O que promete o último Orçamento de Centeno
Faltavam dez minutos para a meia-noite quando Mário Centeno entregou a Ferro Rodrigues a pen com o Orçamento do Estado para 2019. Um atraso que já se antecipava durante a tarde - quando o BE e o PCP afirmaram ter tido reuniões de última hora para esclarecer dúvidas - e que obrigou a adiar a conferência de imprensa de apresentação das contas do Estado para esta terça-feira, às 8.30.
Entre as principais medidas inscritas no documento, contam-se os prometidos aumentos extraordinários para os pensionistas, descongelamento de carreiras na função pública, benefícios para os emigrantes que queiram regressar e passes mais baratos, entre outras medidas que prometem melhorar a vida dos portugueses. Por outro lado, as tabelas do IRS não sofrem alterações, o que implica perder poder de compra para as famílias.
No cenário macroeconómico traçado pelo ministro das Finanças, destaca-se a menor variação na criação de emprego desde o tempo da troika: 0,9% de crescimento. De resto, as previsões apontam para que o país consiga um crescimento real de 2,2%, com o consumo a evoluir 2,3% e as exportações a abrandar para 4,6%.
Um Orçamento que Centeno diz "prosseguir o caminho do rigor e do equilíbrio das contas públicas", mas que faz soar as campainhas no Conselho das Finanças Públicas. A instituição dirigida por Teodora Cardoso aponta alguns riscos no cenário traçado pelo governo e nas contas para o próximo ano.
Aqui ficam algumas das principais medidas previstas no Orçamento do Estado para 2019.
Ao contrário do que sucedeu nestes últimos três anos, em 2019 não haverá qualquer mudança nos escalões do IRS. O que significa que as famílias perdem poder de compra. Depois de em 2018 ter alargado o número de escalões (de cinco para sete) e ajustado as respetivas taxas, o governo optou agora por mantê-los inalterados em 2019, não procedendo sequer à sua atualização em linha com a inflação esperada (1,4%). Esta decisão acaba por ter impacto no imposto pago pelas famílias no final do ano e por penalizar os contribuintes que tenham algum aumento salarial.
Como já tinha sido antecipado pelo DN, o governo prevê uma descida de mais de 10% na fatura de energia das famílias. No relatório do Orçamento do Estado para 2019, o governo sublinha a aposta na redução da fatura energética das famílias e, "adicionalmente aos 190 milhões de euro transferidos em 2018 para abater ao défice tarifário", anuncia que "em 2019 serão transferidos mais 200 milhões de euros para reduzir a dívida tarifária".
Conforme prometido, o governo acena com incentivos para emigrantes que queiram regressar ao país. Um emigrante que regresse a Portugal no próximo ano e opte pelo novo regime fiscal vai pagar metade ou apenas um terço do IRS que pagaria se aderisse ao regime de residente não habitual (RNH). Mas esta vantagem fiscal apenas é válida nos primeiros cinco anos. Esgotado este prazo, o RNH torna-se mais vantajoso e, ao fim de dez anos, acaba por ficar este a ganhar.
No que respeita à saúde, o governo compromete-se a rever o número de utentes atribuídos a cada médico de família quando for alcançada a cobertura de 99% com médico designado. A redução do número de utentes por médico de família tem sido uma das principais reivindicações dos sindicatos médicos. Atualmente, os médicos têm listas até 1900 utentes cada e os sindicatos advogam uma redução até aos 1500.
Outra promessa cumprida: a redução de preços nos passes sociais. Uma medida que chega com uma fatura de 83 milhões de euros para o Estado. O PART - Programa de Apoio à Redução Tarifária vai entrar em ação a partir de 1 de abril em todo o país.
