Apesar de a Turquia ter uma economia mais diversificada do que a Venezuela, que é extremamente dependente do petróleo, se o todo-poderoso presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, continuar na atual deriva do quero, posso e mando sem ligar a quase nada e a quase ninguém, o país com perto de 80 milhões de habitantes poderá entrar em colapso financeiro. O aviso vem do Ashmore Group Plc, grupo britânico gestor de investimento, especializado em mercados emergentes.."O problema é que a volta de 180 graus em relação às boas políticas tem grandes custos políticos. Quanto mais ele adiar, maior será o custo, razão pela qual os políticos que vão por um caminho muito heterodoxo raramente mudam de rota e acabam, normalmente, numa crise", declarou, citado pela Bloomberg, Jan Dehn, responsável pelo departamento de investigação do Ashmore Group Plc.."O governo culpa outros grupos em vez de si próprio, porque isso dá resultado politicamente, mas apenas serve para deixar os investidores e o mundo dos negócios mais preocupados, pois Erdogan precisará, cada vez mais, de mais bodes expiatórios, à medida que a economia vai piorando", refere o mesmo especialista, citado pelo EUObserver.com. O mundo dos negócios, sublinha, "começará em breve a tomar medidas para defender a sua riqueza - isso pode resultar em fuga de capitais, em redução de investimento, entre outros"..O responsável daquele grupo com sede em Londres admite que existe a probabilidade de Erdogan, de 65 anos, contra-atacar com medidas que poderiam passar por "controlo de capitais, nacionalizações, conversão forçada de contratados de euros para liras". Todas essas eventuais medidas, realça, resultariam "na eventual incapacidade de o governo se financiar, na falta de crescimento, de futuro e numa grande crise"..Governador do banco central demitido por decreto por recusar baixar taxas de juro.Reeleito presidente a 24 de junho de 2018, com quase 53% dos votos e poderes ultrarreforçados depois da reforma que marcou a transição do país para um sistema presidencial, Erdogan, líder do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), tem visto a economia tornar-se a sua maior dor de cabeça..Esta entrou em recessão no quarto trimestre do ano passado, a taxa de desemprego situa-se nos 14% - o valor mais elevado dos últimos dez anos - e a inflação anda nos 15,7%. No ano passado, realça a Reuters, a lira turca afundou 30%. Em apoio à moeda nacional, o governador do Banco Central da Turquia, Murat Cetinkaya, subiu então as taxas de juro de 11,25% para o dobro, ou seja, 24%..Erdogan, porém, considera que é agora tempo de baixar as taxas de juro. E, como o governador do banco da Turquia não estava de acordo, demitiu-o. Neste sábado de manhã. Por decreto publicado no jornal oficial do Estado. O mandato de quatro anos de Murat Cetinkaya terminava apenas em 2020. Foi substituído pelo seu vice, Murat Uysal..Não houve explicação oficial para a demissão do governador, mas o chefe do Estado turco foi citado pelo site do jornal Haberturk a fazer as seguintes afirmações: "O banco central é o elemento mais importante e um pilar financeiro da economia. Se não for totalmente revisto, se não tiver alicerces sólidos, poderemos viver problemas muito sérios. Mais importante, ele não inspira a confiança dos mercados. A sua comunicação com os mercados não era boa.".Assim, é de esperar que, na próxima reunião do banco, a 25 de julho, seja decidido um corte nas taxas de juro. "A expectativa que existe nos mercados é a de que poderá haver um grande corte nas taxas de juro", declarou, à Reuters, Yusuf Kavak, analista da Isik Securities. "A demissão [do governador] está em linha com a insistência de Erdogan em impor diktats sobre a política monetária e, a um nível mais vasto, sugere um apertado controlo presidencial das políticas económicas", afirmou, por seu lado, Phoenix Kalen, diretora de estratégia da Société Générale. "A política monetária poderá ser ainda mais definida por pressão política, o que levará a um corte agressivo das taxas de juro, que poderá minar a estabilidade do mercado financeiro e a procura local", acrescentou a mesma especialista, numa nota, citada pela Reuters..Sinal de que algo vai mal na economia turca é também a injeção de cerca de 4400 milhões de euros feita nos bancos públicos para tentar menorizar os efeitos do crédito