Talvez pela primeira vez desde que começou esta pandemia, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) acertou no que disse - e em tempo útil. Numa altura em que a covid se espalha na Índia como fogo na palha, com 400 mil casos diários, Tedros Ghebreyesus veio apelar às nações mais desenvolvidas para que deem prioridade à vacinação entre os países mais pobres e vulneráveis, para que doem as suas vacinas em vez de as usarem para avançar com a imunização de crianças e jovens - entre os quais a incidência do vírus é maioritariamente leve e inconsequente..Enquanto não se atacar a covid nessas regiões do mundo, ninguém poderá descansar, vincou o líder da OMS, numa constatação que tem tanto de verdadeiro quanto é surpreendente que em 2021 continue a ser preciso chamar a atenção para as necessidades daqueles que vivem pior do que nós..A triste realidade é que continuamos a viver pacificamente com o conhecimento de que nos países menos desenvolvidos ainda se morre de doenças há muito erradicadas da Europa. O sarampo e a rubéola, por exemplo, mataram quase um milhão de crianças nos últimos cinco anos, com particular incidência em países africanos, mas também no Brasil. Só em 2020, a malária fez perto de meio milhão de vítimas em África, sobretudo bebés. E se deste lado do mundo o HIV/sida é quase uma doença crónica, esse vírus matou 700 mil pessoas só em 2019, com a média de novas infeções a ascender a 4500 por semana só entre as adolescentes africanas no ano passado..Os números chocantes da base de dados da ONU explicam-se pela disparidade de condições entre regiões e pelas dificuldades de diagnóstico, prevenção (incluindo vacinas) e tratamento nas zonas mais pobres. Áreas que não têm a capacidade financeira, política ou sequer logística para assegurar os mínimos para os povos que nelas habitam. Se aqueles que têm essa capacidade não ajudarem, a prazo, este coronavírus - adaptado para conseguir atacar hospedeiros habituados a combater vírus agressivos com que os europeus já não têm de lidar - será mais uma causa de devastação nas regiões que já tão pouco têm. E será uma questão de tempo até que essas variantes encontrem forma de voltar a circular no resto do mundo..Em pleno século XXI, já não devia ser preciso lembrar que há quem tenha menos sorte do que nós. Já não deviam ser precisos alertas para a solidariedade acontecer. Infelizmente, a bolha em que vivemos está cada vez mais opaca e envenenada de umbiguismo. Pois, se não é pelos demais, então que se ajude por mero egoísmo: ou o mundo se une contra a covid ou nunca se livrará verdadeiramente dela.