressão de uma nação inteira, que só pensa em ganhar, assim como os atletas também querem", testemunhou à agência Lusa o técnico que orientou os 'black stars' em 2004.
Portugal e Gana começam a disputar a 22.ª edição do Mundial na quinta-feira, às 19:00 locais (16:00 em Lisboa), no Estádio 974, em Doha, em jogo da primeira ronda do Grupo H, três horas após o embate entre Uruguai e Coreia do Sul, também na capital do Qatar.
"Uma derrota do Gana poderá ter esse efeito pernicioso. Conheço-os nesse aspeto e sei que o limite do oito para o 80 não é assim tão longo, mas uma linha muito ténue entre a desilusão total e a euforia inebriante. Não acredito que seja um jogo fácil [para Portugal], porque depende de muitos fatores e variáveis, e uma delas é a imprevisibilidade", notou.
Reconhecendo que a formação das 'quinas' será "efetivamente favorita", Mariano Barreto adverte para a necessidade de "respeitar" o primeiro opositor da oitava presença lusa, e quinta seguida, na principal prova de seleções, que exibe "um grande sentido de nação".
"O Gana está parado, ninguém discute nada e todos estão concentrados na participação da sua seleção. Desde o mais pobre e miserável até ao mais rico, só falam de futebol. As estações de rádio passam 24 sobre 24 horas com entrevistas e debates sobre a seleção. Tenho falado com muitos amigos e dirigentes do Gana e a sua expectativa é de que irão considerar um fracasso tudo o que seja menos do que chegar às meias-finais", partilhou.
O técnico, de 65 anos, julga que essa fasquia "não será facilmente atingível", mas confia numa "prestação engraçada" do conjunto liderado pelo germânico-ganês Otto Addo, que se qualificou pela quarta vez para o torneio.
"O povo do Gana respeita Portugal pelo seu passado. Quando falam de Portugal, fala-se de Cristiano Ronaldo, que, a par de Lionel Messi, é um símbolo maior para os ganeses. Eles sabem que Cristiano Ronaldo joga na seleção nacional, mas acreditam que o Gana tem possibilidades de ganhar a Portugal", reiterou, sobre um país que alcançou uma vez os oitavos de final (2006) e outra os 'quartos' (2010), na única edição ocorrida em África.
Depois de ter liderado os 'black stars' nos Jogos Olímpicos Atenas2004 e no arranque da então inédita qualificação para o Mundial2006, Mariano Barreto quer que o Gana avance para a fase seguinte como vice-líder da 'poule', atrás de Portugal, invertendo o desenlace de 2014, quando ambos se despediram logo na fase de grupos com um êxito luso (2-1).
"A partir daí, só gostaria que Portugal tivesse a possibilidade de ir à final, porque tem um conjunto de jogadores que me leva a crer que é possível. Julgo que nunca estivemos tão próximos de poder dizer isto com tanta objetividade. No passado, a seleção teve atletas que constituíram grandes equipas e brilhavam no campo, mas não ganhavam. Hoje, há o paradoxo de às vezes se dizer que não jogámos coisa nenhuma, mas vencemos", frisou.
Portugal emerge como "um dos grandes candidatos" para juntar um inédito título mundial às conquistas do Euro2016 e da Liga das Nações de 2019, numa edição que contraria a habitual calendarização no final da época e decorre desde domingo sob o outono boreal.
"Em termos de qualidade, julgo que iremos ter uma prova de elevadíssima qualidade, ao contrário do que tem acontecido nos diversos Mundiais, em que não vemos partidas de grande qualidade, os jogadores estão cansados e desejosos de férias e nada de novo ou de substancial é revelado. Julgo que o Mundial2022 tem este aliciante e encontraremos atletas em grande forma", aponta o treinador, que regressou ao Gana em 2021 para uma passagem fugaz pelo Asante Kotoko, campeão em título e clube mais laureado do país.
Por causa do clima desértico do Qatar, com temperaturas médias de 50 graus celsius no verão, o Mundial2022 provocou uma inédita interrupção da maioria das provas de clubes, encolhendo a preparação das seleções para uma semana, em vez das tradicionais três.
"No plano qualitativo, julgo que quem está mais prejudicado é o Gana, visto que não teve tanto tempo para preparar a sua equipa para esta prova, devido às mudanças técnicas. Esse será o lado que a seleção portuguesa deve aproveitar para não deixar os ganeses ganharem confiança, porque, se deixar que eles acreditem, não vai ser fácil", acautelou.