Os dois maiores fatores que conspiram a favor de um Brexit sem acordo são a má escolha de argumentos por aqueles que o querem parar, e a crença um tanto ingénua de que um Brexit sem acordo pode ser detido pela simples força de uma alteração parlamentar..Os principais argumentos atuais contra um Brexit sem acordo parecem ser similares aos montados durante a campanha do referendo em 2016: imagens de camiões a recuarem até aos quintais ingleses, prateleiras vazias e ervas a rolarem pelo chão de cidades desertas. Tenha muito medo, é a mensagem..Eu concordo que um Brexit sem acordo é uma má ideia. Poderá acabar numa tragédia humanitária para muitas pessoas. Terá de haver uma fronteira rígida na Irlanda imediatamente. Muitas pessoas perderão os seus empregos como consequência direta ou indireta. Pode ser o fim de muitas pequenas empresas que negoceiam com a UE. Certamente que o correto será dar às pessoas um tempo de transição suficiente para porem os seus assuntos em ordem?.O estatuto legal de cinco milhões de britânicos e cidadãos da UE ficaria de repente em questão. A verdadeira rutura não seria no produto interno bruto, mas nas vidas das pessoas. As filas acabarão por desaparecer. As prateleiras encher-se-ão de prosecco assim que os comerciantes descobrirem como preencher um formulário alfandegário. A maioria dos problemas técnicos pode ser gerida, mas o impacto humano perdurará..Eu não concordo com aqueles que estão a descartar confiantemente a hipótese de não haver acordo, como o negociador do Brexit que bebeu demais num bar de hotel em Bruxelas. A probabilidade de um Brexit duro permanece mais alta do que a maioria das pessoas pensa..Mesmo que Teresa May, a primeira-ministra, seja obrigada a pedir uma prorrogação do processo de divórcio previsto no artigo 50.º, é improvável que a UE a conceda para além do final de junho..Nessa altura, todos terão concluído os seus preparativos para a saída sem acordo. O choque e o horror, ainda presentes agora, terão desaparecido. E, além disso, está longe de ser evidente que a alteração, se aprovada, se torne lei a tempo da votação importante. Se o Brexit fosse uma comédia, um final adequado seria uma obstrução na Câmara dos Lordes. Infelizmente, isso é tecnicamente possível..Então, vamos supor que o pior acontece. O que vem a seguir? Para o governo e para o Banco de Inglaterra, a resposta a curto prazo deve ser igualmente direta: tratar um Brexit duro da mesma forma como lidaram com o colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008. A crise financeira ensinou-nos que as economias modernas são relativamente robustas contanto que façamos as coisas certas. As taxas de juro devem cair, a política orçamental deve expandir-se e a libra vai cair..Para lá do curto prazo, o Reino Unido deve elaborar uma estratégia pós-industrial inteligente. O que importa para a saúde a longo prazo de uma economia é a inovação e a criatividade. O regime comercial é importante, mas não é a única questão, nem mesmo a principal. Os produtos que comercializamos agora são baseados em inovações que ocorreram no passado. É claro que as futuras invenções acabarão sendo negociadas, mas o foco deve estar primeiro no que gera riqueza em vez de na remoção de tarifas, na maioria dos casos pequenas..Neste ponto, o Reino Unido não é desleixado. O Índice de Inovação Global de 2018 coloca o Reino Unido na quarta posição, à frente da Alemanha e dos EUA. A Alemanha está numa posição mais vulnerável. Uma década de subinvestimento deixou o potencial de crescimento enfraquecido e o país está a perder a sua liderança tecnológica em áreas que costumava dominar, como os automóveis..Depois de um Brexit duro, o Reino Unido deve apostar na inovação. Ao mesmo tempo, terá de abordar as causas do Brexit, incluindo os níveis crescentes de desigualdade, e gerir o impacto imediato que uma saída sem acordo invariavelmente terá no país..Mas o principal foco estratégico deve estar na mudança do modelo de negócio rentista, o qual acredito ter sido uma das razões mais profundas por trás da votação do Brexit. Com o mercado único dos serviços financeiros, o Reino Unido tornou-se o centro financeiro da zona euro. Era um nicho lucrativo, mas a economia britânica tornou-se excessivamente dependente das finanças. O Brexit oferece uma oportunidade para reequilibrar as coisas..Os economistas políticos sabem há muito tempo que os interesses estabelecidos são o que impedem os países de transformar as suas estruturas industriais. É preciso choques para que isso aconteça, e é por isso que o Japão e a Alemanha prosperaram após a Segunda Guerra Mundial. Não há razão para pensar que o Reino Unido não possa prosperar mesmo depois de um Brexit duro..Ninguém em sã consciência justificaria a Segunda Guerra Mundial em termos dos efeitos económicos fortuitos no pós-guerra. Também seria errado justificar um Brexit sem acordo, alegando que daria ao Reino Unido a oportunidade de fazer alterações que de outra forma não teria feito..Mark Carney, o governador do Banco de Inglaterra, está certo. Haverá alguns efeitos positivos. Dito isto, um Brexit sem acordo continua a ser uma muito, muito má ideia..© The Financial Times Limited, 2019.