O que fazer perante a diminuição dos diagnósticos de Cancro do Colo do Útero em tempo de pandemia?

A Liga Portuguesa Contra o Cancro estima que quase mil cancros da mama, do colo do útero e colo-rectal não foram diagnosticados nos últimos oito meses devido à covid-19 em Portugal. E lança um alerta. Não se esqueça: mais vale prevenir que remediar.
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À medida que a pandemia do SARS-CoV-2 parece agravar-se, a sobrecarga sobre os sistemas de saúde aumenta drasticamente, as instituições de saúde têm necessidade de se reestruturar e fica em causa a resposta às situações "não urgentes". Por outro lado, as pessoas evitam recorrer às unidades de saúde com receio da transmissão da covid-19. Os sinais de alerta são ignorados, as consultas de rotina adiadas e os diagnósticos ficam por fazer. Isto preocupa-me.

Este cenário condiciona, custos para a saúde, um dos quais é a interrupção do rastreio de doenças que podem ser curadas se diagnosticadas precocemente, como acontece com o cancro do colo do útero. A Liga Portuguesa Contra o Cancro estima que quase mil cancros da mama, do colo do útero e colo-retal não foram diagnosticados nos últimos oito meses devido à covid-19 em Portugal.

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde lançou uma ambiciosa estratégia global para eliminar o cancro do colo do útero como um problema de saúde pública. Temos disponíveis todas as ferramentas para conseguir esse objetivo: existe uma vacina eficaz contra o vírus que está presente na maioria destes cancros, o papilomavírus humano (HPV), mas existem também testes eficazes de rastreio (citologia e tipagem HPV) para a sua prevenção secundária, assim como exames de diagnóstico (colposcopia) para o tratamento precoce das lesões pré-cancerosas, tendo sempre presente que este é um dos cancros que pode ser curado, se for detetado atempadamente.

Ainda assim, o cancro cervical é uma das causas mais comuns de morte de mulheres em todo o mundo. Mais de 300.000 mulheres morrem de cancro do colo do útero mundialmente a cada ano, por causa desta doença totalmente evitável.

O atraso no diagnóstico oportuno destas doentes pode levar a uma perda da janela de oportunidade para o tratamento atempado ou a um agravamento da doença, não sendo previsível o impacto que este atraso poderá ter na incidência e mortalidade do cancro do colo do útero no futuro, sobretudo na população mais desfavorecida. Alguns estudos apontam para uma diminuição significativa na sobrevida aos 5 anos, quando o tratamento do cancro do colo do útero é adiado por mais de 4 meses após o diagnóstico inicial.

No atual contexto epidemiológico, é necessário informar adequadamente as doentes por forma a diminuir os seus receios quanto à pandemia, ensinando e criando as condições adequadas de segurança e reforçando a necessidade das medidas de proteção, como a utilização de máscara, a desinfeção frequente das mãos com gel alcoólico, o distanciamento físico e um maior espaçamento temporal entre consultas, evitando ajuntamentos nas salas de espera, recurso à teleconsulta para esclarecimentos e dúvidas, entre outras. Ao mesmo tempo devemos incentivar as doentes a manterem a vacinação contra o HPV e a manterem o rastreio adequado.

É por isso fundamental o papel dos clínicos - médicos de família, ginecologistas e oncologistas - na elaboração de recomendações específicas que contribuam para a prevenção e o controlo do cancro do colo do útero, limitando ao mesmo tempo a possibilidade da disseminação da covid-19 entre as doentes e os profissionais de saúde. Não se esqueça: mais vale prevenir, que remediar.

José Silva Pereira é coordenador da Unidade de Ginecologia Oncológica da CUF Oncologia do Hospital CUF Descobertas

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