Beatriz recorda aquela aula de Ciências do 8.º ano como se fosse hoje. Naquele dia, a professora decide passar na tela da sala o documentário "Seis Graus podem mudar o mundo", do National Geographic, que mostrava o impacto que cada grau a mais poderia ter na terra. O que a jovem viu e sentiu com aquele filme mudou a sua vida, conta. "Foi a primeira vez que pensei como isto me iria afetar a mim e não apenas às gerações que chegarem daqui a 200 anos como me tinham dado a entender." Cinco anos depois, Beatriz Barroso, agora com 18 anos, contacta Matilde Alvim, 17, sua amiga, com uma dúvida: "Em Portugal, alguém está a organizar algum movimento pelo clima a 15 de março?" - o mesmo dia em que outros 111 países preparavam uma greve climática estudantil à boleia da pequena sueca Greta Thunberg. A resposta foi negativa. "Chegámos à conclusão de que deveríamos fazer alguma coisa", recorda..Por todo o país, 20 mil estudantes saíram às ruas. E nesta sexta-feira o movimento repete-se em Portugal. O DN foi ao encontro das duas jovens para saber, afinal, o que ambas fazem no dia-a-dia por um mundo mais sustentável..No Jardim do Arco do Cego, em Lisboa, nesta quinta-feira, vários jovens preparavam os cartazes para a nova greve, com início às 10.00 desta sexta-feira. Sentados sobre os casacos, vários debatem as mensagens que neles escreverão, direcionadas ao ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que recebeu os impulsionadores da greve antes da primeira edição da mesma..Entre eles estão Beatriz Barroso e Matilde. Escrevem, pintam, contornam mensagens e recordam o que as levou até àquele momento. Beatriz conta como a crise climática sempre lhe foi explicada, na escola, "como um futuro muito distante". Mas desde a visualização daquele documentário que decidiu que não ficaria à espera desta sina, convencida de que estava bem mais próxima do que aquilo que lhe era transmitido..As mudanças, contudo, foram graduais. Só no ano passado, em novembro, é que começou a fazer a transição para uma dieta à base de plantas - "ainda que por motivos familiares nem sempre o consiga cumprir à risca", confessa. "Vim a aperceber-me, cada vez mais, do impacto de que a indústria animal tem no planeta. A quantidade de água que se gasta para ter um quilo de carne de vaca é muito superior à quantidade de recursos para ter um quilo de grão, por exemplo.".Também Matilde está a mudar a alimentação. Desde há dois anos que não come carne. Ao peixe ainda é obrigada pela mãe, mas tem intenções de levar a missão mais a sério num futuro próximo. Admite que gostava de fazer o mesmo quanto às suas opções de mobilidade. "Eu até gostava de andar mais de transportes públicos, mas só existem de hora em hora na minha zona. Torna-se impossível para mim", lamenta. Ainda assim, deixa a mensagem: "Sempre que podemos, devemos, sim, usar bicicleta e mais transportes públicos." É de Palmela, assim como Beatriz, que garante que "praticamente só" anda de transportes públicos ou a pé. Confessa que a missão complica-se devido à escassez de horários, mas faz "o sacrifício"..Quanto ao plástico, Matilde não usa palhinhas e Beatriz, mesmo que usando algum, "só o duradouro", para evitar a compra durante anos..Mas importante também, frisa Beatriz, "é trocar as compras em grandes superfícies por compras em comércio local". Assim, "estamos a incentivar mercados mais pequenos e a economia circular", ao passo que reduzimos "as emissões por detrás da transportação de um produto que vem de outro país ou mesmo de outra zona de Portugal". Tudo comprado e usado, importa ainda pensar a reciclagem, que garante não falhar na sua casa..Matilde, contudo, reforça que a ação individual não é tudo. "É ótima e necessária, mas só vamos lá através de movimentos coletivos. E por isso é que me junto a isto", disse. A amiga Beatriz concorda. Aliás, desde a sua infância nos escuteiros que é motivada a fazer voluntariado em "iniciativas mais verdes"..Um protesto à boleia das Europeias.Já lá vão dois meses desde que a primeira greve climática estudantil teve lugar em Portugal. Os protestos mobilizaram milhares de jovens portugueses em vários cantos do país. Quase dois meses depois, querem voltar às ruas, dois dias antes das eleições europeias - e tendo-as precisamente como mote. Em vários outros países do mundo haverá jovens com a mesma causa.."Nenhum partido tem uma agenda climática suficiente", alerta Matilde. Uma agenda suficiente, embora não ideal, seria pelo menos "reduzir 50% das emissões até 2030, proibir a exploração de fósseis, novos furos", disse. "Para mim, são estes os pontos mais importantes.".E desde que a jovem Greta Thunberg, de 16 anos, começou a lutar que Matilde sente "os jovens mais sensibilizados" para a causa climática. Por isso, não tem dúvidas de que terá peso nestas eleições..Daqui a dez anos, Matilde terá 27 anos e Beatriz terá 28. Esperam essencialmente que esse mundo de então seja mais sustentável, mas Beatriz especifica: "Gostaria de saber que vivemos num planeta onde se tenha conseguido pôr um travão às emissões." Mas é uma perspetiva realista? - perguntamos. "Não só realista como necessária.".Greta mobilizou jovens de todo o mundo.Esta é apenas mais uma greve das muitas que decorrem há meses neste mesmo dia da semana, todas as semanas, em diversas localidades espalhadas pelo mundo - um cardápio do qual Portugal ainda não fazia parte até 15 de março, o dia da primeira Greve Climática Estudantil portuguesa..De cartaz em riste, vários estudantes mobilizam-se pela iniciativa criada por Greta Thunberg e que ficou conhecida como Fridays for Future (ou, em tradução livre, Sextas-Feiras pelo Futuro). Da Bélgica à Austrália, os jovens estão a pedir ajuda aos políticos nacionais e internacionais, alertando para o futuro com o qual terão de viver se nada mudar.."Eu não quero a vossa esperança. Eu não quero que sejam esperançosos. Eu quero que vocês entrem em pânico", foram as palavras da ativista sueca. A mensagem foi declarada perante líderes mundiais reunidos em Davos, no Fórum Económico Mundial, em janeiro deste ano..E alertou: "Resolver a crise climática é o maior e mais complexo desafio que o Homo sapiens já enfrentou. A principal solução, no entanto, é tão simples que até uma criança pequena pode entendê-la. Temos de parar com as emissões de gases de efeito estufa."