malparado, reportou o jornal espanhol El País. A decisão foi tomada pelo ministro das Finanças turco, Berat Albayrak, genro de Erdogan (casado com Esra Erdogan Albayrak, uma dos quatro filhas do presidente turco)..A juntar a isto, o facto de, no mês passado, a Moody's ter baixado o rating turco para B1 com "perspetiva negativa". Justamente por causa dos receios de um corte nas taxas de juro. Já depois da demissão do governador do banco turco, num comunicado citado pelo EUObserver.com, a Moody's fez saber que a Turquia permanece "altamente vulnerável a um período prolongado de volatilidade financeira e económica. As sanções que o Congresso dos EUA vai considerar ensombram ainda mais o sistema económico e financeiro da Turquia"..O sistema de defesa antimíssil russo e as ameaças de sanções dos EUA e da UE.A demissão do governador do Banco Central da Turquia coincide com a chegada, prevista para breve, do novo sistema de defesa antimíssil encomendado pelo regime turco aos russos..O S-400 é de fabrico russo e, segundo os EUA, incompatível com os radares da NATO, organização da qual a Turquia faz parte. A Turquia tem, aliás, o segundo maior Exército da Aliança Atlântica..O presidente dos EUA, Donald Trump, já ameaçou Ancara com sanções se o regime de Erdogan puser em funcionamento aquele sistema antimíssil.."O S-400 deve ser entregue nesta semana. Se houver sanções por parte dos EUA, juntamente com as expectativas em relação ao que vai fazer o banco central, a lira" pode cair ainda mais, alerta desde logo, Yusuf Kavak, analista do Isik Securities..Mas aquele aviso de sanções não foi o único feito pelos EUA de Trump. Também as prospeções de petróleo levadas a cabo pelo regime de Erdogan numa zona de águas disputadas no norte de Chipre originaram sérias advertências.."Instamos as autoridades turcas a parar todas as suas operações e apelamos a todas as partes para atuarem com contenção de forma a evitarem ações que possam aumentar a tensão na região", indicou o Departamento de Estados dos EUA, depois de o Ministério dos Negócios Estrangeiros de França ter declarado: "Apelamos à Turquia para que evite qualquer ação que seja ilegal e que possa pôr em causa a estabilidade regional.".Além de França e dos EUA, também a Grécia, grande aliada da República de Chipre, protestou. Se as prospeções prosseguirem, refere o EUObserver.com, a UE pode vir a congelar as ajudas que dá à Turquia e também os empréstimos concedidos ao país pelo Banco Europeu de Investimento..Citada pelo mesmo site especializado em temas europeus, a Alta Representante da UE para a Política Externa, Federica Mogherini, declarou tais prospeções ilegais. "Apelo, mais uma vez, às autoridades turcas, para que se abstenham deste tipo de ações, que ajam de acordo com o espírito de boa vizinhança, em respeito pela soberania e dos direitos de soberania da República de Chipre em concordância com o direito internacional", afirmou a italiana..A perda de aliados de peso e a derrota em Istambul.A demissão por decreto do governador do Banco Central da Turquia levou à saída do AKP de uma importante figura do partido: Ali Babacan, ex-vice-primeiro-ministro turco, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, que foi responsável pela pasta das negociações de adesão da Turquia à UE. Os turcos estão a negociar oficialmente a sua adesão à UE desde 2004. As relações têm tido muitos altos e baixos. Mais baixos, desde que Erdogan decidiu capitalizar a insatisfação que existe entre a população turca pela lentidão do processo e passar a confrontar, sempre que possível, os seus parceiros do Ocidente. Em 2017, o Parlamento Europeu já chegou a sugerir a suspensão das negociações de adesão. Mas o facto - e Erdogan sabe disso - é que a UE precisa desesperadamente da Turquia para controlar os fluxos de migrantes e refugiados. Sobretudo os que procuram chegar pela chamada rota dos Balcãs.."Nos últimos anos, surgiram profundas divergências entre as medidas adotadas em numerosos domínios e os valores, ideias e princípios em que acredito. Vivi uma rutura de espírito e de coração. Nas condições atuais, a Turquia tem necessidade de uma nova visão para o seu futuro. O nosso país tem necessidade de análises justas em todos os domínios, de estratégias, de planos e programas repensados", afirmou, em comunicado, Babacan..Um dos fundadores do AKP em 2001, Babacan