Que grande provocação dialogar sobre esperança num tempo como o que experimentamos agora. Mas é isso mesmo que acontecerá já este fim de semana na gare Marítima de Alcântara. Num momento de convulsão política, de evidente carestia, de transformações tecnológicas desafiantes e com duas guerras brutais à nossa porta, precisamos que a esperança eleve o nosso horizonte. Essa é a proposta que o Meeting Lisboa traz à cidade, durante dois dias, através de exposições, debates e teatro. Dos desafios do trabalho a saber como é possível a santidade no século XXI, passando pela inteligência artificial e por Fernando Pessoa, haverá lugar para muita conversa e, em especial, para o espanto de um olhar positivo sobre a realidade. Exemplo disso mesmo será a exposição Homens, apesar de tudo concebida pela associação russa Memorial que recebeu o Prémio Nobel da Paz o ano passado..Tendo sido fundada em plena Glasnost soviética, a associação foi considerada um 'agente estrangeiro" e ilegalizada em Dezembro de 2021. Há duas semanas, durante o seu julgamento, Oleg Orlov, co-presidente da associação -- que sempre foi crítica da intervenção militar russa na Ucrânia -- declarou, com o ânimo inesperado de quem corria o risco de ser sentenciado a uma pena de prisão, "agora pode parecer que tudo o que fizemos foi destruído e que o nosso trabalho não teve significado. Mas não é esse o caso. Estou confiante de que não vai demorar muito até que a Rússia saia da escuridão em que está atualmente mergulhada." Precisamente, esse nunca largar da esperança tem sido o traço permanente da sua atividade. Como afirma o escritor francês Olivier Rollin em O Meteorologista (2014) "o Estado soviético não inventou a ressurreição dos mortos, mas um outro grande mistério: a multiplicação dos mortos." Ora, a ação da Memorial foi determinante na resolução desse mistério, sobretudo associado aos Gulags, mas não só, e que torturou milhões de famílias, que durante décadas não sabiam o que tinha acontecido aos seus membros desaparecidos..Não menos importante, contudo, é o que essa investigação apura e que nos é demonstrado na mostra patente em Lisboa: através da correspondência e de objetos variados -- por vezes pobres e ingénuos, por vezes testemunhas de uma criatividade surpreendente -- emergem histórias extraordinárias de amizade, dor e verdade, que documentam a esperança relativamente ao seu destino, que se conservou na fibra mais íntima de cada uma das pessoas detidas, mesmo nas condições mais desumanas. Como comprovam as pequenas memórias que recheiam a exposição da Memorial, a imaginação e a esperança humanas são infinitas. E no final o terror falha. E falha não por falta de vontade e de desejo do próprio sistema totalitário. Mas, simplesmente, porque face à natureza humana o controlo totalitário é irrealizável e absurdo. Uma lição de esperança de que estamos mesmo a precisar..Professora e Investigadora, IEP-Católica