As pensões também sofrem alterações significativas. Tal como aconteceu em 2017 e 2018, as pensões de valor mais baixo (até 1,5 indexantes de apoios sociais) vão ter um aumento extra que somado ao que resultar da atualização que decorre da lei irá totalizar seis ou dez euros. A grande diferença é que em 2019 este aumento extraordinário chegará já em janeiro, quando a partir do dia 12 desse mês as pensões começarem a ser pagas. Como este aumento é atribuído por pensionista e não por pensão, prevê-se que chegue a 1,6 milhões de pessoas. De acordo com os valores que o governo avança na proposta do OE para 2019, este aumento extra a começar em janeiro irá implicar um aumento na despesa da ordem dos 137 milhões de euros.
Como fora já antecipado, o Orçamento do Estado para 2019 acaba com o pagamento especial por conta (PEC), e esta medida terá um impacto negativo de cem milhões de euros na receita do IRC. Na proposta de lei que nesta segunda-feira foi entregue no Parlamento está previsto que as empresas podem pedir junto da Autoridade Tributária a dispensa do PEC, devendo fazê-lo até ao final do terceiro mês do respetivo período de tributação, desde que as obrigações declarativas relativas aos dois períodos de tributação anteriores tenham sido cumpridas. Esta dispensa é atribuída "por três períodos de tributação", cabendo à AT verificar a situação tributária da empresa. O fim do PEC - também apelidado de coleta mínima - era reclamado pelos empresários e resultou das negociações entre o governo e o PCP.
A CP - Comboios de Portugal poderá contar com um financiamento do Estado de até 40 milhões de euros para as suas operações. Esta verba é atribuída pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), que pertence ao Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, liderado por Pedro Marques. O Orçamento do Estado não clarifica, no entanto, se este será o montante da indemnização compensatória que a CP vai voltar a receber a partir de 2019 na sequência do contrato de serviço público entre a empresa e a CP.
Da proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano consta uma proposta de lei que abre a possibilidade à criação de um contributo especial para as empresas que explorem a floresta. "Fica o governo autorizado a criar a contribuição especial para a conservação dos recursos florestais, com o objetivo de promover a coesão territorial e a sustentabilidade dos recursos florestais", pode ler-se no documento. No âmbito desta proposta, poderá ser estabelecida "uma taxa de base anual a incidir sobre o volume de negócios de sujeitos passivos de IRS ou IRC que exerçam, a título principal, atividades económicas que utilizem, incorporem ou transformem de forma intensiva recursos florestais."
Um fundo para apoiar as exportações é outra novidade inscrita neste OE. O Fundo de Fundos para Investimento, destinado a apoiar a internacionalização das empresas portuguesas, vai ter o capital aumentado em 20 milhões de euros, depois da sua constituição neste ano com um capital inicial de cem milhões de euros, de acordo com a proposta de orçamento para 2019. O Fundo de Fundos para a Internacionalização destina-se a permitir a participação deste fundo em operações de coinvestimento com fundos terceiros, públicos ou privados. A medida integra a estratégia do atual governo para aumento da atividade exportadora.
De acordo com a proposta do OE para 2019, os funcionários públicos que vão progredir a partir de janeiro começam por receber 50% do acréscimo remuneratório a que têm direito. O pagamento do acréscimo remuneratório dos funcionários públicos que apenas em 2019 reúnem condições para progredir na carreira começa a ser pago a 50% em janeiro, mantendo-se este valor até ao final de abril. Observando-se o calendário previsto no OE que vigora neste ano, observa-se então um aumento para 75% em maio. A restante fatia de 25% chegará em dezembro.
Vai duplicar o investimento em grandes obras públicas em 2019. Isso mesmo está previsto nas contas de Centeno. O governo promete uma subida de 17% no investimento público total no ano que vem, com 4,8 mil milhões de euros a ir para a economia. Segundo o documento, em 2019 "espera-se que o investimento em grandes projetos estruturantes atinja os 1100 milhões de euros, um aumento de 500 milhões face ao ano anterior, incluindo o financiamento por fundos europeus". Caso se confirme, estamos a falar de um aumento anual de 83%. "Este investimento dá continuidade a um programa ambicioso de expansão da capacidade produtiva do país."
