O que pensava Vasco Pulido Valente de Ronaldo, Marcelo ou Saramago?
A 1 de julho de 2018, o DN publicava uma entrevista a Vasco Pulido Valente, a propósito do lançamento do livro O Fundo da Gaveta. Em conversa com o jornalista João Céu e Silva, o historiador deu a sua visão sobre várias personalidades, atuais e passadas, de Portugal
Sá Carneiro
"O Sá Carneiro não era um ideólogo, mas um grande político que percebeu ser necessário para a sobrevivência do país que a direita pudesse governar. Quanto à sua morte, acho que foi um acidente. O Sá Carneiro era uma pessoa que tomava riscos irresponsavelmente. Eu não me metia num avião que tivesse saído das oficinas ou se tivesse de esperar meia hora para estar reparado, iria num avião de carreira. Se não houvesse, metia-me num automóvel. Também nunca seria capaz de guiar como ele, com quem viajei centenas de quilómetros e vi que conduzia de uma maneira desaforada. Tomava riscos incríveis nas estradas estreitinhas do Dr. Salazar, com árvores dos dois lados a cada dez metros. Se nos estampássemos, batíamos nelas e estávamos mortos."
Cristiano Ronaldo
"Acho muito bem que Cristiano Ronaldo seja um herói português. É uma pessoa ultradisciplinada, muito talentosa e inteligente, portanto pode sê-lo. Não é apenas um futebolista, mas uma personagem que seria admirável se também estivesse a fazer uma outra coisa. Alguém que tem aquela concentração e dedicação no que está a fazer, se tivesse outro tipo de atividade seria também um herói. Não é porque joga muito bem futebol, para isso há mais gente, que é tão boa ou melhor do que ele, mas nunca chegarão a ser o Ronaldo. E dizem que não se deixa contaminar quando começa o jogo por nada do que está à sua volta. Se fosse um cirurgião, eu gostava de ser operado por ele."
MEC
"Ralhei muito com Miguel Esteves Cardoso por causa de um título na revista K. Era um título - "Marcello [Caetano] o maior" - tão irresponsável como ele próprio. Ponto final. É uma das pessoas mais irresponsáveis que conheci em toda a minha vida."
Álvaro Cunhal
"Fiz duas campanhas com Cunhal. Chamava-me de vez em quando para falar e, numa visita em que os metalúrgicos no Entroncamento se voltaram de costas para ele ostensivamente, disse-me: "É uma tristeza. Tínhamos esta gente toda e agora ninguém." Noutra vez, perguntou-me o que tinha achado do seu discurso em Avis. Respondi-lhe: Oh senhor doutor, não achei nada. Andei pelo meio das pessoas e toda a gente estava preocupada porque o senhor estava mais magro e não era como na televisão. Ninguém o ouviu, nem eu."
O Presidente
"Já disse tudo o que tinha a dizer sobre Marcelo Rebelo de Sousa. É um presidente implausível. No outro dia estava a vê-lo na televisão a abraçar um boneco do Campeonato do Mundo na Praça Vermelha de Moscovo. E pensei: um senhor de idade, com uma situação na vida, de fatinho e gravata, a abraçar um boneco na Praça Vermelha. Isto faz algum sentido? Claro que a seguir desmaiou. Em que espécie de história ou de situação política é possível imaginar um professor de Direito que tem quase 70 anos, e cabelos brancos, nisto? Nem sei se foi preparado. Isto não pode ser real, pensei."
Eça, Saramago e Antunes
"Eça de Queirós foi o homem que melhor compreendeu o estatuto de Portugal no mundo e a natureza da cultura portuguesa. Nunca quis viver em Portugal porque considerava-o um país subordinado e de uma cultura imitativa. Os Maias é o romance sobre a imitação, não sobre o destino ou o incesto. Ora a coisa imitada nunca é tão boa como a original, mas sempre de natureza inferior. Não escreve nada por acaso, nem as vírgulas, e é de uma precisão absoluta. Depois dele não houve escritor algum com a sua dimensão, nem Saramago ou Lobo Antunes. Coitados... Não vou classificá-los nem falar deles."