sublinhou, dando a entender a intenção de lançar um novo movimento na Turquia. "Os direitos humanos, a democracia avançada e o primado do Estado de direito são princípios indispensáveis. Trabalhei na sua defesa desde o primeiro dia em que entrei na política. E, se Deus quiser, vou continuar a fazê-lo. A necessidade de iniciar um novo esforço para o presente e futuro da Turquia tornou-se inevitável. Eu próprio - e ainda numerosos companheiros - sentimos uma responsabilidade histórica para empreender este esforço.".Entre os numerosos companheiros por ele referidos poderão estar o ex-presidente turco Abdullah Gul e o ex-primeiro-ministro turco Ahmet Davutoglu. Gul saiu do partido para expressar o seu descontentamento com a decisão e ordenar a repetição das eleições autárquicas em Istambul, depois de o AKP ter saído aí derrotado..As eleições repetiram-se, sim, a 23 de junho passado. E foi pior a emenda do que o soneto. Se nas primeiras eleições, realizadas a 31 de março, o candidato da oposição, Ekrem İmamoğlu, teve apenas 13 mil votos de vantagem em relação ao do AKP, Binali Yıldırım, na repetição a vitória por quase 800 mil votos de diferença não deixou margem para dúvidas..A derrota na principal cidade da Turquia, com 16 milhões de habitantes, veio trazer um novo ânimo aos que no país fazem oposição a Erdogan. E muitos media escreveram análises sobre se este resultado destas autárquicas não seria um princípio do fim do Erdogan todo-poderoso..As acusações à UE e as altercações com a polícia da Bósnia.Na segunda-feira, em Sarajevo, capital da Bósnia, Erdogan e os seus guarda-costas deram mais uma vez mostras de uma certa arrogância. Os seguranças do presidente turco envolveram-se em altercações com agentes da polícia da Bósnia e Herzegovina, reportou a Deutsche Welle, por se recusarem a entregar as suas armas.."Eles foram muito agressivos e comportaram-se como se estivesse no seu próprio país. Eles não respeitaram as nossas leis e mereciam ter sido presos", declarou o chefe da polícia de fronteiras da Bósnia, Zoran Galic, citado pelo site de notícias Dnevni Avaz..Em Sarajevo, Erdogan fez declarações críticas da União Europeia, a qual acusou de não querer saber dos refugiados sírios e de bloquear o processo de adesão de países dos Balcãs, como a Albânia e a Macedónia do Norte (nome recentemente adotado após acordo com a Grécia).."Nós lidámos com muitas tragédias humanitárias no Egeu e impedimos muitas travessias irregulares para a Europa... Mas não tivemos o apoio e a abordagem humanitária que esperávamos por parte dos nossos amigos europeus durante este difícil processo", declarou o presidente turco, afirmando que, dos seis mil milhões de euros de ajudas para os refugiados que foram prometidos pela UE, a Turquia só recebeu 2,5 mil milhões..Além disso, frisou, "recentemente, os círculos populistas, de visão curta, bloquearam o alargamento político da UE. Estas tendências negativas para a divisão e para a discriminação espalharam-se por todo o continente e colocam em perigo não só a paz dentro da UE mas também o potencial e a esperança para a região dos Balcãs"..77 mil pessoas detidas desde o golpe falhado de 2016.No dia 15 de julho passam três anos desde o golpe de Estado falhado contra Erdogan. Desde então, refere a Reuters, 77 mil pessoas foram presas e 150 mil funcionários públicos ou militares foram despedidos ou suspensos de funções..As últimas detenções de que há notícia datam desta terça-feira: 176 militares, entre os quais estão um coronel, dois tenentes-coronéis, cinco majores, sete capitães e cem tenentes. A operação visou o Exército, a Força Aérea e a Marinha, segundo um comunicado do gabinete do procurador-geral de Istambul, citado por aquela agência noticiosa..Erdogan acusa o clérigo islâmico Fethullah Gülen e os seus partidários de estarem na origem do golpe falhado. Gülen, autoexilado nos EUA, nega. Mesmo assim, o presidente turco quer convencer os EUA de Trump a extraditarem Gülen para a Turquia..Ancara defende a onda de repressão com a necessidade de desmantelar o que diz ser a ameaça colocada pelo aparelho de Gülen à segurança do Estado turco. Porém, entre os seus aliados ocidentais várias organizações de defesa dos direitos humanos criticam uma tal campanha, acusando Erdogan de usar o golpe falhado para fazer uma limpeza e eliminar todos os seus opositores e críticos.