"O governo fica autorizado a aumentar o endividamento líquido global direto até ao montante máximo de dez mil milhões de euros", diz a nova proposta inscrita no OE 2019. O valor é 200 milhões de euros mais baixo do que o que vigora neste ano (10,2 mil milhões de euros).
Centeno decidiu manter no próximo ano os incentivos à compra de veículos elétricos através do fundo ambiental. Também prossegue o programa de incentivo à mobilidade elétrica, "apoiando a introdução de 600 veículos elétricos exclusivamente para organismos da administração pública, incluindo a local". Segundo informação da tutela, consultada na segunda-feira, quanto aos incentivos atuais à compra de veículos elétricos, houve nos automóveis 1400 candidaturas recebidas e 83 excluídas, enquanto nos pedidos para motociclos e ciclomotores foram registadas 28 candidaturas e a exclusão de três.
Deste OE 2019 faz parte uma medida inédita: o governo vai apertar o controlo a hospitais menos eficientes e premiar os melhores. Onze hospitais públicos vão ter um novo modelo de financiamento, que passa por responsabilizar os gestores mediante o seu desempenho, enquanto outras unidades menos eficientes vão ser acompanhadas por peritos em gestão hospitalar. Segundo a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2019, haverá um grupo de 11 hospitais identificados como mais eficientes que terão um reforço orçamental, uma verba mais alinhada com a sua dimensão. Com estes hospitais, não identificados no documento, vai ser assinado até fim do próximo ano um contrato de gestão para responsabilizar os gestores dos hospitais, com incentivos ou penalizações baseados no seu desempenho assistencial e económico-financeiro.
O investimento em ciência e tecnologia deverá subir 11,5%, para 616,5 milhões de euros, de acordo com o programa orçamental para o setor. Segundo a tutela, estas dotações permitem apoiar a contratação de investigadores doutorados e assegurar o financiamento dos projetos de investigação em curso e o pagamento de 1600 contratos de trabalho de cientistas no âmbito do concurso de projetos de 2017, mas cujos resultados finais foram conhecidos em junho deste ano. Em percentagens menores, também crescem as dotações para os laboratórios, em processo de avaliação, que sobem 7,6%, para 138 milhões de euros, e para a cooperação internacional, que aumentam 7,1%, para 57,2 milhões de euros.
O Ministério da Agricultura terá 1217,9 milhões de euros para gastar em 2019, uma subida de 16% relativamente ao último OE. De acordo com o documento, "no subsetor Estado verifica-se um aumento de 19,9%, mais 69,2 milhões de euros, repartido entre dotações do Orçamento do Estado afetas ao orçamento de atividades de serviços da administração direta do Estado, de serviços e fundos autónomos [...] e de receita própria ou consignada, bem como ao orçamento de projetos". Por sua vez, a receita do imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos (ISP) consignada ao Fundo Florestal Permanente (FFP) e ao instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) "destina-se ao financiamento de medidas inerentes à política florestal e a projetos de apoio à agricultura e pesca", no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020 e do Mar 2020.
A proposta do Orçamento do Estado para 2019 prevê 2338,9 milhões de euros para a Defesa Nacional. De acordo com o relatório, foi inscrito no orçamento da Força Aérea para 2019 a "dotação de 49 milhões de euros para despesas com investimentos com os meios aéreos de combate a incêndios", cujo comando e gestão passaram da Administração Interna para a FAP. O relatório destaca um aumento de 20 milhões de euros afetos à nova Lei de Programação Militar, que o Ministério da Defesa estima entregar no Parlamento até ao final de outubro.
Mais efetivos para a PJ e ajustamentos na orgânica dos tribunais são outras medidas previstas neste OE 2019. O governo assume como prioridade para 2019 o reforço dos recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos da Polícia Judiciária e a introdução de ajustamentos na orgânica dos tribunais judiciais e administrativos e fiscais. Segundo a proposta do Orçamento, entre as 30 medidas previstas para o setor da justiça está previsto o aumento de efetivos para a investigação criminal na PJ e implementação do novo regime de proteção às vítimas de crime.